Com a queda de Mariupol, embora esta não tenha ainda sido confirmada a 100% pelas autoridades ucranianas, e a neutralização dos resistentes do Batalhão de Azov, conotado com raízes nazis-fascistas, as forças russas têm agora caminho "livre" entre o Donbass, onde controlam grande parte do território das repúblicas de Donetsk e Lugansk, e a Península da Crimeia, anexada em 2014, após referendo, o que permite, segundo analistas militares, abrir um novo corredor para "atacar" a geografia costeira do Mar Negro, até à estratégica cidade portuária de Odessa.

Sem que se perspective um cessar-fogo para breve, com a diplomacia a resvalar para a incerteza, depois de Moscovo ter afastado a possibilidade de um encontro entre os Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, justificando com a crescente agressividade retórica de Kiev, o campo de batalha parece ser agora o cenário para definir o caminho desta guerra, com a mesa das negociações cada vez mais longe...

O aumento da intensidade do conflito parece ser mesmo o que mais interessa à União Europeia, depois de Josep Borrel, o responsável pela diplomacia de Bruxelas, ter afirmado que a "guerra vai ser decidida no campo de batalha", retirando a diplomacia de cena, e a líder da Comissão Europeia, Ursula Leyen, ter afirmado que "a Ucrânia vai ganhar a guerra" para depois apressar a sua entrada no grupo dos 27.

E ainda porque um dos países do bloco comunitário, a Eslováquia, juntou-se à Polónia para oferecer alguns dos seus aviões de guerra MIG-29 à Ucrânia, desde que o seu espaço aéreo vital seja mantido em segurança por outros parceiros da NATO, sobressaltado de novo os espíritos mais pacifistas devido ao risco de este gesto poder criar a tempestade perfeita para despoletar um confronto directo entre a Aliança Atlântica e a Rússia, que, inevitavelmente, desembocaria num catastrófico dilúvio nuclear que afogaria toda a humanidade.

Para já, a NATO tem optado por evitar a introdução de aviões de guerra e navios no volumoso pacote de ajuda militar à Ucrânia para manter e reforçar a sua capacidade de resistir ao ataque russo que começou a 24 de Fevereiro e está já no 48º dia, de forma a não elevar o patamar de conflitualidade entre a organização militar ocidental, liderada pelos Estados Unidos, e a Rússia, a maior potência nuclear do mundo.

Mas este é ainda o tempo em que esta guerra, que já provocou milhões de deslocados e refugiados, milhares de mortos e feridos, centenas de milhares de desalojados e uma crie económica global que continua em crescendo, se apressa para entrar noutra dimensão de violência com o grosso das forças russas e ucranianas a prepararem aquela que muitos analistas perspectivam como a batalha decisiva desta histórica guerra na Europa, a mais violenta no continente desde a II Guerra Mundial (GM).

O Donbass, geografia do leste da Ucrânia, com fronteira com a Rússia, cujo tamanho é semelhante ao de um país como Portugal, que junta as duas repúblicas independentes, Donetsk e Lugansk, apenas reconhecidas por Moscovo, e o corredor entre esta zona e a Crimeia, mas para o sul, é o palco da batalha decisiva e que pode desenhar o desfecho para este conflito, se dela sair uma vitória clara e inequívoca da Rússia, ou uma derrota deste gigante do leste europeu.

Crê-se que a Rússia está a juntar, com novas forças vindas recentemente para o terreno da guerra, e o grosso das unidades que estiveram até há pouco tempo em redor da capital, Kiev, mais de 150 mil homens, milhares de blindados e largas centenas de aviões e helicópteros, contra perto de 70 mil ucranianos, as melhores tropas do país, melhor preparadas e equipadas, que já estavam em guerra com os separatistas há oito anos.

Os analistas militares admitem que esta batalha, se não se tratar de uma manobra de diversão para os russos, face ao terreno onde terá de se desenrolar, plano e sem áreas urbanas, fará lembrar algumas das mais ferozes da II GM, prevendo-se um número elevado de mortos e feridos, mas que é considerada essencial para os objectivos de Moscovo, que pretende ter uma vitória esmagadora de forma a comemora-la a 09 de Maio, data que marca o triunfo dos russos sobre a Alemanha nazi, em 1944, e que é uma das maiores comemorações do país, normalmente com paradas militares gigantescas em Moscovo.

