Na Ucrânia, a falta de atenção mediática para a guerra com a Rússia, que já leva cerca de 21 meses, e a redução drástica no fluxo ocidental - países da NATO - de apoio financeiro e em armamento, está a criar um terramoto político, com um agravamento das tensões no seio do regime de Volodymyr Zwelensky.
Segundo notícias veiculadas por fontes alternativas aos media tradicionais, como os "bloggers de guerra", cada vez mais relevantes após a saída da maioria dos repórteres dos media ocidentais na Ucrânia nos últimos meses, mas com maior ênfase desde que deflagrou o conflito em Gaza, entre Israel e o Hamas, Zelensky está a conduzir uma "purga" entre as chefias militares que visa o próprio Chefe de Estado-Maior General, o general Valerii Zaluzhnyi.
Tudo, porque a ausência de resultados na frente de guerra, onde o impasse resulta em favor dos russos, devido à sua largamente superior capacidade de tirar partido de um desgaste material e na moral das tropas ucranianas, está a ter uma ligação directa com o financiamento externo do esforço de guerra ucraniano, com europeus e norte-americanos a retirarem claramente o pé do acelerador, o que levou a fissuras no círculo político mais próximo do Presidente, como os grandes jornais dos EUA, The New York Times ou o Politico, têm notado com cada vez maior intensidade.
E isso surge como razão para um crescente desgaste na capacidade de mobilização interna de vontade em combater, com cada vez menos voluntários para o esforço de guerra, o que leva o regime a lançar operações especiais de recrutamento forçado, que, por sua vez, gera uma grave insatisfação popular, e faz tremer o edifício do Governo de Zelensky.
Isto, num momento em que Volodymyr Zelensky tem em cima da sua mesa de trabalho algumas decisões que podem mudar todo o contexto político-militar ucraniano, desde logo o prolongamento da Lei Marcial em que o país vive há largos meses, e que deverá servir de mote para o adiamento sine die do calendário eleitoral, que, se for cumprido, levará os ucranianos a escolher o Presidente em Março de 2024, estando o actual capacitado para uma nova candidatura.
Todavia, ao que tudo indica, Zelensky vai usar a Lei Marcial e os seus prolongamentos ilimitados para protelar as eleições Presidenciais, porque esta condição excepcional não permite durante a sua vigência conduzir processos eleitorais de abrangência nacional.
Mas o Presidente tem em mãos um problema sério, o mais sério desde que a guerra começou a 24 de Fevereiro de 2022, que é a redução dramática do apoio dos aliados da NATO, especialmente dos EUA, financeiro e em armamento, e o apagão mediático que levou a guerra na Ucrânia a deixar de ser importante para as grades cadeias de televisão internacionais, num processo que já vinha em crescendo antes mas que acelerou com o início do conflito em Gaza, que envolve o mais importante aliado de Washington em todo o mundo: Israel.
E esse conflito de interesses instalou-se no Congresso dos EUA, onde os republicanos de Donald Trump, e o provável, se as sondagens não falharem, novo Presidente dos EUA a partir de Novembro de 2024, detêm a maioria na decisiva Câmara dos Representantes, enquanto os democratas de Joe Biden, actual Presidente e candidato já anunciado a um segundo mandato, controlam o Senado, a câmara alta do Congresso, menos relevante nesta questão do financiamento a países aliados.
Tanto democratas como republicanos estão apostados em garantir a Israel tudo o que este país precisar para sair por cima do conflito com o Hamas (ver links em baixo nesta página), mas o Presidente Joe Biden criou um "caso" com o pacote de apoio desenhado pelos republicanos para Israel, condicionando a sua aprovação, que pode vetar, à aprovação pela oposição da ajuda que o próprio prometeu à Ucrânia.
Este pacote de apoio a Israel criado pelos republicanos na Câmara dos Representantes acabou de ser bloqueado pelo Senado, de maioria democrata, porque não contém uma parte para a Ucrânia, como Joe Biden pretendia, e para cuja concretização tem um pedido de financiamento feito ao Congresso de 106 mil milhões USD, que inclui montantes para Kiev, para Telavive, para Taiwan e para as políticas de imigração.
Este braço de ferro entre democratas, que querem manter o apoio à Ucrânia no seu esforço de guerra com a Rússia, e os republicanos, que querem terminá-lo, desviando esses recursos para Israel, como, alias, Donald Trump já disse que agirá quando regressar à Casa Branca, pode comprometer não só o apoio a Kiev como também reduzir o financiamento a Telavive.
Se este cenário pode ser devastador para Zelensky, que depende de aprovação caso a caso do Congresso, para os israelitas os EUA nem tanto porque existem outros mecanismos de suporte assentes em tratados e acordos antigos entre Washington e Telavive, além de terem enviado para a região uma vasta frota naval, que inclui dois porta-aviões e submarinos nucleares com a única missão de fornecer apoio aos israelitas.
Como disse publicamente o senador Patty Murray, democrata, os EUA estão conscientes de que se esta ajuda contínua deixar de fluir pelo cordão umbilical que liga Washington a Kiev, como, de resto, é já notado nas chancelarias europeias e norte-americanas, o regime de Zelensky pode mesmo colapsar, havendo já sinais de tensão interna graves, especialmente entre o Chefe de Estado e o chefe das Forças Armadas, o general Valerii Zaluzhnyi, repetidamente apontado como potencial candidato a Presidente nas próximas eleições.
Esta situação é de tal modo grave que Joe Biden ameaçou mesmo vetar o pacote de ajuda a Israel dos republicanos se estes não concordarem com a inserção da ajuda a Kiev nesse mesmo momento, porque o eventual colapso do regime em Kiev seria trágico para as aspirações eleitorais do democrata que, segundo as mais recentes sondagens - ver aqui - começa a perder de forma comprometedora terreno para Donald Trump.
Como pano de fundo para este imbróglio no Congresso dos EUA estão as guerras no leste europeu e no Médio Oriente.
Na Palestina, as Forças de Defesa de Israel (IDF) já estão a cercar a Cidade de Gaza, tendo mesmo entrado na sua malha urbana, onde decorrem combates casa a casa, rua a rua, com os combatentes do Hamas, depois de um mês de ininterruptos bombardeamentos, que já levaram à morte de mais de 10 mil civis e 32 mil feridos, um número largamente superior ao registado na guerra da Ucrânia, que já conta com mais de 21 meses.
O avanço das IDF é lento mas resoluto e os analistas admitem que se não ocorrer a abertura de novas frentes de guerra pelo Hezbollah, no norte de Israel e sul do Líbano, o Hamas será derrotado nas próximas semanas, com os israelitas, apesar de um preço elevado, a assumirem o controlo do território de Gaza.
Mas o mesmo não sucede no leste da Ucrânia, onde o Inverno se instalou já e o gelo deverá reduzir a intensidade dos combates, com um impasse claro na frente, mas onde os russos, com mais meios, homens e profundidade de campo na retaguarda para assegurar rendições de forças continuamente, levam vantagem e podem usar o tempo como arma porque sabem que tempo é o que mais falta em Kiev.