Ou seja, o que Sergei Peskov pretendeu dizer foi que sempre que Vladimir Putin se refere ao uso potencial do seu arsenal nuclear é para reafirmar a doutrina russa do uso deste armamento, que só é considerado face a um ataque nuclear iminente contra a Federação Russa ou uma ameaça existencial para o país que pode ser também de natureza convencional".
Face a isto, apesar de Putin já ter sido claro ao admitir o uso de armas nucleares, aconselhando o ocidente a não pensar tratar-se de um "bluff", embora sempre referindo a doutrina russa sobre esta questão, alguns analistas justificam agora as dúvidas mostradas por Joe Biden com o facto de os media ocidentais terem feito uma frente alargada onde apostaram editorialmente neste tema, de forma a pressionar Moscovo como potencial utilizador em primeira instância da arma nuclear na Ucrânia, até para rebater a acusação que os russos fizeram a Kiev de que está a preparar o uso de uma "bomba suja" no conflito para acusar Moscovo da sua autoria.
É igualmente verdade que os media russos, especialmente os estatais criados para alimentar o mundo ocidental com informação produzida na Rússia e por jornalistas russos, como o canal Russia Today ou o site Sputnik News, têm procurado criar factos contrários, erguendo uma barreira informativa a partir de onde é enfatizada a acusação russa a Kiev de que está à beira de usar uma bomba "suja" - involucro/projéctil com explosivos convencionais aos quais se junta material radioactivo usado nas centrais nucleares de uso civil - nesta guerra, destacando as conversas do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, com os seus homólogos dos EUA, Reino Unido, Turquia e França a quem alertou para as intenções "sujas" dos ucranianos.
Sem deixar cair este assunto, o Presidente Joe Biden, que está a lidar com um grave problema interno de natureza económica, com uma inflação astronómica, a maior em 40 anos, uma recessão à vista, e um levantamento de um grupo de congressistas democratas, como ele, a exigir negociações com os russos para acabar com a guerra, embora esses 30 congressistas tenham, depois, retirado a carta enviada a Joe Biden, por, evidente pressão da sua Administração, que sentiu que este episódio poderia fragilizar ainda mais a posição do Partido Democrata nas eleições intercalares de 08 de Novembro, onde as sondagens dizem que vão perder as maiorias tanto no Senado como na Câmara dos Representantes.
Isto é um elemento de extrema importância neste conflito no leste europeu porque os Republicanos de Donald Trump, que já disse que vai concorrer contra Biden em 2024, não estão na mesma sintonia que os Democratas quanto à emissão de contínuos cheques em branco à Ucrânia, de forma a alimentar a guerra, apostando claramente na politica interna em detrimento da externa.
Insistindo, todavia, Biden contra-ataca Putin questionando-o directamente: "Se não quer usar armas nucleares na Ucrânia, porque é que está sempre a falar nisso?", acrescentando que Putin "tem sido muito perigoso na forma como repete amiúde a habilidade russa de usar armas nucleares".
Entre estes discursos contraditórios e até irresponsáveis dos dois líderes das maiores potências nucleares do mundo, que se confrontam claramente na guerra de proximidade em curso na Ucrânia, com americanos a garantir armas e dinheiro a Kiev para aguentar o embate com Moscovo, o facto é que tanto russos como norte-americanos realizaram gigantescos exercícios militares que envolveram a movimentação de armas nucleares, incluindo disparos de misseis balísticos e os bombardeiros estratégicos, além de submarinos e silos nucleares terrestres, enquanto os EUA aceleraram a modernização do seu dispositivo nuclear na Europa que estav previsto para suceder apenas nos próximos anos.
Face a este cenário dantesco, é já claro que o mundo atravessa o seu momento mais grave desde Outubro de 1962, quando os EUA e a então União Soviética estiveram em vias de um confronto nuclear catastrófico devido à denominada crise dos misseis de Cuba, a ponto de os EUA terem, no seu mais recente documento que plasma a sua Estratégia de Defesa Nacional, retirado o ponto seguro de não serem os primeiros a usar uma arma nuclear, colocando agora a possibilidade do chamado "first strike - primeiro ataque" em caso de ameaça iminente aos norte-americanos ou aos seus aliados da NATO.
O que é uma resposta clara ao acto de também a Rússia, por ordem de Putin, ter colocado, logo após a invasão da Ucrânia, o seu sistema de defesa nuclear em "alerta máximo" o que pressupõe uma continuada condição de uso das suas bombas atómicas em todas as plataforma, aéreas, marítimas ou terrestres.
No campo de batalha, a questão permanece quase na mesma desde há duas semanas, com a grande dúvida é saber se os ucranianos vão mesmo efectivar as suas ameaças de uma forte contra-ofensiva em Kherson, num sul, e uma das quatro regiões anexadas pela Rússia após referendos.
Para já, e apesar de muitas palavras, com um redemoinho de contra-informação de um e do outro lado, mantendo-se os media ocidentais claramente como pivots dessa estratégia ucraniana, tudo indica que a chegada do Inverno vai arrefecer os ânimos e impor um longo intervalo nos combates...
Enquanto isso, as possibilidades da paz voltaram a ganhar luminosidade através de um golpe de asa do Presidente da Guiné-Bissau, surpreendendo o mundo ao conseguir voltar a colocar os Presidentes ucraniano e russo no mesmo comprimento de onde, embora mantendo as aparentes linhas vermelhas...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.