Uma após outra vez em que Washington pede ao Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyhau para poupar a vida entre a população civil, são, repetidamente ignorados, sem que alguma vez Washington tenha alterado os seus planos de financiamento e de fornecimento de armas a Telavive.

Pelo contrário, depois de a ONU confirmar que mais de 42 mil palestinianos já foram mortos em Gaza, a maioria crianças (mais de 25 mil), mulheres e idosos, e só em três semanas, no Líbano, já haver registo de mais de 2.300 civis mortos, Israel acaba de receber um sofisticado sistema de defesa antiaéreo THAAD no valor de mais de mil milhões USD.

Isto, depois de, neste período, os EUA, que são, de longe, o mais relevante aliado de Israel, terem fornecido dezenas de novos aviões F-35, dos mais sofisticados fabricados pelos norte-americanos, mantendo um fluxo constante de misseis e munições de artilharia com que as IDF conduzem as suas mortíferas operações em Gaza e no Líbano.

Agora, com este registo de repetidos pedidos do Presidente norte-americano para Israel não se exceder no uso da força, aos quais Benjamin Netanyhau tem respondido ignorando-os totalmente, o secretário da Defesa, Lloyd Austin, enviou uma carta ao Governo israelita ameaçando com um corte no fornecimento de armas se não for permitida a entrada de ajuda humanitária ao norte de Gaza.

Alguns analistas consideram que o filme dos acontecimentos neste ano de invasão israelita em Gaza, para combater o Hamas, e ao sul do Líbano, onde enfrenta o Hezbollah, demonstra que as posições tomadas em público por Washington são mera encenação.

Encenação para minimizar o impacto eleitoral - as Presidenciais norte-americanas são já a 05 de Novembro - da crescente oposição na sociedade norte-americana ao "genocídio" israelita de palestinianos, como consideram ser o caso os tribunais Penal (TPI) e de Justiça (TIJ) internacionais.

Porque, como têm sublinhado vários analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, se os norte-americanos quisessem efectivamente travar a chacina israelita na Palestina e no Líbano, bastaria bloquear o envio de armas para Israel, porque Telavive depende fortemente deste fluxo para manter a sua actividade militar de alta intensidade nas duas frentes.

O mesmo pensa o Presidente francês, Emmanuel Macron, que, depois de as IDF abrirem a nova frente de guerra no sul do Líbano, uma antiga colónia francesa, onde Paris mantém fortes interesses, tanto económicos como de influência regional, pediu publicamente que deixe de se enviar armas para Israel.

E o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que tem granjeado abrasivas inimizades no Governo israelita, que já o considerou "persona non grata" e exigiu a sua demissão do cargo, tem repetido que é preciso travar os excessos de Israel.

E, para demonstrar que em Telavive o que se escreve em Washington é letra morta, horas depois de o Departamento de Estado ter anunciado a oposição veemente dos EUA à continuação dos ataques em Beirute, Israel lançou um violento bombardeamento no sul da capital libanesa.

O aviso tinha sido feito na terça-feira, 15, por Matthew Miller, o porta-voz do Departamento de Estado, chefiado por Antony Blinken, que, após o 07 de Outubro de 2023, data do brutal ataque do Hamas ao sul de Israel que fez mais de 1200 mortos, foi a Israel apresentar-se como judeu antes de governante norte-americano e garantir o apoio ilimitado dos EUA a Telavive.

"Quando vemos a natureza dos bombardeamentos israelitas em Beirute nas últimas semanas, deixamos claro ao Governo de Israel que estamos preocupados e nos opomos a essa forma de actuar", disse Miller, horas antes de as IDF voltarem a atacar a capital do Líbano.

Isto sucedeu quase ao mesmo tempo que os media internacionais davam conta de uma carta enviada pela Casa Branca ao Governo de Netanyhau, com um conteúdo, como refere The Guardian, "importante e sem precedentes", onde adverte que Washington chegou ao limite da paciência e quer ver medidas de contenção efectivas em Telavive, incluindo a abertura das fronteiras à passagem de ajuda humanitária para Gaza.

Esta carta, assinada por Antony Blinken e Lloyd Austin, com data de 13 de Outubro, exige especificamente que Israel retire as novas ordens de evacuação do norte de Gaza, de forma a reduzir o sofrimento da população civil abrindo a passagem de ajuda humanitária, ameaçando Netanyhau com medidas legais punitivas, embora, adianta The Guardian, sem especificar.

Com medo de que Netanyhau e o seu Governo de extremistas, sendo mesmo o mais radical, religiosa e ideologicamente, volte a ignorar os avisos de Washington, algumas organizações de defesa dos Direitos Humanos já começaram a pedir publicamente a Joe Biden que a sua Administração cumpra com as ameaças que anda a fazer aos israelitas há longos meses.

Curiosamente, esta renovada postura crítica dos EUA emerge de um contexto eleitoral onde a candidata democrata e actual vice-Presidente, Kamala Harris, começa a sentir os efeitos nefastos do apoio norte-americano sem limites a Israel.

Com eleições renhidas pela frente, onde Kamala Harris defronta o republicano e antigo Presidente Donald Trump, os democratas temem que as largas centenas de milhares de votos do eleitorado muçulmano nos EUA façam a diferença e levam à sua derrota, ou, ainda pior, à vitória tangencial de Trump.

No entanto, esta estratégia de redução de danos esbate na realidade no terreno, como a Al Jazeera noticia esta quarta-feira, 16,, ao mostrar incoerência por coincidir com o envio de uma centena de militares norte-americanos para operarem o bilionário sistema de defesa antiaéreo THAAD (na foto), colocando os EUA directa e abertamente ao lado das IDF, sem alterar o fluxo permanente de armas para Israel.

Como pode ser revisitado nos links em baixo nesta página, todo este "filme" decorre ao mesmo tempo que o mundo aguarda com clara ansiedade o prometido ataque de Israel ao Irão, depois de a 01 de Outubro, os iranianos terem lançado duas centenas de misseis sobre Israel expondo fragilidades nunca vista até então no "mítico" sistema de defesa antiaéreo do Estado hebraico.