O Presidente da Federação Russa acusou hoje os Estados Unidos e a NATO de terem começado o conflito que já dura há quase um ano, na Ucrânia, com um avanço sobre as fronteiras russas com forças da NATO e procuravam usar a Ucrânia para se aproximarem ainda mais de Moscovo.
A apenas três dias de ficar completo o primeiro ano da guerra na Ucrânia, Vladimir Putin discursou perante centenas de deputados e governantes russos no Parlamento, em Moscovo, para acusar os países ocidentais de procurarem um confronto global com a Rússia.
Explicou que Moscovo não visa ir além dos territórios ucranianos onde se desenrolam os confrontos militares, onde a Rússia está a "acabar com a guerra começada pelos ucranianos com apoio do ocidente em 2014".
Todavia, sobre este ponto, Putin explicou que à medida que o ocidente envia para as forças ucranianas armas com maior alcance, como os misseis de longo raio de acção prometidos por Washington, mais a Rússia terá de avançar no território da Ucrânia para se salvaguardar desse armamento que, nas actuais condições, pode atingir alvos no interior profundo do seu país.
"O ocidente está a usar a Ucrânia como plataforma contra a Rússia e como campo de treino para as suas forças em preparação para futuros confrontos", embora sem explicitar quais.
E avisou que há coisas que devem ser "claras para toda a gente", que é a garantia de que as forças russas vão tão para dentro do território ucraniano quanto for necessário para a sua defesa, sendo este a única indicação sobre objectivos com este conflito, não apontando nenhuma outra direcção ou limite para a sua operação militar especial.
E acusou os EUA de, pelo contrário, terem há décadas uma visão imperialista do mundo, bastando, para isso, "olhar para o mapa e verificar as centenas de bases militares" que Washington espalhou pelo mundo.
Avisou que "os EUA e os seus aliados ocidentais não estão a ser capazes nem vão ser capazes de derrotar a Rússia e apostam agora na manipulação da informação para fazerem vingar as suas posições".
Num longo discurso onde repetiu a bem conhecida versão russa da razão para o conflito no leste europeu, que remonta ao colapso da União Soviética, em 1991, e o avanço da NATO para leste, agregando os antigos países do Pacto de Varsóvia, geograficamente situados nos limites fronteiriços da Rússia, Putin disse que Moscovo "sempre esteve e está disponível para falar com os parceiros ocidentais".
Insistiu na ideia de que o regime de Kiev é composto por elementos neo-nazi com um comportamento criminoso, "porque, para o ocidente, tudo serve para combater a Rússia", recordando a forma como logo em 2014, a cidade de Donetsk era bombardeada por artilharia pesada e aviação de guerra, bem como as acções criminosas dos grupos extremistas criados com o apoio do ocidente liderado pelos Estados Unidos, como aqueles que têm como referência antigos colaboracionistas com as forças nazis de Hitler, como Stepan Bandera - nacionalista que colaborou com Adolf Hitler durante a ocupação da Ucrânia que resultou na morte de centenas de milhares de pessoas -, que foi erguido a herói nacional na Ucrânia.
"Os povos ocidentais estão mergulhados em propaganda mas, mesmo assim, nós estamos abertos para um diálogo construtivo com os parceiros ocidentais", apontou, embora tenha mostrado que não esquece o que o ocidente, especialmente os EUA, fizeram para levar a Ucrânia a uma "histeria antirússia" incompreensível.
"As escolas e academias militares ocidentais andam há anos a treinar e a preparar batalhões neo-nazis e extremistas para este momento de guerra de proximidade com a Rússia", acusou.
Vladimir Putin lembrou que os países da NATO estão a empurrar as suas posições cada vez mais para leste, na Europa, forçando a resposta da parte russa, lembrando que "quando mais as posições deles estiverem próximas das nossas fronteiras, mais nós vamos ter de os empurrar para uma distância mais segura".
