António Guterres tinha condenado a escalada do conflito no Médio Oriente, incluindo as acções israelitas e iranianas, mas em Telavive isso foi visto como uma provocação a Israel, que, numa reacção que já não surpreende, porque o português já é visto como "inimigo" em Israel há largos meses, o impediu oficialmente de entrar no país.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Israel Katz, foi quem verbalizou este ataque sem precedentes ao chefe das Nações Unidas, depois de alguns antigos governantes e comentadores próximos do Governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyhau terem vindo publicamente chamar palhaço" a António Guterres.
O gesto de Telavive foi de tal magnitude que apanhou mesmo de surpresa os Estados Unidos, que têm aparado todo o "jogo" israelita mas que, neste caso, consideram que o seu aliado foi longe demais e avançou para um patamar "que não leva a lado nenhum" e é "simplesmente improdutivo".
Ao desferir este golpe contra António Guterres, que é claramente simbólico, e compreende um risco consciente de que grande parte do mundo não o vê com bons olhos, deixando Israel ainda mais isolado no concerto das Nações, Telavive, segundo alguns analistas, pretende tirar dos holofotes mediáticos os seus próprios excessos e insucessos e, como as instâncias judiciais internacionais concluíram, graves crimes de guerra.
E o mais evidente é a crescente condenação pelas suas opções militares que apenas acrescentam lenha à fogueira gigantesca que já é o Médio Oriente (ver links em baixo), seja pela ausência de limites na mortandade civil em Gaza, mais de 41 mil pessoas, 70% destas mulheres e crianças, seja pelos bombardeamentos no sul do Líbano, que numa semana já fez perto de dois mil mortos, como ficou claro quando Benjamin Netanyhau foi, esta semana, falar à Assembleia-Geral da ONU e viu do púlpito a plateia esvaziar-se num monumental sinal de protesto.
Além disso, com este apontar de baterias ao Secretário-Geral da ONU, Israel apaga também das "headlines" aquele que é, como vários analistas já sublinharam, a primeira vez em que ficou exposta a fragilidade do seu sistema de defesa antiaéreo, que assentava numa aqui mítica intransponibilidade, mas que foi, na noite de terça-feira, profusamente penetrado pelos misseis iranianos.
Isto, ao mesmo tempo que, ao tapete de bombas que Israel lança sobre zonas civis, matando milhares de inocentes para liquidar lideres do Hezbollah ou do Hamas, como se viu no recente assassinato do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, destruindo quatro edifícios habitacionais, no centro de Beirute, Lìbano, onde residiam centenas de pessoas - 400 morreram - para chegar à cúpula do movimento xiita, o Irão responde apontando os seus misseis hipersónicos apenas a bases militares israelitas e a uma sede da Mossad, a secreta hebraica.
Contando com um apoio ilimitado por parte dos seus aliados ocidentais, liderados pelos EUA, que fornecem não apenas material militar, onde despontam os F-35 com que Israel conduz a grande parte dos seus bombardeamentos aéreos, como um graúdo apoio financeiro para lidar com o esforço de guerra, Israel tem-se comportado, como refere, entre outros, John Mearsheimer, um dos mais respeitados especialistas em ciência política internacional, da Universidade de Chicago, como se vivesse no interior de uma bolha de total impunidade.
Porém, depois do ataque a António Guterres, Telavive recebeu uma das mais violentas críticas de Washington pelo punho do porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller, que considerou "improdutiva" a decisão de Israel impedir Guterres de entrar no país.
Miller foi preciso ao lembrar a fragilidade de Israel no mundo actual, onde se mantém em total impunidade graças às amarras a Washington, ao notar que esta postura de Telavive prejudicam a sua posição no mundo.
Mas ainda mais relevante foi o Departamento de Estado, que corresponde ao MIREX em Angola, afirmar, ainda pela voz de Matthew Miller, que a ONU desempenha um "trabalho de grande importância" no mundo como tem demonstrado em Gaza e no Líbano, desempenhando um papel insubstituível em matéria de segurança global.
Como reorda a Lusa, esta posição de Miller surgiu pouco depois de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, em que os Estados Unidos se destacaram como o único membro permanente do órgão a ignorar o ataque de Israel a António Guterres.
Na reunião, os embaixadores de França, Reino Unido, China e Rússia nas Nações Unidas defenderam Guterres e expressaram "apoio total" ao seu trabalho, enquanto a diplomata norte-americana não fez a menor alusão ao assunto.
E neste contexto, numa reacção à atitude de Telavive, o o porta-voz de António Guterres, Stéphane Dujarric, disse que se trata de um acto "político" tratando-se "apenas de mais um ataque ao pessoal da ONU da parte do Governo de Israel" sem quaisquer efeitos jurídicos.
Dujarric, ainda citado pela Lusa, sublinhou que a ONU tradicionalmente não reconhece o conceito de `persona non grata` como aplicável ao pessoal da organização.
Quanto ao facto de o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita ter proibido a entrada de Guterres no país, Dujarric minimizou essa acção, argumentando que cada viagem do secretário-geral é feita a convite de um país. No entanto, reconheceu que isso pode afetar uma possível visita a Gaza, visto que a entrada no enclave palestiniano requer uma autorização de Israel.
Dujarric recordou que Governos de outros países chegaram a usar a mesma expressão - `persona non grata` - no passado contra representantes da organização, mas frisou que nos seus 24 anos nas Nações Unidas nunca tinha visto uma declaração de tal calibre contra um secretário-geral, nem a utilização desse "tipo de linguagem".
O porta-voz observou que os atritos de Israel com a ONU afectam não apenas Guterres, mas também outros membros das Nações Unidas, como por exemplo Philippe Lazzarini, o alto comissário da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (URNWA), que não conseguiu entrar em Gaza e que teve recentemente a renovação do seu visto negada por Israel.