Os acontecimentos precipitam-se em Mariupol, na unidade metalúrgica Azovstal, em cujos subterrâneos fortificados resistem os últimos combatentes ucranianos e alguns civis que ninguém percebe o que estavam ali a fazer, na mais escaldante frente de batalha, e permanecendo mesmo quando ainda não estavam cercados pelas forças russas.

As teorias da conspiração começam a ganhar tamanho volume que passam a ter valor noticioso e entre estas há para todos os gostos, especialmente válidas desde que o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, esteve em Moscovo e em Kiev e conseguiu, com aparente sucesso, que os Presidentes russos, Vladimir Putin, e ucraniano, Volodymyr Zelensky, criassem as condições mínimas para a saída de centenas de civis do subsolo da metalúrgica Azovstal.

Uma das teorias, que começou a ser gerada desde o início do cerco russo à cidade de Mariupol, em meados de Março, especialmente em sites independentes fora da informação mainstream e em media russos acusados de estarem ao serviço do Kremlin pela União Europeia, mas que agora já é abertamente assumida em alguns media de maior credibilidade no ocidente, quase sempre para desmentir essas teorias da conspiração, é que o Batalhão Azov entrincheirado nos subterrâneos da Azovstal estava a proteger dezenas de oficiais e instrutores de países da NATO que davam instrução às forças ucranianas e ou geriam unidades especiais de armamento químico e bacteriológico com laboratórios instalados no subsolo da metalúrgica.

Que a NATO manteve instrutores militares na Ucrânia é um facto assumido oficialmente por norte-americanos e aliados europeus, e que existiram laboratórios de armas químicas e bacteriológicas na Ucrânia geridos pelos EUA também foi confirmado pela própria sub-secretária de Estado para os Assuntos Políticos norte-americana, Victoria Nuland, em declarações públicas no Congresso.

Mas que estes oficiais militares e esses laboratórios estejam a ser protegidos nos túneis da Azovstal pela mais bem preparada unidade militar ucraniana, o Batalhão Azovstal, que agrega há anos elementos radicais com ligações a ideologias fascistas e neo-nazis, com recurso a civis a fazer de escudos humanos face aos ataques russos, não são conhecidas quaisquer evidências disso.

Todavia, algumas teses começam agora a emergir, como, por exemplo, a possibilidade de fazer sair estes elementos, alguns mesmo com patentes elevadas, incluindo generais, de grande valor estratégico para os russos se fossem capturados vivos, aproveitando a iniciativa de António Guterres no sentido de que Moscovo e Kiev permitissem a abertura de corredores humanitários a partir da Azovstal para a saída de civis, tendo, até agora, em menos de uma semana, já deixado o local cerca de 500 mas com dezenas ainda por abandonar o local, incluindo pelo menos 30 crianças.

A possibilidade de ter sido negociado em segredo por Guterres, Putin e Zelensky o levantamento do cerco dos russos a esta parte da cidade de Mariupol para permitir a saída tanto de civis como de estrangeiros ainda entrincheirados na Azovstal, é uma possibilidade e questão sobre a qual poderá nunca ter resposta, desde logo porque é obviamente pouco credível que os civis quisessem, de livre vontade, permanecer nos subterrâneos da metalúrgica na companhia do Batalhão Azov sabendo que eram estes que os russos perseguiam com maior tenacidade.

É, porém, certo que vários mercenários estrangeiros foram já capturados pelos russos neste cerco à Azovstal, estando mesmo em curso negociações entre o Reino Unido e a Rússia para que, pelo menos dois deles, sejam devolvidos ao seu país. Foi igualmente dado provada em alguns media, ainda sem confirmação oficial, a captura de um antigo general canadense, Trevor Cadeau, quando procurava furtivamente deixar a metalúrgica, na passada semana.

Para hoje, sexta-feira, 06, foi anunciada uma nova, a 3ª esta semana, operação de evacuação de civis da Azovstal, organizada pela ONU e pela Cruz Vermelha Internacional, sendo que deve ser a última oportunidade para que o que resta dos civis saia do local, que o Secretário-Geral da ONU considerou como um "buraco infernal" que demonstra a inutilidade desta guerra.

