Sabendo disso, até porque o Hezbollah, o movimento que domina o sul do Líbano com apoio do Irão, e o próprio Governo de Teerão, já avisaram que uma tomada total de Gaza é a linha vermelha que, a ser ultrapassada, como está prestes a suceder, levará à abertura de novas frentes de guerra com Israel.
E o próprio discurso do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, na sexta-feira, mesmo tendo sido visto globalmente como dissuasor de uma escalada, não deixou de advertir para o risco de Israel não moderar a sua acção militar em Gaza, onde já fez mais de 10 mil mortos e 30 mil feridos, entre estes milhares de crianças, afirmando que "todas as opções estão em cima da mesa", como o demonstra o permanente troar dos morteiros e dos misseis na fronteira entre o sul do Líbano e o norte de Israel.
Embora as vozes contra a excessiva punição colectiva que Israel desencadeou sobre a população de Gaza, mesmo que procurando justificar os números impressionantes de mortes com as posições do Hamas entre a população, estejam num forte crescendo, especialmente nos países árabes e nas ruas da Europa e dos Estados Unidos da América, Israel não baixa os canhões e diz que não haverá qualquer cessar-fogo ou pausa humanitária até que os "terroristas" entreguem os reféns que levaram para Gaza no dia 07 de Outubro.
Os EUA, que não deixam de defender todas as opções israelitas, despontam agora como defensores da abertura de corredores humanitários temporários porque estão a lidar com uma avalanche de protestos de ruas contra as mortes excruciantes de crianças em Gaza, e as eleições que se aproximam estão a gerar sérias dúvidas sobre as recentes opções estratégicas na política externa dos EUA da Administração de Joe Biden.
Opções essas que são, principalmente, a colagem ilimitada a Israel no actual conflito no Médio Oriente, e na guerra da Ucrânia, com a Rússia, cujas sanções ocicentais aplicadas a Moscovo estão directamente por detrás da severa crise económica que afoga todo o ocidente, e que pode agora piorar devido ao risco de contaminação do sector petrolífero, onde os combustíveis têm um papel essencial para os gráficos da inflação norte-americana.
Alias, essa ligeira nuance norte-americana, demonstrada pela reviravolta em Washington, onde o Presidente Joe Biden agora pede uma pausa humanitária a Israel, depois de inicialmente afirmar que os EUA estavam a 100% com as decisões de Telavive, é materializada no actual "tour" do chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, que visita a região pela segunda vez desde 07 de Outubro.
O secretário de Estado Blinken foi a Telavive dizer isso mesmo ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a quem explicou a necessidade de reduzir as possibilidades de vítimas entre civis, e a criação de condições para pausas humanitárias, embora este pedido tenha sido liminarmente rejeitado, pelo menos até que os reféns sejam libertados sem condições, porque o Hamas já admitiu fazê-lo por troca com prisioneiros palestinianos nas cadeias israelitas.
Mas Antony Blinken teve outras surpresas nesta sua passagem por Israel, especialmente a declaração do ministro do Património, Amichai Eliyahu, onde este defendeu o uso de uma bomba nuclear em Gaza para resolver o problema, o que levou Netanyahu a suspendê-lo de imediato por tempo indefinido.
Numa altura em que o número de mortos em Gaza já ultrapassou os 10 mil, cerca de 4800 crianças entre estes, e mais de 35 mil feridos, além dos 1400 israelitas mortos e cerca de 2 mil feridos a 07 de Outubro, sem esquecer os 240 reféns levados para Gaza, e depois de uma longa maratona diplomática nas duas primeiras semanas de guerra Hamas-Israel, envolvendo a ONU, a Rússia, o Irão, a Arábia Saudita, os EUA... é na China que reside uma fresta de esperança para a paz.
Isto, porque a China assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas este mês de Novembro e o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin, veio rapidamente deixar claro que Pequim fará todos os esforços para reduzir a intensidade do conflito e instaurar o diálogo como solução para os intrincados problemas regionais no Médio Oriente.
"A China vai colocar todo o seu empenho para encorajar o Conselho de Segurança a cumprir as suas obrigações e desempenhar o seu papel de construir consensos e assumir a responsabilidade de levar as partes em conflito a procurar soluções não armadas e garantir, ao mesmo tempo, os direitos das populações civis, como passos essenciais para restaurar a paz", disse Wenbin, citado pela Reuters.
Neste contexto, a China enviou para o Médio Oriente o seu diplomata especializado nesta região, Zhai Jun, onde esteve reunido com vários líderes regionais, preparando o terreno para as esperadas iniciativas de paz de Pequim.
