Há pelo menos quatro meses que as forças russas não atacavam a capital ucraniana com misseis de longo alcance e esta segunda-feira foram cinco as explosões que se ouviram em Kiev - onde foram registados oito mortos e perto de 30 feridos -, mas também, entre outras, Lviv, a maior cidade ucraniana na parte ocidental do país, junto à fronteira com a Polónia, um país da NATO, foi atingida por vários projecteis de longo alcance e em Zaporijia, a capital provincial da região anexada pela Rússia, e uma das principais frentes de batalha por estes dias, observou o terceiro dia de ataques sucessivos a infra-estruturas militares e civis com serventia militar, como pontes e nós rodoviários.

Este recrudescer óbvio dos ataques russos - Vladimir Putin confirmou já hoje ser uma "retaliação" pelo ataque ucraniano na Crimeia, avisando que vai aumentar de intensidade se KIev mantiver a postura - a alvos em profundidade na Ucrânia é um retomar de uma estratégia que parecia estar posta de lado pela Rússia, que tem concentrado os meios disponíveis nos 1200 quilómetros de frente de guerra que vai do sul, no Mar Negro, em Kherson, ao norte de Lugansk, no Donbass, onde a Ucrânia tem anunciado vários sucessos na retoma de territórios que estavam sob controlo de Moscovo.

E é claramente uma resposta à destruição parcial da ponte que liga a Crimeia à Rússia continental, ao longo de cerca de 19 quilómetros, com vias rodoviárias e ferroviárias, num ataque planeado com recurso a um camião pesado que explodiu sobre o tabuleiro atingindo um comboio que circulava em paralelo carregado de combustíveis, envolvendo toda a infra-estrutura num mar de fogo, deixando-a fora de serviço por mais de 24 horas, tendo a Rússia, já no Domingo, anunciado que estava reposta a circulação.

A Rússia acusou os ucranianos de terrorismo depois deste ataque, tendo alguns analistas militares sublinhado que foi a primeira vez que em solo europeu foi usado um bombista suicida para um ataque entre países em conflito, que até aqui era apenas visto em missões suicidas de natureza radical religiosa islâmica.

O que conforma com o anúncio prévio da possibilidade de o Kremlin estar a preparar o anúncio de uma escalada na guerra ao terminar a sua "operação militar especial" iniciada a 24 de Fevereiro para dar lugar a uma operação anti-terrorismo na Ucrânia, o que permitiria legalmente a Vladimir Putin usar um mais vasto leque de instrumentos do seu arsenal, como, por exemplo, ataques directos aos tais centro de poder e de decisão, infra-estruturas de vários tipos, etc.

Essa é uma possibilidade como um dos temas em cima da mesa da reunião do Conselho de Segurança da Rússia que tem lugar esta segunda-feira, embora nada esteja confirmado, até porque o Presidente russo pode estar a protelar uma escalada neste conflito, incluindo aligeirar a resposta ao ataque à ponte na Crimeia, até 08 de Novembro, dia das eleições intercalares nos EUA.

Isto, porque o Presidente Joe Biden está em risco de perder as maiores tanto no Senado como na câmara dos Representantes, no Congresso, e um eventual aumento da tensão, sendo Washington o principal suporte militar e financeiro à Ucrânia, poderia levar os eleitores norte-americanos a colar o seu voto à Administração democrata.

Para já, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky ficou com um sério aviso, porque dois dos misseis disparados contra Kiev - além dos que atingiram Lviv, Dnipro, Zaporijia, etc. - caíram a uma pequena distância da Presidência ucraniana, deixando claro que Moscovo detém capacidade de furar as reforçadas defesas antimísseis na capital como precisão mais que suficiente para atingir locais onde se albergam os principais dirigentes em Kiev, com a sede dos serviços secretos a ficar a escassos metros de uma das explosões.

Face a isto, Zelensky chamou terrorista a Putin e disse que Moscovo está a tentar destruir a Ucrânia enquanto país.

Há vários meses que os cidadãos de Kiev não se viam obrigados a procurar refúgios nos tuneis do metro e isso voltou hoje a suceder, deixando, de novo, a capital sob uma densa nuvem de pânico, ao mesmo tempo que a energia de extinguia em dezenas de cidades depois de as centrais eléctricas e linhas de transporte de energia erem sido igualmente destruídas nestes ataques, além de que dezenas de linhas de abastecimento vitais, como nós rodoviários e linhas de caminhos-de-ferro, deixando o país fortemente fragilizado quando o Inverno se aproxima rapidamente com as suas temperaturas negativas que podem chegar aos 30 graus negativos.

Mas a temperatura da guerra pode estar claramente a aumentar, até porque os Estados Unidos foram o primeiro país a ordenar aos seus cidadãos a deixarem a Ucrânia o mais rapidamente possível.

Lideres alemão e norte-americano dizem que Putin cometeu "erro de cálculo"

Os líderes da Alemanha e dos Estados Unidos condenaram as recentes anexações de territórios da Ucrânia pela Rússia e consideram que se tratou de um dos vários "erros de cálculo" do presidente russo, Vladimir Putin, durante este conflito, que já vai no 8º mês.

Joe Biden e Olaf Scholz mantiveram uma conversa telefónica sobre a invasão militar russa da Ucrânia, deixando uma nota clara de condenação desta fase de escalada com as anexações de territórios ucranianos, que consideram uma violação massiva dos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas.

Segundo a Lusa, citado pela agência espanhola Efe, o porta-voz do executivo alemão, Steffen Hebestreit, afirmou que o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente norte-americano, Joe Biden, concordaram que a mobilização parcial decretada por Vladimir Putin demonstra, mais uma vez, "o preço amargo" que os cidadãos russos têm de pagar "pelos erros de cálculo" do seu presidente.

Os dois políticos lamentaram ainda as recentes ameaças nucleares "irresponsáveis" de Putin, que, a concretizarem-se, teriam "consequências extraordinariamente graves para a Rússia".

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.