São mais de meio milhão de pessoas, na sua maioria mulheres, crianças e idosos que voltam a ver-se obrigadas a meter a casa às costas para fugir das bombas de Israel, o que, naquilo que dificilmente é uma coincidência, volta a acontecer 70 anos depois do "Dia da Nakba".

O Dia da Nakba, ou "Dia da Catástrofe", é o mais importante da simbologia relacionada com o martírio dos palestinianos desde que o Estado hebraico foi criado em 1948, "comemorado" a 15 de Maio, marcando aquele período há 76 anos, quando centenas de milhares de palestinianos foram escorraçados das suas terras para dar lugar ao país que hoje é Israel.

Agora, quando a Palestina sublinha mais um aniversário da sua "catástrofe" mais significativa, Israel lança as suas forças de defesa (IDF) sobre Rafah e Jabália, o famoso campo de refugiados do norte do território, nas imediações da cidade de Gaza, a capital da Faixa de Gaza.

Mas é em Rafah que todas as atenções estão concentradas, porque a operação que está anunciada pelo primeiro-ministro Netanyhau e pelo seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, há largas semanas, está, finalmente, a decorrer, obrigando meio milhão de palestinianos a, mais uma vez, fugir para salvar a vida.

Os relatos dos media internacionais com equipas no terreno, como a Al Jazeera, falam em novo capítulo de uma tragédia infindável do povo palestiniano, com milhares de famílias outra vez com a casa às costas em fuga de Rafah.

Foi para esta cidade, inicialmente com pouco mais de 200 mil habitantes - agora com mais de 1,5 milhões - que, ao longo dos últimos sete meses de conflito, foram mandados pelas IDF, garantindo-lhes ali a segurança e o apoio humanitário que nunca chegou.

Rafah, cidade em cima da fronteira de Gaza com o Egipto, é o último canto do território de Gaza onde as IDF ainda não entraram e destruíram tudo pelo caminho como fizeram nos restante território, onde, além dos mais de 35 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, 90 mil feridos, mais de 75% dos edifícios estão destruídos, total ou parcialmente.

Mas é, também, para Benjamin Netanyhau e o seu Governo de radicais ideológicos e extremistas religiosos, a última nesga de esperança de conseguirem prolongar esta guerra que a maioria dos analistas entende que está a ser artificialmente estendida por razões políticas, porque todos os objectivos traçados a 07 de Outubro estão por alcançar.

Recorde-se que logo após o ataque do Hamas ao sul de Israel, onde os seus combatentes deixaram um rasto de destruição e morte, mais de 1000 mortos, na sua maioria militares, curiosamente (ver links em baixo nesta página), apanhados de surpresa nos quartéis, Benjamin Netanyhau traçou três objectivos para a "Operação Gaza".

E nenhum, ao fim de mais de sete meses de intensos bombardeamentos e avanços terrestres, foi alcançado:

- a libertação dos reféns levados para Gaza pelos combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica;

- destruir totalmente o Hamas

- e fazer de Gaza um território seguro para Israel, de onde nunca mais serão lançados roquetes contra Israel.

Cada vez mais confrontado com o seu insucesso, e quando é já evidente o fracasso das IDF na "operação Gaza", Netanyhau virou-se para Rafah, primeiro como justificação para o insucesso, alegando que ali se refugiaram também milhares de combatentes do Hajas e da Jihad Islâmica, e depois como forma de prolongar este conflito para impedir os passos que se seguem a um cessar-fogo.

É que Benjamin Netanyhau, depois de décadas à frente de vários governos, antes desta nova fase de maior intensidade do conflito israelo-palestiniano, estava enterrado até ao pescoço em acusações de corrupção e peculato, com julgamento a correr nos tribunais israelitas e que foram, entretanto suspensos.

O primeiro-ministro estava ainda sob uma intensa pressão nas ruas das cidades de Israel, onde, todos os dias, milhares de pessoas exigiam a sua demissão, o que também foi suspenso após o 07 de Outubro, embora estes estejam já de volta com intensidade.

Ou seja, a sobrevivência do seu Governo está dependente de continuar a guerra, até porque, na frente política, Netanyhau está igualmente entre a espada e a parede.

