Enquanto em Moscovo, o Presidente russo, Vladimir Putin, avisava, na quinta-feira, numa cerimónia comemorativa dos 80 anos da Batalha de Stalingrado (actualmente Volgograd), onde os exércitos alemães de Hitler cercaram mas não conseguiram tomar esta cidade, mudando o curso da II Guerra Mundial, com custos astronómicos em vidas humanas, mais de dois milhões, sendo a mais devastadora e sangrenta batalha de que há memória, que a Rússia tem como responder quando os blindados pesados ocidentais, os Leopard-2 alemães e os M1 Abrams norte-americanos, chegarem à guerra, mas avisou que pode não ser com tanques.

Esta possibilidade de uso de outras armas além dos tanques para responder ao avanço dos blindados ocidentais, os melhores e mais capazes actualmente activos, ultrapassando tecnologicamente os T-90 russos, os mais capazes até ao momento no terreno, gerou, de novo, um alvoroço entre os analistas ocidentais, porque o chefe do Kremlin poderá ter feito outra alusão ao uso de armas nucleares tácticas para rechaçar as unidades blindadas ucranianas.

Alias, as palavras de Putin foram servidas depois do "aperitivo" deixado pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que, sobre o avanço dos tanques ocidentais e a possibilidade de novos projécteis de longo alcance norte-americanos para os sistemas HIMARS, em entrevista à TV estatal, explicou que o envio destas novas armas ocidentais vão obrigar a Federação Russa e afastar para mais longe das suas fronteiras as posições ucranianas porque só assim garante a protecção dos seus territórios dessa capacidade de atacar em profundidade territorial.

Se os russos atacarem mesmo em forma nos próximos dias (no terreno vão somando vitórias na zona de Bakhmut e Soledar, Donetsk, no Donbass), coisa que nenhuma chefia militar ou política confirmou em Moscovo, a União Europeia preparou uma resposta política para seguir a par do reforço no apoio militar, com a organização desta Cimeira de alto nível que vai juntar em Kiev a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o chefe da diplomacia europeia, Joseph Borrell, além de 16 comissários, que são uma espécie de ministros.

Nesta Cimeira vai estar em discussão o mapa pelo qual a Ucrânia se vai guiar para integrar a União Europeia, o que já é um compromisso de Ursula von der Leyen, não existindo apenas uma data afixada, embora Volodymyr Zelensky tenha já dito que 2026 é um calendário razoável face ao empenho pessoal da presidente da Comissão Europeia, sendo que, politicamente, este encontro em Kiev é essencialmente uma poderosa resposta à ofensiva russa que ninguém sabe ao certo quando e se vai mesmo acontecer.

Zelensky tem como diapasão as palavras aguçadas de von der Leyen de compromisso para com a entrada da Ucrânia na União Europeia, sublinhando ainda que o seu país ganhou por mérito o acesso à via rápida de entrada no grupo europeu ocidental, o que, se se vier a materializar, é um recorde absoluto neste tipo de procedimento, o que pode ser justificado pelo facto de serem os ucranianos que estão a morrer aos milhares na frente de batalha para que os lideres europeus, como Borrell e a líder da Comissão Europeia, concretizem o seu desejo de "derrotar a Rússia no capo de batalha".

Alem do tal acesso à via rápida de acesso à União Europeia de pleno direito (apesar de Kiev não cumprir quase nenhum dos critérios normais para a adesão em matérias, por exemplo, de Direitos Humanos, corrupção, democracia, Estado de Direito, económicos...), Zelensky quer ainda aproveitar estar a jogar em casa para forçar o bloco europeu a aprovar o 10º pacote de sanções contra a Rússia, tendo mesmo criticado com severidade aquilo a que chama um adormecimento do ímpeto sancionatório a Moscovo por causa da invasão do seu país a 24 de Fevereiro de 2022.

Para já, o Conselho Europeu, segundo comunicado emitido na quinta-feira, aprovou o 7º pacote de assistência militar à Ucrânia, no valor de 500 milhões de euros, através do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (MEAP) e ainda 45 milhões de euros para financiar a Missão de Assistência Militar, o que soma já 3,6 mil milhões de euros repassados de Bruxelas para Kiev.

