Sendo a Turquia o maior Exército da NATO, excluindo os Estados Unidos, e, provavelmente, a par do Irão, com Forças Armadas com capacidade para não temer Israel, quando Recep Erdogan assume o papel de ameaçar Telavive com um confronto militar, claramente a região está sob brasas.
Erdogan entende que o primeiro-ministro israelita, a quem trata amiúde por "genocida" tem interesse no alastramento da guerra por razões pessoais, sendo que muitas destas razões são partilhadas inclusive nos media israelitas, nomeadamente devido aos problemas que Netanyhau tem na justiça, as suspeitas de conluio interno no ataque do Hamas de 07 de Outubro e o insucesso da sua operação em Gaza onde nenhum dos objectivos a que se propôs foi alcançado ao fim de nove meses de guerra.
Por detrás deste cenário está a sucessão de assassinatos pelas forças israelitas do nº 2 do Hezbollah, general Fuad Shukr, na terça-feira, em Beirute, Líbano, e, menos de 24 horas depois, do líder do Hamas, Ismail Hanyieh, em Teerão, capital do Irão.
O chefe político do Hamas foi mesmo abatido quando estava na capital iraniana para assistir às cerimónias de tomada de posse do novo Presidente do Irão, Masoud Pezeshkian, o que, além de ser uma humilhação para os iranianos, atesta a vontade israelita de fazer colapsar as negociações de paz em Gaza.
Isto, porque Haniyeh chegou a Teerão oriundo de Roma, Itália, onde decorriam negociações entre o Hamas e Israel intermediadas pelos Estados Unidos, o Egipto e o Catar, consubstanciando este assassinato não apenas um desafio para a guerra difícil de recusar pelo Irão como é igualmente uma bofetada na cara dos EUA, o aliado principal de Israel, que estava, pelo menos assim o vinha afirmando, totalmente empenhado no sucesso das negociações.
Antony Blinken, o secretário de Estado, chefe da diplomacia norte-americana, veio de imediato garantir que Washington, apesar de Israel pouco ou nada fazer sem a anuência deste seu aliado ilimitado, não sabia dos preparativos para abater Ismail Hanyieh em Teerão.
Mas tanto Washington como Telavive confirmaram que houve troca de informações sobre o atentado contra o comandante do Hezbollah, um dia antes, em Beirute, o que não apenas gera dúvidas sobre a possibilidade de facto de os EUA não terem igualmente sabido do que esperava o chefe político do Hamas.
Seja como for, Blinken tem estado, desde esse momento, num carrossel de contactos com líderes do Médio Oriente, incluindo sauditas, jordanos e dos Emirados Árabes Unidos, num esforço de última hora para que um acordo de cessar-fogo não seja já impossível.
Nessa passada, tanto o Presidente Joe Biden como o responsável pela diplomacia de Washington, depois de vários analistas terem chamado a atenção para o facto de Israel ter também dado uma "bofetada no amigo americano" com o assassinato do líder do Hamas, vieram admitir que o assassinato de Ismail Hanyieh aumenta as dificuldades para que esse objectivo se mantenha exequível.
Seja a retórica norte-americana a favor do fim das hostilidades verdadeira ou apenas para entreter o mundo, a verdade é que isso pouco adiantará para o que está para acontecer, que é, como o Irão já prometeu e o líder do Hezbollah, o movimento xiita aliado do Irão que domina o sul do Líbano, e o Hamas em Gaza, um "castigo" a Israel histórico.
A partir do sul do Líbano, o Hezbollah lançou nas últimas horas cerca de uma centena de roquetes sobre o norte de Israel, mas, apesar de este ataque ter sido justificado como parte da resposta do grupo à morte do seu comandante, os analistas militares notam que aparenta ser apenas mais um teste à operacionalidade e localização das defesas israelitas para o que se segue, embora ninguém saiba o que é que efectivamente se vai seguir.
Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, na quinta-feira, durante o funeral, do general Fuad Shukr, prometeu uma "retribuição furiosa" pelo assassinato do seu nº 2 e pela morte do líder do Hamas, que, apesar de ser de raiz sunita e não xiita como o Hezbollah, é agora um forte aliado na região.
