O Presidente Volodymyr Zelensky aproveitou a madrugada de terça-feira para hoje, quarta-feira, 21 de Março para realizar um vídeo onde, pela primeira vez faz um elogio directo e inequívoco à Rússia, mesmo que limitado ao capitulo restrito das negociações, dizendo que a postura de Moscovo é agora "mais realista" ao mesmo tempo que lembrava que "todas as guerras terminam com um acordo".

Esta postura de Zelensky, que vai de encontro às declarações mais recentes do Kremlin, que apontam para uma vontade igualmente clara de acabar com esta guerra, embora sem que as suas exigências iniciais se tenham movido, para já, mais que algumas posições na mesa das negociações, como seja o abdicar da exigência de mudança de regime em Kiev, mas mantendo a questão da entrada do país na NATO e as questões territoriais no Donbass, repúblicas de Donetsk e Lugansk, e na Península da Crimeia.

O ministro russo dos Negócios Estrangeiros admite mesmo que, finalmente, depois de dias seguidos a negociar, existe agora uma crença real em ambas as partes de que será possível chegar a um acordo, ainda com contornos por definir, mas que permita um cessar-fogo e abra caminho para uma paz concreta.

Lavrov fez estas declarações em entrevista a um canal russo de TV, citado posteriormente por agências de notícias, onde adiantou que o seu optimismo resulta da leitura que tem feito dos relatórios produzidos pela equipa de negociadores russos, tendo ainda acusado os EUA de não mostrarem interesse em encontrar uma solução para este diferendo.

O chefe da diplomacia russa entende que se Washington tivesse interesse em acabar com o conflito, já teria feito o trabalho que lhe compete junto do Presidente ucraniano, sobre quem têm um claro ascendente.

Daquilo que é possível perceber como "pedra" no caminho do no turbilhão diplomático que varre o continente europeu para acabar com este conflito que está a hipotecar todas as possibilidades de a economia mundial recuperar da crise da Covid-19 que estava a sair de cena, a Rússia deverá estar a querer ganhar posição de controlo em toda a extensão das repúblicas do Donbass, que já reconheceu como independentes e o acesso ao Mar de Azov, entre esta região e a Crimeia.

Mas do lado de Kiev, para quem esta questão territorial e o acesso ao Mar Negro e ao Mar de Azov deve ser quase intransponível, procurando, por isso, fragilizar o avanço das colunas russas de forma a obter uma posição de vantagem nas negociações, mantendo, por isso, o Presidente Zelensky apelos constantes à NATO para "fechar" os céus da Ucrânia aos aviões e misseis russos e que os países da Aliança Atlântica enviem cada vez mais material militar para as forças ucranianas, incluindo aviões de guerra e sistemas de defesa antiaérea.

Uma possível evolução nas negociações é colocar a Ucrânia com um estatuto semelhante à Suécia, neutral mas mantendo umas forças armadas capazes, e com uma entrada na União Europeia como garantia de maior densidade para o futuro.

A locomotiva da diplomacia avança a todo o vapor

Entretanto, enquanto as posições à mesa das negociações, que estão a decorrer nestes últimos dias, e devem manter-se hoje, por videoconferência, nos corredores das chancelarias ocidentais e na Rússia as luzes não se apagam há muitas noites enquanto, entre as capitais, a locomotiva diplomática segue a sua marcha a todo o vapor, com os, até agora mais profícuos negociadores, o Presidente turco, Recep Edogan, e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), Mevlüt Çavusoglu, e o primeiro-ministro israelita Naftali Bennett, na condição de maquinistas.

Em Moscovo, Mevlüt Çavusoglu tem para hoje um encontro marcado com o seu homólogo Sergei Lavrov, o homem que na semana passada esteve em Antalya, no sul da Turquia, sentado à mesa com o MNE ucraniano Dmytro Kuleba, onde, admitem já alguns analistas mais atentos, terão sido esboçadas as linhas mestras do mapa negocial que agora está "apenas" a ser retocado, e do qual se espera mais um salto com capacidade para fugir da gravidade exercida pelo troar dos canhões.

Este encontro foi anunciado pelo próprio Presidente turco, tendo Erdogan dito, antes da partida, que Mevlüt Çavusoglu não vai descansar enquanto não for garantido que tudo está feito para um cessar-fogo eficaz e a subsequente assinatura de um acordo de paz.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia viajou hoje para Moscovo, capital da Rússia, e na quarta-feira viajará para a Ucrânia, na tentativa de mediar um cessar-fogo em território ucraniano.

Entretanto, conhecendo-se apenas que a intenção seria mostrar o apoio da União Europeia à Ucrânia, os primeiros-ministros da República Checa, Petr Fiala, da Eslovénia, Janez Jansa, e da Polónia, Mateusz Morawiecki, deslocaram-se na terça-feira a Kiev para um encontro com Zelensky, mas que nalguns "corredores" se admite que teriam sido "mandatados" para exercer uma certa pressão sobre o Presidente ucraniano para amaciar o tom e diluir os obstáculos a um acordo com Moscovo.

Por essa razão ou não, a verdade é que, horas depois do encontro com os três chefes de Governo europeus, Volodymyr Zelensky divulgou um novo vídeo, em forma de discurso à Nação, onde se mostra menos agressivo para com a Rússia, nomeadamente ao considerar as suas posições "agora mais realistas".