Numa conferência de imprensa conjunta com o Presidente ucraniano, por ocasião da reunião entre o colégio da Comissão Europeia e o governo ucraniano hoje celebrada em Kiev, Ursula von der Leyen garantiu, citada pela Lusa, que a UE vai continuar a fazer o Presidente russo, Vladimir Putin, pagar pela sua guerra atroz, com a adoção de novas sanções ainda este mês.

"Antes de Rússia começar a guerra, alertámos muito claramente sobre os custos económicos enormes que iríamos impor em caso de invasão, e hoje a Rússia está a pagar um preço elevado, à medida que as nossas sanções estão a asfixiar a sua economia", apontou a presidente do executivo comunitário.

Moscovo calling

Na resposta às críticas de Zelensky sobre ao abrandamento da impetuosidade europeia no castigo à Rússia, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, citando primeiro as palavras do líder do regime ucraniano, lembrou que "a Europa ocidental caiu numa recessão, perdendo a sua capacidade de sobrevivência, estando a afundar-se com a Ucrânia agarrada aos seus pés".

Nesta metáfora, onde Zakhorova sugere que a União Europeia é um náufrago a debater-se por se manter à tona com um peso morto agarrado aos seus pés e a puxá-lo para o fundo, o Kremlin coloca em saliência as consequências da guerra sobre o ocidente europeu, nomeadamente a Alemanha, que manteve uma boa parte do sucesso da sua base industrial de ponta à custa do gás barato importado da Rússia, e ainda da inflação galopante, que está agora a decrescer ligeiramente, gerada pelo aumento do custo das matérias-primas, como o petróleo ou os cereais, entre outros.

E é por causa das consequências devastadoras na economia mundial, a ponto, como pode ler-se aqui, um dos think thank militares mais respeitados dos EUA, a Rand Corporation, que inicialmente tinha uma posição de defesa da fragilização russa via conflito ucraniano, agora mudou a agulha e diz que os custos negativos superam as eventuais vantagens de prolongar esta guerra, que, como noticiava esta semana jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, um dos mais credíveis e respeitados na Europa, o Presidente Joe Biden enviou secretamente o seu chefe da CIA, William Burns, a Kiev e a Moscovo, propondo um acordo em que a Rússia ficaria com 20% do território ucraniano, o que corresponde mais ou menos ao que é o Donbass.

Apesar de a Casa Branca desmentir esta informação, que em circunstância nenhuma poderia confirmar, naturalmente, este acordo seria algo como "trocar terra por paz", tendo essa mesma notícia sido confirmada ao jornal em língua alemã, por elementos deputados germânicos ligados ao poder e à oposição na área da política externa de Berlim.

Esta visita de Burns a Moscovo e a Kiev teria por suporte a ideia de que o Kremlin estaria menos renitente a aceitar um acordo desta natureza face à ameaça de envio dos poderosos carros de combate pesados alemães e norte-americanos, sendo que o regime ucraniano poderia ser movido a aceitar face a compromissos internacionais de acesso á União Europeia e projectos bilionários de recuperação do país devastado pela guerra.

Mas a resposta terá sido negativa, se é que tal aconteceu mesmo, como noticiou o jornal suíço-alemão suíço Neue Zürcher Zeitung, e em vez disso, Moscovo lançou uma caça ao tanque ocidental à moda do velho oeste americano.

Wanted - dead or live

A palavra é bem conhecida dos filmes de "cow boys", os velhos westerns norte-americanos, onde em cartazes com as suas fotografias, os bandidos era procurados e atribuídas recompensas a quem os apanhasse, "dead or live - vivos ou mortos", técnica que agora os russos estão a usar para lidar com a ameaça dos blindados pesados alemães e norte-americanos, os Leopard-2 e os M1 Abrams Made in USA.

Depois de uma empresa privada ter dito que pagaria 70 mil euros a quem fizer arder o primeiro tanque ocidental, e 7 mil euros por cada um dos restantes, também as autoridades russas locais, como o Governador de Zabaikalsky, Alexander Osipov, que assinou um decreto onde garante o pagamento aos seus militares que capturarem um dos tanques e 14 mil a quem destruir um Leopard-2 ou um M1 Abrams.

Face a esta estratégia de recompensa pelo "abate" dos tanques ocidentais, o Kremlin, segundo o seu porta-voz Dmitri Peskov, mostra-se em completo acordo porque isso "demonstra unidade e entusiasmo" em levar a cabo com sucesso esta operação militar na Ucrânia.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.