Os israelitas justificaram o míssil teleguiado que foi apanhar Shukr na sua casa em Beirute com o ataque do Hezbollah sobre uma aldeia dos Montes Golã, da Síria, mas que Israel ocupa desde 1967, há uma semana, onde morreram 12 crianças.
Isto, apesar de o grupo pró-iraniano negar categoricamente a autoria desse ataque e tenha mesmo questionado a acusação perguntando que interesse teria em matar jovens de etnia drusa numa área que está ocupada militarmente pelas forças israelitas.
Para já é cada vez mais difícil perceber quem é que está efectivamente a esforçar-se para evitar uma escalada no conflito para o resto do Médio Oriente e quem está a jogar em vários tabuleiros e a medir palmo a palmo o que, a cada momento, melhor responde aos seus interesses.
Desde logo em Washington, porque, como tem sido notado por uma plêiade de analistas, duas semanas antes desta sucessão de acontecimentos dramáticos para a estabilidade regional, Antony Blinken veio, sem que nada de especial o justificasse agora, alertar para a possibilidade de o Irão estar, então, a escassas duas semanas de ter uma arma nuclear operacional.
Ora, esta afirmação gerou estranheza porque em Telavive, o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, defende há largos anos a urgência de um ataque em grande escala à infra-estrutura nuclear iraniana de forma a evitar que Teerão aceda a este tipo de armamento.
E a morte de Fuad Shukr, o mais destacado comandante do Hezbollah, e de Ismail Hanyieh, com o "plus" deste ter sido abatido na capital iraniana, uma gigantesca humilhação ao regime do aiatola Ali KHamenei, são um convite para a guerra total quase impossível de não aceitar pelo Irão.
Uma resposta "adequada" já foi garantida por Ali Khamenei, o aiatola que, de facto, manda no Irão, embora o Presidente tenha alguma capacidade de influenciar as suas decisões, mas se será de maior dimensão que as centenas de misseis e drones lançados sobre Israel em Abril, a seguir à morte de dois comandantes da Guarda Revolucionária em Damasco, capital da Síria, não é possível adivinhar.
Alguns media, como The New York Times, citando fontes das secretas norte-americanas, garantem que essa resposta terá início até ao final do dia de hoje, sexta-feira, 02 de Agosto, quando terminam as 72 horas pós assassinato de Haniyeh.
Uma coisa parece já evidente, este conflito já é há muito um conflito de abrangência regional e não apenas de Gaza.
E, para isso ser factual basta pensar que, nos últimos anos, desde 2020, o comandante da Guarda Revolucionária do Irão, o general Qassen Soleimani, um herói nacional sem paralelo no Irão, foi abatido por um míssil dos EUA na capital do Iraque, Bagdade, pelo meio, em Abtil deste ano, mais dois comandantes desta força especial que responde directamente ao Líder Supremo iraniano, aiatola Ali Khamenei, foram abatidos por misseis guiados israelitas em Damasco, capital da Síria.
Entretanto, agora, em Beirute, Líbano, foi abatido, com o mesmo método, o nº 2 do Hezbollah, movimento pró-iraniano, general Fuad Shukr, e, para fechar esta sucessão de linhas vermelhas trespassadas, Israel foi a Teerão, capital do Irão, abater o líder do Hamas, que em Gaza combate as forças israelitas.
Tudo, embrulhado no ataque do Hamas e da Jihad Islámica ao sul de Israel a 07 de Outubro de 2023, que abriu as portas à actual guerra que já leva nove meses, 40 mil civis palestinianos mortos, dos quais 20 mil crianças e 15 mil mulheres e idosos, sem esquecer que há alguns meses, milícias pró-iranianas atacaram uma base da secreta israelita no nordeste do Iraque, matando vários activos, embora nunca se tenha sabido quem e quantos, e os rebeldes Houthis têm o acesso ao Canal do Suez, a partir do Iémen, a ferro e fogo há largos meses.
Se todos estes momentos forem marcados com um pino vermelho sobre um mapa da região, rapidamente se percebe que as palavras sobre a imperiosa necessidade de evitar o alastramento do conflito de Gaza é mera retórica sem conteúdo, porque o Médio Oriente já está a arder há muito.