Isto, porque os pequenos partidos radicais e extremistas religiosa e politicamente, fazendo deste o mais tenebroso Governo em Israel desde 1948, já o ameaçaram com a demissão, e, logo, a queda do Executivo, se não der continuidade à guerra e se não avançar em força sobre Rafah.

Os analistas, inclusive em Israel, como se pode compreender lendo o Haaretz, o mais independente dos jornais israelitas, defendem que esta é a única razão pela qual Netanyhau está há meses a fazer frente ao Presidente norte-americano, Joe Biden, e ao seu chefe da diplomacia, Antony Blinken.

É que tanto Biden como Blinken, que já esteve sete vezes na região em missões de "paz", apertados pelas questões de política interna, a meses das eleições de 05 de Novembro, onde o ex-Presidente Donald Trump segue como favorito nas sondagens, estão, pelo menso publicamente, empenhados em travar o avanço das IDF sobre Rafah, correspondendo aos cada vez mais ruidosos protestos nos EUA antiguerra.

Todavia, os sinais que existem é que ao discurso oficial em Washington não correspondem as práticas, porque, na verdade, os EUA não interromperam nem total nem parcialmente o fluxo de apoio em armas e financeiro a Israel.

E a mais recente notícia sobre isso vem do norte-americano The Wall Street Journal, que diz que a Administração Biden vai enviar nas próximas horas mais 1,16 mil milhões de dólares em armas para Telavive.

Mas há outra razão para Netanyhau manter a chama da guerra acesa

É que o primeiro-ministro israelita está entre os suspeitos, num processo que começa a ser cada vez mais sonoro nos corredores da política israelita (ver links em baixo), de, pelo menos, ser o maior beneficiário política - diluição dos protestos de rua - e pessoalmente - redução da pressão judicial - da estrondosa falha da intelligentsia do Estado em antever e reagir ao ataque do Hamas de 07 de Outubro.

Desde que Israel lançou a sua operação em Gaza, a 08 de Outubro, depois do assalto do Hamas ao sul de Israel, a 07 desse mês, que existe um elefante na sala: como foi possível?!

Como foi possível as várias agências de segurança israelita, que dispensam apresentações, terem, ao mesmo tempo, falhado na detecção dos planos do Hamas, que foram elaborados durante meses, e não deram conta da entrada de milhares de combatentes na fronteira de Gaza com Israel.

Em causa, nem mais nem menos, está a Mossad, a intelligentsia israelita para o exterior, vista como insuperável no mundo, a AMAN, a secreta militar, igualmente no top mundial, e o Shin Bet, a agência que vela para segurança interna, com igual prestígio global.

Desde os primeiros dias que várias teses foram levantadas e nenhuma delas contestada pelo Governo do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, desde um "complot" para justificar o ataque a Gaza, até a um ardil interno visando o próprio chefe do Governo de Telavive.

Mas, até agora, a condução da guerra levou a que essas suspeitas não fossem investigadas, e pouco ou nada faladas nos media israelitas, com excepção de alguns casos esporádicos, como no Haaretz, tal como levou a uma redução substantiva dos protestos de rua antigovernamentais.

Todavia, o primeiro sinal sério de que o tema da "cegueira" das agências secretas israelitas está a aquecer foi com a demissão do líder da AMAN, general Aharon Haliva, que admitiu que era obrigação da "sua" agência ter sabido dos planos do Hamas.

E o assunto ganha agora nova tracção, provavelmente até mais séria, com o anúncio por parte do líder do Shin Bet, Ronan Bar, de que vai ser aberto um processo investigatório sobre o falhanço na antecipação do 07 de Outubro.

Bar disse que se trata de uma investigação profunda às inacreditáveis falhas dos Serviços Gerais de Segurança de Israel, compostos pela Mossad, Shin Bet e AMAN.

Vai mesmo, segundo Ronan Bar, ser uma "investigação dolorosa e significativa" que, com esta antevisão, dificilmente deixará de expor os responsáveis pelas falhas que ninguém acredita que possam ter outra justificação que não seja uma "cabala" interna, faltando apenas perceber que objectivos perseguia e que alvos visava.