E deixou um sinal preciso sobre o que o move ao lembrar que "todas as guerras terminam com um acordo".

Todavia, a prova dos nove do potencial apaziguador destas declarações vai ser feita ainda hoje quando Zelensky se dirigir, mais uma vez, ao Congresso dos Estados Unidos, que aprovou um apoio financeiro de 13,6 mil milhões USD à Ucrânia, verba elevada que qualquer Governo prefere gerir em paz que em guerra.

Isto tudo sem que, apesar de tudo, o líder ucraniano tenha mantido o pedido de mais armas e mais sanções para castigar a Rússia, voltando a clamar pelo "fecho os céus da Ucrânia aos aviões da Rússia".

Ao mesmo tempo, o Presidente da Polónia está a caminho da Turquia. Andrzej Duda, que tem sido uma das vozes mais incendiárias neste conflito e é visto mesmo como um dos instigadores de um crescente fluxo de armas para as forças ucranianas, tendo ficado mais conhecido por ter proposto enviar os "seus" MIG-29 para a Ucrânia por troca com F-16 norte-americanos porque os pilotos ucranianos não sabem manejar os jatos americanos, ideia que os EUA travaram de imediato devido ao potencial que este "plano apressado" poderia ter no alastrar da guerra para o mapa da NATO.

Sabendo-se que Recep Erdogan é um dos lideres europeus mais empenhados num acordo de paz, ao receber Andrzej Duda, provavelmente, terá como missão convencer o seu homólogo a diluir o seu discurso de agressividade clara para com Moscovo e desempenhar um papem mais pacífico junto de Zelensky.

Estas manobras diplomáticas agigantam-se ainda com a quase certa deslocação do Presidente dos EUA, Joe Biden, para uma reunião de alto nível da NATO em Bruxelas, na Bélgica, a 24 deste mês, onde deverá ficar traçado o novo conjunto de linhas vermelhas para com a Rússia, sendo as já bem conhecidas uma resposta imediata da Aliança em caso de ataque a um dos seus membros, mas está ainda por definir que comportamento esta terá no caso de uso de armas proibidas no terreno da guerra, sabendo-se que a Rússia acusa os EUA de terem laboratórios de armas biológicas espalhados pela Ucrânia e a Nato acusa Moscovo de estar a preparar o uso destas armas na Ucrânia.

Ao mesmo tempo, o infatigável Presidente francês, Emmanuel Macron, acaba de anunciar que pode partir para Moscovo e para Kiev na primeira oportunidade se isso se revelar importante para que as armas se calem no leste da Europa, embora não tenha avançado mais dados sobre essa eventual deslocação, nomeadamente datas.

Da parte da China, um dos "aliados" da Rússia, tal como a Índia, neste conflito ao nível da diplomacia, enquanto reafirma a sua neutralidade, Pequim insiste em pedir o fim das hostilidades mas adverte que é contra as sanções e não abdica da sua relação comercial com Moscovo, apesar das ameaças dos EUA de que isso terá consequências, especialmente se essa proximidade se traduzir por apoio militar a Putin.

Na resposta, o MNE chinês veio simplesmente avisar Washington de que se tem esforçado em criar falsos argumentos e a levantar suspeitas infundadas e sem propósitos claros.

Isto, quando é já evidente que o Secretário-Geral da NATO, António Guterres, abdicou, incompreensivelmente, segundo alguns analistas, de um papel activo de mediador quando, desde as primeiras horas do conflito, se colou à posição dos EUA claramente contra Moscovo, ao invés de "investir" num posicionamento mais equidistante de forma a surgir posteriormente com mais força enquanto mediador de topo.

Do lado da Rússia, apesar de algumas palavras mais desafiadoras para a capacidade negocial de Sergei Lavrov, como foram as proferidas por um conselheiro de Zeelensky afirmando que a guerra vai acabar em Maio quando a Rússia ficar sem tropas, os sinais que chegam são claramente auspiciosas para um fim do conflito.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nas últimas horas que há um dado que é "inegavelmente positivo" referindo-se à continuação das negociações sem que nenhuma das partes tenha batido com a porta, embora sublinhando que se trata de um "esforço complexo" mas do qual nenhuma das partes abdica.

Mau sinal é o facto de a Rússia ter avançado já com o processo de saída do Conselho da Europa, uma organização criada no rescaldo da II Guerra Mundial para defesa da paz e dos Direitos Humanos, justificando a opção acusando este organismo de estar ao serviço de uma ofensiva anti-Rússia.

No terreno, com cada vez mais dificuldade em obter informações confiáveis a partir de um mar de propaganda e notícias falsas criadas de um e do outro lado, com uma parte do conflito a passar para os media, e depois de a União Europeia ter oficializado a censura aos media russos, e com a Rússia a controlar ferreamente o que é dito aos seus cidadãos, a única certeza é que as maiores cidades ucranianas estão cercadas pelas forças russas mas estas estão longe de avançar o que seria de esperar para um dos maiores Exércitos do mundo, tendo as forças de resistência ao seu avanço divulgado informações de sucesso nesse esforço enquanto de Moscovo chegam garantias de que todo corre como planeado.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

Milhares de mortos e feridos e mais de 3 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.