A primeira certeza não é bem uma originalidade, porque Trump não tinha a grande maioria dos media consigo, como acontecia com a sua opositora democrata, Kamala Harris, e o próprio republicano disse-o repetidamente, que as sondagens eram "falsas" e "forjadas" para o prejudicar.
Não se sabe se assim foi, mas sabe-se que as sondagens estavam erradas ao preverem resultados renhidos, taco a taco, como não se via há décadas, quando, na realidade, a distância sentenciada pelas urnas é, ao que tudo indica, enorme.
Donald Trump, segundo o próprio, pode mesmo chegar (pouco provável) aos 315 grandes eleitores dos 538, e muito para lá dos 270 que precisava para receber as chaves da Casa Branca.
Isto, porque, nos EUA, os eleitores elegem, estado a estado, um determinado número de grandes eleitores que, depois, no denominado colégio eleitoral, elegem o novo Presidente da "América", o que Donald Trump conseguiu com grande folga.
E não é apenas essa folga na entrada na Casa Branca, leva consigo ainda a maioria republicana no Senado e na Câmara dos Representantes, as duas câmaras do Congresso, quando já tinha a seu lado a maioria dos juizes do Supremo Tribunal, "detendo" assim nas mãos o poder judicial, o poder executivo e o poder legislativo... pelo menos nos próximos dois anos, até à realização das eleições intercalares.
Outra certeza é que o voto popular nos "States" não se deixa condicionar pela voz das elites, como o demonstra o facto de Kamala Harris ter reunido uma imensa plateia de estrelas do "showbiz", da política e da economia, e, ainda assim, o "povo" esteve ao lado de Trump, o "espalha fatos" sem tento na língua mas que falava e fala para os mais simples entre os norte-americanos.
Mas a grande certeza é que é no "resto do mundo" que esta vitória mais se vai fazer sentir, não apenas porque os analistas o repetem em cada oportunidade, mas porque no seu mandato, entre 2016 e 2020, quando foi o 45º Presidente dos EUA, foi isso que se viu, e basta recordar que abandonou o acordo nuclear com o Irão, deixou de lado os acordos políticos e comerciais interamericanos, ameaçou retirar os EUA da NATO...
E Trump já o disse, depois de subir ao púlpito da vitória antes desta ser oficial, que o que o move é a política caseira, e as consequências disso serão fortemente sentidas além fronteiras, muito mais que no que toca às decisões de política externa, onde o exemplo mais claro é a impregnação dos EUA em vários conflitos, como a Ucrânia ou o Médio Oriente.
Despachou a torto e a direito ameaças à China, onde concentra os seus ódios de estimação, mas também aos aliados e amigos europeus, a quem dedica um desprezo estratosférico, com anúncios de taxas abrasivas sobre as importações de uns e de outros para os Estados Unidos.
Noutras geografias menos, aparentemente, relevantes para o pequeno mundo por onde Trump circula, como África ou a América Latina, exceptuando a questão da imigração, e das prometidas deportações massivas, o que se espera é uma cópia dos idos anos de 2016 a 2020: um alheamento quase absoluto.
Mesmo que os seus assessores e conselheiros o impregnem da importância de África para combater o seu inimigo de estimação, a China, na disputa dos acessos aos essenciais recursos naturais para as indústrias 2.0, Donald Trump não tem a cabeça virada para essas... chatices.
A não ser que o seu novo herói, Elon Musk, o homem das tecnologias espaciais, dos carros eléctricos e dos biliões sem fim, o convença que tem mesmo de mudar a agulha das suas prioridades estratégicas... Mas nem isso é certo ser possível tratando-se deste... Donald.
Há, porém, dois cenários em que o paradigma do 45º Presidente não deve passar para o 47º: a confinação global dos EUA no que diz respeito às guerras no mundo, tendo mesmo reafirmado isso sobejamente nesta campanha, gabando-se de que foi uma raridade na Casa Branca, onde não começou nenhuma guerra no seu turno...
Se na Ucrânia, é simples, Kiev vai ter de deixar de contar com Washington, porque todos sabem que Trump é amigo de Vladimir Putin e, mesmo que no Kremlin se repita à exaustão ser igual lidar com Trump ou com Kamala Harris, a verdade é que em Moscovo "rezou-se" muito para ele ganhar...
