O Presidente russo olhou para os números e concluiu que a Rússia está a aguentar bem os "castigos" do ocidente e os "colegas" da Europa ocidental estão a cometer "suicídio económico" com as sanções a Moscovo pela invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro.
Os dados conhecidos do impacto da guerra na economia russa e na União Europeia, ou mesmo nos EUA, não desmentem Vladimir Putin quando este diz que os países ocidentais em geral e os europeus em particular estão a escavar um buraco de onde podem não conseguir sair tão cedo.
O senhor do Kremlin apontou exemplos, num encontro realizado na terça-feira, em Moscovo, com alguns líderes euro-asiáticos, para a sua tese de que os "colegas" europeus não estão a ler a realidade da melhor forma, com generalizados aumentos da inflação, desemprego galopante, combustíveis em valores recorde, alimentos cada vez mais escassos e mais caros... risco de recessão, tanto na Europa como nos EUA..
E o cenário em pano de fundo a estas declarações de Vladimir Putin é ainda constituído pela sólida valorização da moeda nacional, o Rublo, o aumento das receitas na exportação de crude e gás russos, a par da incandescente inflação nos EUA e na União Europeia e o surgimento de robustos protestos populares, desde as ruas das capitais europeias ao castigo nas eleições dos políticos que defendem o prolongamento do conflito.
Desde o começo da guerra na Ucrânia, a União Europeia elaborou seis pacotes de sanções económicas, que vão da proibição de exportação de tecnologia para a Rússia ao congelamento de contas do Estado e de privados aliados do Kremlin, os "oligarcas", designação comum para pessoas que enriqueceram à sombra do poder de Putin, fecho do sistema financeiro global aos bancos russos... mas ainda por incidir onde estas podem ser mais abrasivas para as contas públicas da Rússia: o sector do petróleo e do gás.
A União Europeia, depois de os EUA terem proibido totalmente as importações de petróleo e gás russos mas com os dados fornecidos pelas agências a apontarem para, ao invés, um aumento da compra de crude à Rússia pelos Estados Unidos em perto de 30%, ainda não conseguiu consolidar um plano para embargar o crude russo devido ao veto de alguns países mais dependentes dele e sem alternativas viáveis para o fornecimento. O gás é ainda mais difícil e não está, sequer, e para já, em cima da mesa.
Mas a constante ameaça de acabar com as importações de crude russo e, depois, de gás, pelas quais o bloco dos 27 países europeus pagavam, diariamente, antes da guerra, mais de 750 milhões USD a Moscovo, levou a que, hoje, paguem substancialmente mais porque o mercado reagiu e reage em alta a cada ameaça renovada de embargo.
Contas feitas, este cenário de avanço e recuo na criação de condições na União Europeia para acabar com as compras a Moscovo de crude e gás levou a que estas matérias-primas batessem recordes, com o gás a valer mais 40%, e o crude tenha chegado, a 09 de Março a 139 USD/barril, a apenas sete dólares do máximo de sempre, em Junho de 2008, onde transaccionou a 147 USD, no Brent de Londres, estando solidamente acima de 110 USD há mais de dois meses, quando valia entre 60 e 70 antes de 24 de Fevereiro.
Para esta complexa aritmética contribui o facto de o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky e o seu Governo estarem em permanência a insistir no embargo europeu aos hidrocarbonetos russos porque é com as receitas da sua venda que Moscovo financia a guerra na Ucrânia e ainda pelo facto de os mercados serem especialmente sensíveis a tido o que respeita aos grandes produtores de energia, como é a Rússia, que está no topo da lista dos produtores/exportadores de gás e petróleo.
Apesar do largo espectro das sanções ocidentais, da União Europeia aos EUA, passando pela Austrália, Japão, Coreia do Sul..., alguns analistas admite já que a Rússia está a resistir melhor que uma boa pate destes países aos efeitos do conflito no leste europeu nas suas economias, muito porque a Rússia yem uma economia assente na exportações de recursos naturais fundamentais para a economia global e são tremendamente escassos, além dos hidrocarbonetos, desde logo terras raras, níquel, urânio...
Face a isto, num claro desafio aos "colegas" ocidentais, Putin já disse publicamente que estes vão ficar com o efeito das suas sanções nas suas economias enquanto a Rússia está a redireccionar as suas exportações de crude e de gás para "países amigos", desde logo a Índia, a China, entre outros.
Mas o Kremlin está a aproveitar este momento de maiores dificuldades nas economias ocidentais, como é o caso mais evidente dos EUA, com a inflação a bater um recorde de 40 anos e com os analistas a admitirem que a maior economia mundial está à beira de uma recessão grave, tudo por causa dos efeitos da guerra na Ucrânia, e com as preocupações crescentes com a expansão da fome generalizada nalgumas regiões asiáticas, africanas e sul-americanas... para contra-atacar no plano da retórica política.
Nesse sentido, Moscovo acaba, através do chefe do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolay Patrushev, de acusar os países da NATO, especialmente os Estados Unidos, de estarem a usar a Ucrânia para uma "guerra não declarada" à Rússia colocando em risco a sua segurança vital e obrigando o Kremlin a reagir de forma veemente.
Patrushev acrescentou que o ocidente está por detrás desta "crise geopolítica sem precedentes" depois de ter "destruído a arquitectura global de segurança e o sistema legal internacional", ao terem preferido um "avanço da expansão política e militar em direcção à Rússia" em vez de uma aproximação "construtiva e dialogante" com Moscovo.
Entretanto, no capítulo dos Direitos Humanos...
A organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) denunciou execuções sumárias, torturas e outros abusos graves cometidos sobre civis pelas forças russas que controlam grande parte das regiões ucranianas de Kiev e Chernihiv.
