Na primeira linha de argumentos ouvidos entre os manifestantes, está o aumento do gás liquefeito, o principal combustível nestas paragens, insuportável para uma população empobrecida apesar da riqueza gigantesca do país.

A informação circulou em todo o mundo através das redes sociais por causa do controlo da comunicação social tradicional pelas autoridades de Nur-Sultan, a capital política do Cazaquistão, que tem em Almaty, no entanto, o seu grande centro económico e urbano, tendo sido decretado o estado de emergência e interrompidas todas as comunicações móveis e fixas por tempo indeterminado.

Com uma população largamente empobrecida devido à farta corrupção entre os governantes e as elites económicas, estes aumentos dos combustíveis foram a gota de água num país onde há anos se sente um forte descontentamento por causa da desvalida democracia e o controlo férreo do regime sobre a imprensa e a economia.

Esta antiga República Soviética, independente desde 1991, quando se desmoronou o universo comunista no vasto leste europeu, é um gigante em geografia, maior que toda a Europa Ocidental, com 2,724,900 quilómetros quadrados (Angola tem cerca de metade, 1,246,700 km2), conta, no entanto, com uma escassa população, menos de 19 milhões, o que cria um forte contraste entre os rendimentos gerados pelas suas riquezas naturais e a pobreza evidente da maior parte, sendo o problema na fraca distribuição da riqueza.

Depois de controlados os tumultos nas ruas das principais cidades do país, com o envio de milhares de soldados da Rússia, que tem, com o Cazaquistão e outras antigas Republicas Soviéticas da Ásia Central, a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO, na sigla em inglês), ao abrigo do qual o Presidente Tokayev pediu ajuda a Moscovo, os analistas procuram aprofundar a reflexão sobre as reais causas destes tumultos.

Isto, não só mas também, porque, apesar de se tratar de uma população empobrecida considerando o que podia ser, o Cazaquistão, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), um dos mais sólidos indicadores do bem estar social dos países e outras representações com nacionalidade, como principados, etc, cerca de 220, aparece em 71º, sendo que Angola é o 187ª, enquanto Portugal está no 57º e o Botsuana em 128º, por exemplo.

Tratando-se de realidades políticas e sociológicas distintas, há, todavia, uma analogia evidente entre Angola e o Cazaquistão.

Desde logo por se tratar de dois grandes produtores de petróleo e gás natural, com uma economia dependente destes recursos naturais e fracamente diversificada, também porque são dois países de grandes dimensões e com escassa população, e ainda, sendo este o ponto mais importante, porque em Angola se fala há anos em aumentar o preços dos combustíveis, inclusive com o Governo a assumir essa urgência publicamente, aqui e aqui, por exemplo, devido aos enormes gastos que acarreta a sua subsidiaçã, perto de 2 mil milhões USD/ano.

Esse aumento, mesmo que seja já sobejamente sabido que por cada litro de gasolina pago em bomba, o Estado subsidia entre 350 e 450 kwanzas, nunca surgiu porque, entre os argumentos mais válidos, o impacto na vida das populações em Angola seria tremendo e transversal, com um potencial de perturbação da paz social associado a essa decisão impossível de negligenciar pelas autoridades.

E também aqui surge um ponto em comum entre Angola e o que se passou nestes primeiros dias de 2022 no Cazaquistão, com um resultado estimado em largos milhões de dólares em prejuízos no património público destruído, e dezenas de mortos e milhares de feridos: O Governo do agora demitido primeiro-ministro Askar Mamim, com o cargo a ser interinamente por Alikhan Smailov, considerou não ter mais condições para manter os preços dos combustíveis inalterados devido à crise económica e aos cofres vazios.

Crise que também assola Angola há anos, pelo menos desde 2014, e pelas mesmas razões que aquele país da Ásia Central vive mergulhado na sua: a queda abrupta do valor do barril de petróleo desde 2014, com a pandemia da Covid-19 a exponenciar fortemente essas dificuldades.

Em Angola, com o advento pandémico da Covid-19, e o aproximar das eleições gerais, previstas para Agosto deste ano, a questão do aumento do preço dos combustíveis deixou de estar nas páginas dos jornais, mas, com o diluir da pandemia do Sars CoV-2, como se espera que venha a acontecer em 2022, o Executivo terá de abordar este assunto, mais cedo ou mais tarde, até porque o País tem um dos valores pagos pelos combustíveis mais baixos do mundo.

E o que está neste momento a acontecer em Nur-Sultan e Almaty dificilmente deixará de estar na mente do Presidente João Lourenço e dos seus ministros ligados ao sector económico e ao social quando a questão do aumento dos combustíveis em Angola se vier a colocar, como a generalidade dos economistas pensam ser incontornável, mesmo com as prometidas refinarias em construção no país, devido aos elevados custos conexos à refinação da matéria-prima.