Não há nada que confirme que, ao anunciar a autorização dos EUA para o uso das armas norte-americanas de longo alcance pela Ucrânia contra a Rússia profunda mesmo antes desta Cimeira do G20, Joe Biden queria toda a atenção sobre si para esta sua última aparição numa grande Cimeira internacional antes de ser substituído por Donald Trump, a 20 de Janeiro próximo.
Antes de sair de cena no "teatro" da política internacional, o ainda Presidente dos EUA terá uma passagem por Luanda, na primeira semana de Dezembro, mas é ali, no Rio de Janeiro, que se despede do mundo... e com estrondo, ao anunciar que Kiev pode usar os seus misseis ATACMS (ver aqui) para atacar os russos longe das fronteiras e da linha da frente.
Mas Biden pode ter desenhado a estratégia para esta derradeira passagem pelos palcos internacionais desta forma, porque é o que está a acontecer, com os media internacionais quase de forma generalizada, a procurar junto de Biden, que ali chegou de camisa aberta e óculos Ray Ban à aviador, para dizer que sim, que é um defensor do ambiente.
Foi em Manaus, cidade amazónica, que Trump aterrou, para falar de ambiente e do que fez em casa para deixar esperança ao mundo em tempos de dramáticas alterações climáticas, sabendo que o seu sucessor não acredita que elas existam, que não quer saber do ambiente, e que a sua fórmula é "drill, baby drill", ou seja, extrair petróleo e gás como se não houvesse amanhã. E pode não haver...
Mas o que os jornalistas que o acompanham, e os que o aguardavam, era se seu ou não autorização aos ucranianos para usarem os misseis ATACMS para atacar a Rússia no seu interior profundo.
Bem pode Lula da Silva esbracejar com a sua agenda nobre, com a qual queria ver o mundo a olhar para, como insiste a estatal Agência Brasil, o (1) combate à fome, à pobreza e à desigualdade, para o (2) desenvolvimento sustentável, o enfrentamento às mudanças climáticas e a transição energética e para a (3) reforma da governança global para resolver conflitos.
Na área económica, a principal bandeira brasileira é a taxação global dos super-ricos, que ajudaria a financiar o combate à desigualdade e o combate às alterações climática através da proposta que prevê um imposto mínimo de 2% sobre o rendimento dos bilionários do mundo, que arrecadaria entre 200 a 250 mil milhões USD anualmente.Dificilmente haveria agenda mais bem-intencionada.
Haveria porque, com a data de 20 de Janeiro a dançar na mente dos 19 Chefes de Estado e de Governo, porque o Presidente russo, Vladimir Putin, se faz representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que é o mesmo que dizer, com a chegada ao oder de Trump nos EUA, de que valem estes esforços?
Pouco ou nada, porque sem o maior produtor de petróleo do mundo, o maior consumidor de combustíveis fosseis, o maior poluidor do Planeta Terra, que são os EUA, a bordo desta "nave", o destino, se a comunidade científica mundial estiver certa, é o caos climático nas próximas dezenas de anos.
E quaisquer que sejam as medidas aprovadas agora por Biden, serão revertidas em Janeiro, porque foi isso mesmo que Donald Trump reafirmou, mesmo que Biden tenha aproveitado a sua passagem por Manaus para anunciar milhões para combater as alterações climáticas, defender a Floresta Amazónica e pedir ao seu sucessor que pense melhor, o destino está traçado e é muito, muito... quente.
É claro que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, um dos convidados de sempre nestas Cimeiras, onde vai estar ainda o Presidente angolano, João Lourenço, entre outros, por convite do Presidente Lula da Silva, está na linha da frente dos excruciantes apelos para a mobilização global contra o aquecimento do Planeta. Mas Trump não fala "português".
É certo que o G20 representa quase 90% do PIB mundial, e quase a mesma percentagem de emissões poluentes, mas se as contas forem feitas com ponta fina, rapidamente se percebe que estes números engama.
Sem os EUA (Trump decisions), e com a Índia ainda muito atrás no desenvolvimento para se permitir poluir menos, e com a China ainda no topo dos poluentes, mesmo que também no topo dos que mais depressa transitam para as energias verdes, então o que pode ser feito fica limitado a um terço dos valores mundiais no PIB e na poluição... e no investimento que Lula da Silva quer ver dirigido para salvar o Planeta Terra.
Desde logo, como recorda a Agência Brasil, a ideia de taxar os ricos, que são os mais poluentes - basta ver África, que acumula o subdesenvolvimento com a condição de continente menos poluidor - é difícil, porque a ideia enfrenta a resistência de alguns países desenvolvidos, entre os quais os Estados Unidos e a Alemanha.
Entre os países que apoiam estão França, Espanha, Colômbia, Bélgica e África do Sul, que assumirá a presidência rotativa do bloco depois do Brasil.
A União Africana, que, tal como a União Europeia, é participante de pleno direito agora, manifestou apoio desde a apresentação da proposta em Fevereiro, mas isso de pouco vale, porque se os ricos não pagarem, aos pobres pouco mais resta que procurar "queimar" os seus recursos para garantir o seu desenvolvimento económico.
Entre a passagem meteórica de Biden por Manaus, para a fotografia, antes de chegar ao Rio de Janeiro, e o empenho de Lula da Silva em deitar água para a fogueira climática planetária, e a ausência ruidosa de Vladimir Putin, o que se salvará desta Cimeira, quem os ouvirá na hierarquia dos anjos? Os ambientalistas estão pessimistas.
Mas os jornalistas estão contentes, porque, já esta segunda-feira, em Moscovo, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, veio dizer que Biden está a "atirar lenha para a fogueira" com a autorização, se assim for, de facto, do uso dos misseis ATACMS para Kiev alvejar a Rússia em profundidade.
Peskov alertou que essa autorização vai criar "uma situação otalmente nova no envolvimento dos EUA no conflito". Há agora mais uma razão acalorada para os media ignorarem a agenda da Cimeira do G20 e procurarem ouvir Biden sobre as palavras do Kremlin.