Esta notícia sobre as conversas na capital turca entre o director da CIA, William J. Burns, e o chefe da secreta externa russa (SVR), Sergey Naryshkin, surgiu quase ao mesmo tempo que o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se sentava à mesa com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, em Bali, na Indonésia, à margem da 17ª reunião do G20, onde a Ucrânia foi um dos temas debatidos, a par das relações comerciais entre as duas maiores potências económicas do mundo, e as alterações climáticas...
Ao que tudo indica, a notícia do russo Kommersant não era mesmo para ser divulgada, tendo isso surgido como um incómodo para a diplomacia norte-americana, tendo, antes da confirmação, tanto o Kremlin como a Casa Branca, recusado comentar o assunto, que torna já impossível de contornar a existência de negociações entre russos e norte-americanos para acabar com o conflito no leste europeu.
Isso, porque a conversa secreta entre os chefes-espiões sucede ao que tanto o Washington Post como o Wall Street Journal e a Bloomberg avançaram detalhadamente quanto a conversas mantidas durante largos meses entre Moscovo e Washington com o fito de encontrar uma saída para a guerra na Ucrânia.
Agora, que esse dado aparece como facto indesmentível, até porque se sabe nos meios diplomáticos que as conversas entre este tipo de intermediários, ao nível das "secretas", já é considerado trabalho técnico depois de as balizas políticas terem sido definidas previamente.
O que deixa perceptível igualmente que os EUA não avisaram os seus aliados europeus, como se percebe pelos lideres da União Europeia que mantêm a mesma retórica guerreira, e o regime de Volodymyr Zelensky, apesar de os norte-americanos terem vindo, a seguir à confirmação destas conversações, garantir que avisaram Kiev sobre o que se estava a passar, também denota que não estava a par pela forma como tem vindo a acentuar o tom agressivo na sua retórica, especialmente após o enorme revés russo em Kherson, de onde Moscovo acaba de retirar as suas tropas.
Esta notícia, apesar de tudo, não apanhou todos desprevenidos, porque, por exemplo, o especialista militar major-general Agostinho Costa, na portuguesa RTP3, defendeu a tese de que a saída russa de Kherson correspondia a um claro padrão negocial, envolvendo Kiev e Moscovo, para desenhar a nova geografia de suporte a um acordo de paz, com a troca do lado direito da província de Kherson pelos territórios de Donetsk ainda em disputa, especialmente em Bahkmut.
Sendo agora suposto as partes consolidarem estas posições durante a inactividade imposta pelo Inverno e, na primavera, despertar com a notícia de um entendimento sólido sobre o fim do conflito.
Joe e Xi à mesa
Entretanto, em Bali, na Indonésia, na véspera da reunião do G20, os Presidentes chinês e norte-americano estiveram sentados a conversar pela primeira vez desde a eleição, há dois anos, de Biden, embora estes dois homens se conheçam há vários anos bastante bem, como notam alguns analistas mais próximos das relações sino-americanas.
Uma das frases que saiu deste encontro, que são as frases desenhadas para contentar os jornalistas, foi que Pequim e Washington estão contra o uso de armas nucleares pela Rússia, na Ucrânia, e que uma guerra nuclear "nunca deve ser travada" por não poder ser ganha por ninguém em nenhuma circunstância.
O The Guardian, por exemplo, faz notícia do aperto de mão entre ambos, antes do encontro que durou três horas, onde mantiveram uma conversa serena mas franca. Relato de maior vulgaridade era impossível, mas permite perceber que os temas mais importantes não foram sintetizados para as centenas de jornalistas que aguardavam por um relato pormenorizado do encontro.
Soube-se ainda que, como sempre sucede, para não ferir susceptibilidades entre os aliados ucranianos, mesmo que as conversas decisivas decorrem com os russos, Joe Biden levou ao diálogo com Xi a questão da agressão russa à Ucrânia, considerando irresponsável a ameaça russa de uso do nuclear, mesmo que essa ameaça nunca tenha sido feita, embora o tema tenha sido diversas vezes abordado pelo Kremlin.
O mais importante saído deste encontro foi a referência de Biden à obrigação que China e EUA têm de mostrar ao mundo que "conseguem gerir as suas diferenças e garantir que a competição não deriva para um conflito".
Do que disse Xi, pouco se soube, mas da parte americana surgiu apenas uma perquena referência ao tema mais quente deste encontro, a disputa sobre Taiwan, a ilha rebelde que Pequim garante que vai reassumir mais cedo o mais tarde e se for necessário pela força militar, com Biden a dizer, segundo os media internacionais, a Jinping, que não é tolerável a "coerção e as acções cada vez mais agressivas" da China sobre Taipé.