Os casos terão acontecido entre finais de Fevereiro e em Março, acrescentou.
A HRW visitou em Abril 17 aldeias e pequenas cidades das regiões de Kiev e Chernihiv.
"As numerosas atrocidades cometidas pelas forças russas, que ocupam partes do nordeste da Ucrânia, no início da guerra são repugnantes, ilegais e cruéis", disse o director para a Europa e a Ásia Central da ONG, Giorgi Gogia.
"Estes abusos contra civis são crimes de guerra evidentes que devem ser imediata e imparcialmente investigados", defendeu.
A HRW entrevistou 65 pessoas entre 10 de Abril e 10 de Maio, incluindo ex-detidos, sobreviventes de tortura, famílias de vítimas, e outras testemunhas. Por outro lado, também examinou provas físicas nos locais onde teriam ocorrido alguns dos abusos, bem como fotografias e vídeos partilhados por vítimas e testemunhas.
"Desde a invasão russa da Ucrânia a 24 de Fevereiro, as forças russas têm estado implicadas em numerosas violações das leis de guerra que podem corresponder a crimes de guerra e crimes contra a humanidade", salientou a ONG, que tinha já documentado execuções sumárias em Bucha e em várias outras cidades e aldeias do nordeste do país durante a ocupação das forças russas em Março.
... e a guerra continua
A Rússia está a amentar de forma inequívoca os seus ataques a infra-estruturas de interesse militar na Ucrânia com recurso a mísseis de longo alcance e de precisão, como os Iskander ou os Kalibr, disparados de sistemas móveis terrestres, os primeiros, e de navios ou submarinos estacionados no Mar Negro.
Segundo informações veiculadas já esta quarta-feira, mais de 360 militares ucranianos podem ter morrido num ataque com quatro misseis a uma unidade militar de trânsito para a linha da frente, vários armazéns de material de guerra fornecido pela União Europeia e pelos EUA foram igualmente destruídos, provocando uma fragilização considerada importante da capacidade de resiliência das forças ucranianas.
A par destas informações, como lembrou o especialista militar ouvido pela CNN, o major-general Carlos Branco, sendo a região do Donbass a principal frente de batalha, ali as forças russas já conseguiram cercar mais de 15 mil tropas ucranianas, na área de Severodonetsk, na república independentista de Lugansk, com um previsível desfecho trágico para os defensores nacionais ucranianos.
Porém, de acordo com o Governo de Kiev, depois de vários dias a anunciar que uma vitória ucraniana estaria mais próxima que nunca, esta guerra pode agora prolongar-se por muito tempo.
A guerra entre a Ucrânia e a Rússia está a entrar numa "fase prolongada", com Moscovo à procura do controlo total da região do Donbass e da ocupação do sul, realçou esta terça-feira o ministro da Defesa ucraniano.
"A Rússia está a preparar-se para uma operação militar de longo prazo. A guerra está a entrar numa fase prolongada", salientou, citado pela Lusa, Oleksiy Reznikov, numa declaração aos ministros da Defesa da União Europeia (UE) e ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.
Oleksiy Reznikov referiu que as forças russas estão actualmente a fortalecer as suas posições nos territórios que ocupam nas regiões de Zaporizhia e Kherson, para "entrarem em modo defensivo, se necessário".
"Actualmente, os principais esforços do Kremlin [presidência russa] estão focados em tentativas de cercar e destruir a consolidação das forças armadas ucranianas nas regiões de Donetsk e Lugansk", no leste do país, em parte nas mãos de separatistas pró-Rússia, analisou ainda.
O ministro da Defesa ucraniano também apontou como objectivo de Moscovo a "criação de um corredor terrestre que ligue a Rússia à Crimeia", península anexada pela Rússia em 2014, bem como a ocupação de "todo o sul da Ucrânia".
No discurso divulgado na rede social Facebook, Oleksiy Reznikov pediu aos aliados ocidentais da Ucrânia uma maior coordenação nas entregas de armas a Kiev "para libertar os territórios ucranianos o mais depressa possível".
Face a estes relatos preocupantes para, não só a capacidade de resistência ucraniana, mas essencialmente os efeitos crescentemente negativos deste conflito nas economias dos países europeus, Volodymyr Zelensky voltou a falar longamente com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e com o chanceler Olaf Scholz, com essa preocupação em cima da mesa.
No Twitter, Zelensky explicou que estas conversas versaram sobre o que está a suceder ao nível do resgate - Moscovo diz que se tratou de uma rendição em massa - dos militares entrincheirados na metalúrgica Azovstal, em Mariupol, com mais de 260 a deixarem o local na terça-feira, dezenas gravemente feridos, permanecendo no local entre 700 e 800.
No entanto, de acordo com alguns analistas, o que o eixo franco-alemão está a procurar de forma célere é criar condições para que este conflito termine e com ele as severas consequências económicas para a economia do mundo, que começa a gerar fortes preocupações não só devido ao desemprego e à inflação no ocidente mas também uma crise galopante de insegurança alimentar com geografia cada vez mais alargada, da África à Ásia, passando ainda pela América Latina...
Para o "espectáculo" que esconde as verdadeiras preocupações dos líderes europeus, tanto Kiev como Moscovo deixaram crescer mais uma guerra de propaganda com enfoque na saída de combatentes da Azovstal, com os ucranianos a dizerem que se tratou de um resgate dos seus "heróis" enquanto os russos sublinham que se tratou de uma rendição, como o confirma o facto de todos eles terem sido conduzidos, os feridos, para hospitais russos, e os restentes para campos de prisioneiros em território controlado pelos independentistas de Donetsk pró-russos.
O reforço da capacidade de combate de Moscovo
Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.
Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.
O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.
Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.
Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.
Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana por não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.