O chefe da operação humanitária da ONU no local, Martin Griffths, adiantou aos jornalistas que os autocarros estavam já preparados, e à espera dos perto de 200 civis ainda presentes junto dos militares do Batalhão Azov.

Garantir que a "mosca" não passa

Inicialmente, os russos anunciaram que as dificuldades existentes para a operação em curso tinham a ver com a necessidade de garantir que os combatentes do Batalhão Azov não aproveitam a saída de civis para se misturarem com estes, especialmente os seus elementos femininos porque se sabe que a maior parte dos civis são mulheres e crianças.

Sem a presença de jornalistas no local mais próximo da saída dos civis, permanece a possibilidade de eventuais estrangeiros e ou equipamento secreto sejam retirados do local sem deixar rasto, embora isso seja considerado pelos especialistas militares impossível de suceder sem o conhecimento das forças russas que controlam totalmente o local, como de resto, controlam toda a cidade.

Antes deste processo permitido pela intervenção de António Guterres, que já disse que os melhores resultados se conseguem por detrás dos panos, negociando de forma serena sem a pressão mediática, o Presidente russo divulgou um vídeo onde ordenava ao seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, para parar os bombardeamentos à Azovstal mas garantir, ao mesmo tempo, um apertado cerco ao local por onde não poderia "passar uma mosca", o que foi entendido como uma forma de sublinhar que naqueles subterrâneos estariam interesses estratégicos para Moscovo.

Mas há outra pergunta que parece ser incontornável: o que vai suceder depois de todos os civis terem saído dos túneis da Azovstal, ali permanecendo apenas os combatentes do Batalhão Azovstal, que os russos acusam de terem sido responsáveis pela morte de 14 mil civis nas regiões russófonas independentistas de Lugansk e Donetsk, no Donbass, desde 2014, com persistentes bombardeamentos e ataques às populações civis desta geografia com fortes laços culturais e de sangue com a Rússia?.

Alguns especialistas militares, como o major-general Agostinho Costa, vice-presidente do EuroDefense Portugal, admitem que as forças russas, sem a presença de civis na infra-estrutura Azovstal, vão empregar todas ferramentas militares disponíveis para limpar aqueles subterrâneos e eliminar o que resta do Batalhão Azov.

A possibilidade de também esse ponto ter sido secretamente negociado por Guterres com Putin e Zelensky, de forma a permitir salvaguardar a vida destes combatentes, possivelmente com a sua deslocação para países terceiros, como, de resto, os próprios têm pedido em vídeos divulgados pelas redes sociais, não pode ser descartada.

Este apressar do processo de "limpeza" da Azovstal, incluindo uma solução para os combatentes do Batalhão Azov, é impulsionado pela necessidade de o Kremlin estar a preparar as comemorações do Dia da Vitória, na segunda-feira, 09 de Maio, o mais importante feriado festivo da Rússia que marca a derrota, em 1945, das forças nazis de Hitler, em Berlin, às mãos do Exército Vermelho da então URSS.

Com isso, se Vladimir Putin limpar a zona da última bolsa da resistência ucraniana em Mariupol, que é apenas simbólica, porque não é já um entrave à ocupação territorial pelas forças russas do sul e sudeste da Ucrânia, com ligação territorial entre o Donbass e a Península da Crimeia, que Moscovo anexou em 2014, após referendo, estará totalmente livre para anunciar uma "grande vitória" nesta guerra quando se dirigir às tropas em parada na segunda-feira, em Moscovo.

E poderá mesmo, como esta a ser avançado por alguns media, realizar, também em Mariupol, uma parada militar para comemorar essa mesma vitória, considerando que esta cidade é a mais importante conquista militar pela sua localização estratégica nas margens do Mar de Azov e ainda como entroncamento de vias de comunicação para o desvio das forças militares russas rumo a norte de forma a completar o cerco às tropas ucranianas que procuram travar o avanço russo a partir do Donbass, que é a região independentista geograficamente colada à fronteira da Rússia no leste ucraniano.

O reforço da capacidade de combate de Moscovo

Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia (ver mapa).

Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as , entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.

O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.

Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.

Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.