Todavia, apesar de o Presidente Zelensky ter já dito que a ofensiva russa no Donbass já teve início, o Pentágono, que é o Ministério da Defesa dos EUA, não o confirma, tendo apenas avançado que as forças russas estão a reagrupar-se me grandes números na cidade estratégica de Izium, mas ainda não teve início a ofensiva que visa o controlo da região.

Por exemplo, uma das possibilidades mais repetidas pelos analistas militares quanto a esta ofensiva do Donbass é que as colunas russas estão a posicionar-se de forma a cortar as linhas de abastecimento entre as forças ucranianas no Donbass e as cidades mais a oeste e centro do país, deixando-as, como parece estar já a suceder, com escassas munições e alimentos.

Para já, sem que tenham sido desmentidas, o Ministério da Defesa russo divulgou que, através de misseis lançados a partir de navios posicionados no Mar Negro, foram destruídos sistemas de defesa anti-aérea S-300, fornecidos por países europeus não identificados, que estavam escondidos num local perto de Dnipro, uma das cidades estratégicas para a região de Donbass, embora fora dos seus limites.

É ainda comummente tido por certo que tanto Putin como Zelensky pretendem obter uma vitória militar clara para depois abrir as portas à negociação a partir de uma posição mais confortável e com ganhos seguros antes de um cessar-fogo ou mesmo um acordo de paz.

Todavia, nas últimas horas, o Presidente da Ucrânia, numa entrevista a uma televisão norte-americana, admitiu que a questão da cedência de territórios à Rússia pode ser um dos tópicos a colocar na mesa das negociações se isso for determinante para alcançar a paz.

Esta é a posição mais recente de Zelensky sobre este tema, mas já, noutras ocasiões, recusou de forma liminar qualquer cedência geográfica a Moscovo, o que não permite ter como certa essa disponibilidade para acabar com este conflito.

Entretanto, Washington mantém esforço para isolar Moscovo

No seu persistente esforço global para isolar a Rússia economicamente, de forma a cortar o financiamento da guerra na Ucrânia, o Presidente dos Estados Unidos da América manteve uma longa conversa por videoconferência com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, uma das grandes potências mundiais que não alinhou com Washington e a União Europeia no abrangente pacote de sanções aplicadas a Moscovo.

Nesta conversa, Joe Biden, segundo os media internacionais, procurou convencer Modi de que não é do interesse da Índia manter relações normais com a Rússia, sendo, isso sim, do interesse deste gigante asiático, apoiar o esforço norte-americano de pressionar a Rússia.

Isso seria feito se Narendra Modi alinhar com os EUA cortando as compras de energia russa, especialmente petróleo, que Nova Deli acaba de reforçar em vez de diminuir, ao, pouco antes do início da guerra, assinar um contrato de aquisição de três milhões de barris por dia por um prazo renovável de 100 dias.

Para que Modi alinhe nesta "coligação" anti-Rússia, Biden prometeu que ajudaria a Índia a diversificar as fontes de fornecimento e importação de crude.

Aparentemente, Modi procurou um meio-termo para líder com esta pressão de Washington, sugerindo a Biden que deviam unir esforços para procurar uma solução negociada para a guerra na Ucrânia, investindo na criação de condições para um encontro entre os Presidentes Putin e Zelensky.

E deu, segundo o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que falou aos jornalistas depois da conversa com Biden, a entender que o foco desta pressão devia estar na Europa e não na Índia, porque é a Europa quem mais compra energia, gás e petróleo, à Rússia.

A Índia, tal como a China, foram as duas maiores potências que se recusaram a alinhar na punição e condenação sem meios termos da Rússia, apostando em manter com este país relações comerciais normais, reforçando-as mesmo.

Isso mesmo ficou claro na forma como Nova Deli e Pequim votaram nas duas assembleia-gerais da ONU onde foram votadas resoluções de condenação a Moscovo, abstendo-se de condenar a Rússia, inclusive naquela onde o país foi suspenso do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

Recorde-se que os EUA também fizeram este esforço para isolar a Rússia junto da China.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.