O chefe da diplomacia dos Estados Unidos esteve na semana passada, pela 4ª vez em três meses (ver links em baixo nesta página), em vários países do Médio Oriente, incluindo Israel, Arábia Saudita, Egipto, Jordânia... com o objectivo claro de levar Israel a reduzir a intensidade dos seus ataques, travando a vertiginosa vaga de mortes de civis na Faixa de Gaza.
Isto, por uma das principais linhas vermelhas traçadas pelos movimentos islâmicos aliados do Hamas, e próximos do Irão, como o Hezbollah, no sul do Líbano, ou os rebeldes Houthis, no Iémen, para não alargarem as fronteiras deste conflito é o fim da chacina de civis em Gaza pelas forças israelitas.
Quando deixou a Palestina embarcando de regresso a Washington, Blinken deixou um rasto de crença nos céus do Médio Oriente numa resposta positiva por parte de Telavive, porque os mais de 24 mil mortos e cerca de 60 mil feridos entre os civis de Gaza são cifras que já ultrapassaram o limite do sustentável sem uma reacção em cadeia nos países árabes vizinhos, o que seria o maior pesadelo para a Administração democrata de Joe Biden em ano de eleições.
Com apenas cinco dias passados desde que o "número 2" de Biden para a política externa voou da Palestina para Washington, é já claro que o Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyhau não pretende ceder à pressão do seu mais relevante aliado e fornecedor de apoio financeiro e em armamento, como os números da mortandade em Gaza o demonstram de forma inequívoca.
Alias, a continuação dos bombardeamentos e dos ataques por terra em Gaza, agora concentrados no centro e sul desta pequena faixa de terra com 40 kms de extensão e nove de largura, apenas 365 kms2 albergando 2,3 milhões de pessoas, a maior densidade populacional do mundo, com 6.500 habitantes por km2, estão ainda a diluir a eficácia da defesa israelita em Haia, Países Baixos, onde decorre, no Tribunal de Justiça Internacional (TIJ), o julgamento de Israel de genocídio por acusação da África do Sul.
Ao mesmo tempo que, na sexta-feira, os advogados de Telavive diziam que as forças israelitas estavam a usar da contenção na guerra contra o Hamas, os dados relatados pelos jornalistas em Gaza, que continuam a sair do território apesar de já mais de 120 destes profissionais terem sido mortos, muitos destes provadamente atingidos de forma deliberada pelas Forças de Segurança de Israel (IDF), demonstram exactamente o contrário.
Só nas últimas horas, segundo relatos da Al Jazeera, a televisão internacional com a cobertura mais extensa e intensa deste conflito, foram mortos 33 civis em Khan Younis, a maior cidade do sul de Gaza, e 22 na zona central do território, cifras que contribuíram decisivamente para que fosse ultrapassada a barreira dos 24 mil mortos desde 07 de Outubro, quando os combatentes do Hamas fizeram uma incursão audaz e mortífera, perto de 1.200 mortos e dois mil feridos, no sul de Israel.
Alguns analistas consideram que estes bombardeamentos, com artilharia e aviação de guerra, das IDF sobre áreas civis, depois da passagem de Antony Blinken pela região, demonstra que Israel não tem intenções nem está preocupado com as consequências de ignorar os pedidos veementes feitos por Washington para reduzir o impacto do conflito sobre a população civil de Gaza, como também não mostra qualquer preocupação em retirar argumentos à sua defesa em Haia, onde decorre o julgamento no Tribunal Internacional de Justiça.
E aumentar as cada vez mais ruidosas manifestações como as deste fim-de-semana, onde milhares de pessoas foram para as ruas das grandes cidades da Europa e dos EUA, além das ruas do mundo árabe, exigindo um cessar-fogo e a protecção dos civis de Gaza, onde, entre os 24 mil mortos, quase metade são crianças, 10.700, e mais de 70 por cento são mulheres e crianças.