Porém, só os EUA podem...
... levar Israel a definir outro caminho para resolver o problema na Palestina que não a guerra, como tem sido, ao longo das sete décadas de criação do Estado de Israel, em 1948, e quase seis décadas de ocupação violenta de territórios ancestrais dos palestinianos, o que faz deste país uma potência ocupante à lei da Lei Internacional e as repetidas resoluções na Assembleia-Geral da ONU onde tem votações esmagadoramente pró-palestinianas, além de que no Conselho de Segurança apenas o veto contínuo dos EUA "salva" Telavive de uma condenação severa e perigosa.
São os EUA que garantem a fortaleza militar em que se transformou Israel, a quem conferem total protecção, como o demonstram os dois porta-aviões e navios de apoio enviados de imediato para a região, mas isso pode estar à beira de um solavanco histórico, porque as crescentes manifestações populares nos EUA anti-Israel podem perigar ainda mais a reeleição de Joe Biden em 2024.
Isso mesmo é o que demonstram as recentes sondagens, que apontam para uma vantagem de mais de 10 pontos ao antigo Presidente Donald Trump, e, agora, na mais recente pesquisa, as coisas ainda ficaram mais vermelhas para os Democratas de Biden, porque este perde nos cinco estados considerados simbólicos nas votações norte-americanas, os denominados "swing states", publicada pelo New York Times.
Segundo esta, que é a mais recente sondagem, Trump lidera folgado em cinco dos seis "swing states", Nevada, Georgia, Arizona, Michigan e Pensilvânia, obtendo apenas uma ligeira vantagem no Wisconsin.
Com esta situação à sua frente, o que fará Joe Biden e a sua equipa eleitoral, é uma incógnita, porque é pode demais sabido que Israel não é apenas um país aliado dos EUA, é, de longe, o maior e mais poderoso lobby no país, como o demonstra o posicionamento imediato e reforçado de quase todos os gigantes da bolsa norte-americana a favor do Estado hebreu, além da maioria dos congressistas, sejam eles democratas ou republicanos, o que pode ser igualmente um problema para o republicano Trump.
O "cisne negro" turco
Se a revolta da "rua árabe" foi estrondosa, como sempre acontece quando Israel massacra palestinianos, nas lideranças dos regimes árabes ou muçulmanos do Médio Oriente, a reacção foi menos efusiva e, até, nalguns casos, moderada, como na Arábia Saudita, embora robusta no Irão, mas foi na Turquia que aterrou o "cisne negro" desta crise, a situação inesperada e surpreendente.
Com uma resposta pouco flamejante dos países árabes, onde crescem os interesses de uma reabilitação das ligações a Israel, especialmente económicas, mas também forçadas pela pressão dos americanos, o Presidente Recep Erdogan não deixou créditos por mãos alheias e foi de todos os lideres regionais, excepção do Irão, o mais duro nas criticas a Israel e aos EUA.
De tal modo que assim que Blinken anunciou o seu novo "tour" à região, com passagem relevante por Ankara, Erdogan disse que não mudaria a sua agenda, deferiu renovadas críticas a Washington e a Telavive, o suficiente para Blinken alterar o seu plano de deslocações, inserindo Bagdade neste mapa, para evitar chegar à capital turca e não ter como falar com o Presidente turco.
Depois de mudança de data de domingo para esta segunda-feira, Blinken seguiu da capital iraquiana para a Turquia, onde deverá, se tudo correr bem, manter um encontro com o seu homólogo Hakan Fidan, e com Recep Tayyp Erdogan.
Mas, no entanto, já sabe o que pensa o líder turco, porque este disse-o com todas as letras antes da chegada do norte-americano. O que faz com que as suas esperadas declarações antes de sair da Turquia sejam especialmente relevantes.
Erdogan disse que a sua missão é a de "salvar os palestinianos da opressão de Israel" e voltou a denunciar os crimes de guerra perpetrados pelos israelitas na Faixa de Gaza
"É nosso dever salvar os nossos irmãos palestinianos da opressão de Israel, parar os massacres que estão a ser cometidos em Gaza à vista de todo o mundo", disse o Presidente turco durante a inauguração de uma residência para idosos na província de Rize, citado pela Lusa.
"É uma responsabilidade nossa necessária perante a História proclamar por toda a parte os crimes que vimos daqueles que comentem estes massacres imorais e desprezíveis", sublinhou, citado pela Lusa que cita a espanhola Efe.