Já se sabe desde a semana passada que Vladimir Putin não vai estar fisicamente em Bali, na Indonésia, para a 17ª reunião do G20, fazendo-se representar pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, depois de ficar claro que um encontro, apesar de os media internacionais terem largamente abordado essa possibilidade, com o seu homólogo Joe Biden, mas é o senhor do Kremlin que mais destaque pode ter neste cantinho paradisíaco do Oceano Índico.

E porquê? Porque algumas das exigências do Presidente dos EUA para apresentar ao líder chinês passam por convencê-lo a reduzir as relações de proximidade e apoio tácito de Pequim a Moscovo no que respeita à guerra na Ucrânia, onde a China tem, a par da Índia, servido de destino alternativo para as exportações de crude e gás natural sancionados pela União Europeia, o que tem permitido a Moscovo aguentar melhor do que se esperava no ocidente os sucessivos pacotes de sanções atirados contra a Federação Russa devido à invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro.

Os EUA querem que a China mude ainda o "chip" no que diz respeito ao respaldo político que tem dado a Vladimir Putin, seja na reafirmação periódica do fortalecimento da parceria Moscovo-Pequim, seja na forma como tem optado pela abstenção sempre que nas Nações Unidas se procura condenar a Rússia tanto na Assembleia-Geral como no Conselho de Segurança através de resoluções elaboradas por Washington.

Se nestes aspectos, a missão de Biden se prevê quase impossível, no outro aspecto que vai aquecer o tampo da mesa onde se vão sentar hoje Biden e Jinping, então, tudo se apresentará ainda mais inultrapassável para o Presidente dos Estados Unidos da América, porque Taiwan é uma questão fechada para Pequim e a ilha, que se rebelou em 1949, com a derrota de Chiang Kai-shek perante as forças de Mao Tse Tung, refugiando-se ali nesse ano, proclamando a independência, está condenada a ser integrada na China, "mais cedo ou mais tarde, e pela força se necessário", como afirmam repetidamente em Pequim.

Os EUA são o garante da defesa militar, embora oficialmente reconheçam que a ilha faz parte da China, não tendo sequer relações diplomáticas oficiais com Taipé, a capital de Taiwan, ao abrigo do reconhecimento da unidade chinesa, embora, de facto, Washington seja o garante da sua autonomia, o maior fornecedor de material militar e um dos mais fortes aliados comerciais, sendo importante lembrar que Joe Biden chegou a dizer recentemente que os EUA vão apoiar a ilha rebelde militarmente em caso de invasão chinesa.

Um dos momentos mais melindrosos vividos em décadas ocorreu há escassos meses, quando a líder da Câmara dos Representantes no Congresso dos EUA, Nancy Pelosi, se deslocou a Taipé, num claro desafio à autoridade de Pequim, levando a movimentações militares da China que muito analistas admitiram terem sido as mais perigosas desde a década de 1990, face ao risco de um conflito aberto com Taiwan.

Mas se nestes dois cantos negociais, Biden e Jinping estão condenados a admitir o impasse, a não ser que surja um inesperado "cisne negro" a sobrevoar a mesa das negociações, já no que diz respeito à guerra comercial que Pequim e Washington travam há anos, é natural que os dois lados da barricada façam cedências mútuas para aligeirar a crise e com isso catapultar a economia global fortemente afectada desde pelo menos 2017, quando o então Presidente norte-americano Donald Trump declarou uma guerra comercial à China com a aplicação de gigantescas taxas sobre as importações do gigante asiático para o mercado americano.

Mas, como aponta o The Guardian, Joe Biden vai deixar claro a Xi Jinping que os EUA não procuram um conflito com a China, como, de resto, também tem sublinhado amiúde no que diz respeito à Rússia, mas deverá vincar a necessidade de não haver surpresas no estreito de Taiwan, que é a zona mais fervilhante do Mar do Sul da China/sudeste-asiático, não abdicará de manter um apoio militar a Taiwan, como de resto faz com a Ucrânia no seu conflito com os russos..., exigindo que a estabilidade não seja adulterada por quaisquer movimentações de Pequim.

Este é o primeiro encontro entre Xi e Joe desde que este assumiu a Presidência dos EUA, embora se conheçam há largos anos e tenham mesmo uma longa relação pessoal robustecida no tempo em que Biden era vice-Presidente de Barack Obama, que pode, todavia, não chegar para arrefecer os ânimos sobre aquilo que Pequim considera uma linha vermelho-carregado no que toca à pertença de Taiwan à República Popular da China, estando a sua integração, e, portanto, o desmantelar da democracia de Taipé, na China continental, o que vai acontecer, segundo o Governo de Xi, a bem de preferência, a mal, se necessário, embora não exista oficialmente um prazo para que tal aconteça.

Da parte da China, como se pode perceber da leitura dos media chineses dirigidos à cena internacional, como o "independente", de Hong Kong, South China Morning Post, ou o Global Times, jornal gerido pelo Partido Comunista Chinês... aos EUA será exigido o respeito integral pela soberania chinesa e a não-interferência sobre a política externa de Pequim, sendo de esperar que para os interesses chineses serem defendidos, sejam admitidas algumas cedências no universo das relações comerciais bilaterais ou no papel que ambos os países, e as duas maiores economias do mundo, têm na cena internacional.

Facto é que tanto Xi Jinping como Joe Biden aparecem neste encontro, que concentra as atenções mediáticas do mundo, também com a missão de, se não resolver, pelo menos abrir caminho a uma solução negociada para a guerra na Ucrânia, que está a ser responsável pela crise que abala a Europa ocidental e os EUA, com a recessão já a entrar porta adentro de países como o Reino Unido, a Alemanha, a Suécia ou a Dinamarca...

E ambos numa posição de poder fortalecido internamente, seja por Xi Jinping ter sido reeleito no recente Congresso do PCC, com poderes reforçados a um nível que supera até o que estava atribuído a Mao Tse Tung, e Joe Biden, depois de se sair muito melhor que aquilo que as sondagens apontavam, nas eleições intercalares de 08 de Novembro, onde não só manteve o Senado nas mãos de Democratas como nos Representantes, embora a contagem continue, perdeu por menos que todos os Presidentes neste tipo de eleições desde Ronald Reagan, na década de 1980.

Alias, o próprio Biden o afirmou antes de chegar a Bali, que se vai encontrar com Xi "mais forte".

"Sei que estou a chegar mais forte", disse aos jornalistas Biden, antes deste encontro com Xi esta segunda-feira, na ilha indonésia de Bali, à margem da cimeira do G20.

"Conheço Xi Jinping e ele conhece-me a mim", o que permitiu sempre "discussões francas", acrescentou BIden, antes de dizer também que são poucos os desentendimentos que tem com o seu homólogo chinês, bastando "definir quais são as linhas vermelhas" paa que tudo corra bem, até porque ambos têm conversado muito ao telefone ao longo dos anos da pandemia.