Alguns analistas começam, face ao fracasso das repetidas deslocações de Blinken à região, a admitir que tanto nos EUA como na Europa, possa haver um reajuste das políticas de apoio a Telavive, especialmente financeiras e em armas, porque é cada vez mais real a possibilidade de um alastrar da guerra aos países vizinhos, numa primeira fase ao sul do Líbano, onde o Hezbollah mostra estar cada vez mais impaciente com a devastadoramente assimétrica resposta israelita aos ataques de 07 de Outubro.
Também os ininterruptos ataques da força naval dos EUA e aliados no Mar Vermelho contra as posições Houthis, no Iémen, que representa uma clara violação da soberania iemenita, e origem da última reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, numa resposta aos ataques destes aos navios que rumam ao Canal do Canal do Suez oriundos do Oceano Índica, e vice-versa, numa acção solidária com a Palestina, vieram acrescentar risco de expansão desta guerra.
Os Houthis argumentam que só atacam embarcações, incluindo petroleiros, com ligação a Israel, mas a realidade é que o trânsito marítimo pelo Canal do Sul, no Egipto, que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, por onde circula 15% do comércio global mundial, começa a ser substituído pela longa travessia do sul do Continente africano, o que, aumentando em duas semanas, em média, o acesso à Europa e aos EUA das mercadorias vindas da Ásia, inflaciona os preços em todo o mundo.
E isso começou a ser insuportável para as economias ocidentais, o que levou os EUA e o Reino Unido a organizar uma armada de defesa desta rota ameaçada pelos misseis e drones dos rebeldes Houthis, atacando centenas de posições destes no Iémen nos últimos dias, levando a liderança dos rebeldes a ameaçar alargar os ataques e a recorrer a armas mais eficazes para o efeito.
À medida que o tempo passa e a chacina de civis em Gaza cresce, os media ocidentais começam a aludir a uma nova forma de pressão norte-americana sobre o Governo de Netanyhau, que, apesar de estar a usar uma retórica de legitimação da mortandade de forma repetida, mostra não estar disponível para reduzir a intensidade da sua incursão sobre Gaza, que passa por cortar o financiamento a Israel, que tem um pesado fardo diário de 270 milhões USD por dia em despesas para alimentar as suas operações militares.
Com a sua economia a ressentir-se deste atrito financeiro, sem o apoio dos EUA, tal esforço levaria ao colapso da sua economia, o que permite uma nova abordagem para travar a impetuosidade belicista israelita, que, além do armamento, especialmente artilharia e aviação, totalmente dependente dos aliados ocidentais, tem de alimentar e pagar às centenas de milhares de reservistas que chamou para travar esta guerra com o Hamas.
E o pior pesadelo, tanto para Telavive como para os seus aliados, é que, ao fim de três meses de guerra, e com milhares de milhões USD gastos, além de milhares de soldados mortos e feridos, Israel e o seu Governo, o mais radical de sempre no poder, liderado por Benjamein Netanyhau, não conseguiram nenhum dos objectivos a que se propuseram: exterminar o Hamas pela raiz e libertar os perto de 150 reféns das mãos do momento islâmico.
Este cenário está a gerar uma tensão rara na Casa Branca, não só porque Telavive não mostra sinais de reduzir a intensidade da sua acção sobre Gaza, poupando a vida de civis, apesar da sua retórica em sentido contrário, como Joe Biden está a surgir cada vez mais como uma vítima colateral da chacina em Gaza, porque a postura de Netanyhau expõe a fragilidade do Presidente norte-americano e candidato dos Democratas às Presidenciais de 05 de Novembro deste ano.
Perante mais um terramoto na sua campanha, onde as sondagens mostram um atraso cada vez mais excruciante face ao ex-Presidente e candidato provável dos Republicanos, Donald Trump, Joe Biden está claramente na corda bamba, com repetidos casos de interrupções das suas intervenções de campanha por activistas pró-palestininanos, exigindo um cessar-fogo, que dizem só ser possível se os EUA o impuserem a Telavive.
Segundo a agência de notícias norte-americana Axios, a equipa de Biden na Casa Branca já está a espumar de raiva pela postura de Netanyhau, com a "paciência do Presidente a esfumar-se", ao ponto de avançar que, citando um senador democrata, Biden está convencido de que "o primeiro-ministro israelita lhe está a mostrar o dedo do meio".