E isso fica claro quando o primeiro Presidente, em todo o mundo, a reconhecer a vitória de Trump, mesmo antes deste a ter garantido a 100%, foi Alexander Lukashenko, o líder da Bielorrússia, o aliado nº1 de Putin e o país mais próximo da Federação Russa sem quaisquer dúvidas...
Ou seja, em Kiev e em Bruxelas já começou o "brainstorming" para procurar lidar com a nova realidade que é a saída dos EUA de cena, se não imediatamente, garantidamente após 20 de Janeiro de 2025, quando o 47º Presidente assumir o cargo.
E sem o dinheiro e as armas de Washington, dificilmente haverá condições para manter o esforço de guerra em Kiev e o próprio regime de Volodymyr Zelensky terá condições para se aguentar por muito mais tempo, até porque o seu mandato terminou em Abril deste ano, mantendo-se à frente do país graças à Lei Marcial, que lhe permite manter o poder sem a legitimidade das eleições.
E na Europa o problema não é menor, porque vão ser os países europeus a arcar com as despesas pantagruélicas, não apenas em armamento para Kiev, se a guerra continuar, o que não é garantido, mas também nas contas que a Ucrânia tem de pagar e que, até aqui, estavam seguras pelo "apoio aos ucranianos até onde for preciso" de Joe Biden...
Mas já no Médio Oriente, provavelmente o caminho será o posto, não por ser adivinhável, mas porque o próprio o disse e repetiu sem limites, porque Israel vai contar mais que nunca com os EUA para a sai guerra sem quartel com o Irão, na qual Washington vai entrar sem olhar para o lado... ou quase.
Isto, porque, a confirmar-se que Vladimir Putin mantém um certo espaço de influência sobre o seu "amigo" Trump, e sabendo-se que Moscovo tem relações de grande proximidade com o Irão, as mais sólidas de sempre, mas também com Israel, então...
Então, é em Moscovo que habita o único possível antidoto para uma guerra de consequências inimagináveis para o mundo no Médio Oriente, porque Donald Trump não vai medir os custos para garantir que Benjamin Netanyhau vai ter à sua disposição tudo o que precisar para vergar Teerão...
Mas em Angola também há razões para um certo alarme, porque a questão, agora, mais saliente, é: de que vale Joe Biden manter a agenda da sua visita a Angola se sabe que é grande a probabilidade de Trump ignorar, ou mesmo terraplanar, todos os esforços que fez de aproximação a Luanda?!
A resposta pode não ser assim tão clara. Porquê? Por causa da real politik. E esta ainda manda mais que Trump, mesmo que para ele isso seja difícil de aceitar.
É que, por exemplo, o Corredor do Lobito não é, como o pragmatismo, seja o de Luanda, seja o de Washington, impõe e conhece, apenas um investimento norte-americano para alicerçar o desenvolvimento angolano e congolês, é uma ferramenta de controlo e acesso aos recursos naturais desta vasta região.
Com a China a ser, hoje, o país que detém mais controlo sobre a exploração de recursos como coltão, cobalto ou as cada vez mais relevantes "terras raras", na RDC, a abertura do corredor ferroviário que liga o Congo ao Atlântico, e permite um mas fácil transporte destes minérios em bruto para os EUA e Europa ocidental, pode ajudar os EUA a recuperar décadas de atraso face a Pequim.
Além disso, em Angola está ainda por apurar a verdadeira dimensão dos resultados do Plano Nacional de Geologia (Planageo), que, por exemplo, no que diz respeito ao cobre, permitiu já desvendar que a denominada "cintura de cobre - Copperbelt" que já está a ser explorada há décadas na Zâmbia e no Katanga (RDC), tem uma extensão para território angolano de milhares de kms2, estando mesmo estimada em 100 mil kms2.
E não é igualmente segredo que Angola possui também reservas interessantes, pelo menos, de terras raras, cobalto e coltão... embora em que quantidades e interesse económico, só se saberá quando o Planageo for publicamente conhecido na totalidade.
Mas pouco mais se sabe, oficial e publicamente, o que não quer dizer que, oficiosamente, e dentro do conhecimento estratégico nacional, não existam informações que garantam que em Washington, seja com Biden, com Kamala ou com Trump, seja impossível de ignorar, porque... como dizia o antigo Presidente Bill Clinton, "é a economia, estúpido!".