E avisou que está consciente de que os ocidentais estiveram a jogar com "um baralho viciado" durante muito tempo, porque "simulavam esforços diplomáticos para acabar com o conflito enquanto a população do Donbass estava a ser atacada pelos ucranianos com armas ocidentais".
Neste discurso anual dirigido à Assembleia Federal, o principal Parlamento da Federação Russa, voltou a lembrar que os acordos de Minsk - que agregavam Kiev, Moscovo e pa+ises europeus - foram usados para ganhar tempo e assim fosse possível armar a Ucrânia com equipamento ocidental e treino dos seus militares, para um posterior confronto com a Rússia.
"Foi tudo um espectacular bluff", disse Putin, ao mesmo tempo que lembrava que são os próprios lideres ocidentais, como a antiga chanceler alemã, Angela Merkel, que o confirmou já depois de a guerra estar a decorrer, assim como o antigo Presidente francês, François Hollande.
Numa frase que revela igualmente falsa ingenuidade, Putin disse que "eles (o ocidente) mostram-se mesmo orgulhosos da sua traição", explicando que "todo o tempo em que o Donbass (Donetsk e Lugansk) estavam a arder sob bombardeamentos ucranianos, e o sangue corria nas ruas, enquanto a Rússia pensava sinceramente que eles buscavam uma solução pacífica, estavam, afinal, a planear a guerra e a brincar com a vida das pessoas, jogando com um baralho viciado".
Apesar de violento, este discurso de Vladimir Putin dificilmente pode ser visto como conendo alguma novidade, excepto a repetição da disponibilidade russa para continuar a sua ofensiva na Ucrânia, agora que a guerra se abeira de um ano de duração.
Putin foi especialmente desafiador para os EUA, que acusou de estarem a forçar um controlo sobre todos os povos do mundo através das suas centenas de bases militares, aproveitando da fragilidade ocidental para manipular, através de informação falsa, para a ideia de que é a Rússia que tem uma postura de conquista.
Acusou ainda o ocidente de usar um "detestável método de deceção" durante outras campanhas militares, como na Jugoslávia, Iraque, Líbia ou na Síria, notando que Washington "nunca poderá limpar estas vergonhas do seu cadastro desgraçado".
"Acostumados como antigas potências coloniais, os ocidentais habituaram-se a ter rudo o que querem", apontou, tendo recordado que as províncias de Lugansk e Donetsk, que, juntas, compõem o Donbass, o extremo leste ucraniano, e Zaporijia e Kherson, aprovaram por referendo - não reconhecido internacionalmente - a integração, em 2022, na Federação Russa, o que já tinha sucedido com a Crimeia, em 2014.
Putin alertou ainda para a "coisa de doidos" que é a NATO e os EUA estarem a exigir inspecções às armas estratégicas russas, o seu arsenal nuclear, ao mesmo tempo que essas mesmas pessoas estão lado a lado com o regime de Kiev num conflito com a Rússia.
"Isto parece mesmo coisa saída da cabeça de quem saiu de um hospício", ironizou Putin, deixando em evidência a bizarria que seria os sistemas de defesa russos estarem a ser inspeccionados por quem já disse repetidamente que quer ver a Rússia derrotada militarmente.
O chefe do Kremlin referia-se ao Tratado das Armas Nucleares (START) de 2010 e posteriormente prolongado, que prevê a redução dos arsenais e a respectiva inspecção para verificação, sendo que Putin diz que os EUA querem fazer essas inspecções na Rússia mas não permitem que os russos o façam nos EUA.
Essa a razão pela qual Putin anunciou que Moscovo suspende a sua participação no processo de elaboração de um novo Tratado START sobre armas nucleares, tendo ainda deixado claro que se os EUA iniciarem novos testes a novas armas nucleares, a Rússia fará imediatamente os seus testes para a criação de mais poderosas e novas armas nucleares.
Neste discurso, Putin alargou o foco a vários temas, como a educação, a saúde e a economia, onde prometeu mais investimento para elevar a qualidade dos primeiros, e sublinhou a frustrante, para o ocidente, resiliência russa, quanto ao terceiro tema...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo..
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.