Esta mudança estratégica está a ser operada pelo ministro da Defesa, Yoav Gallant, que, citado pelos media israelitas e ocidentais, confirma a retirada da sua mais robusta divisão, a 98ª, de Gaza para o norte do país de forma a enfrentar o Hezbollah de acordo com o novo mapa de guerra forjado pelo Gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyhau.

Como alguns analistas sublinham, esta viragem da agulha na máquina de guerra israelita, que, na verdade, já está prometida há meses, não é mera coincidência com as citadas operações especiais da Mossad, que começaram com os simples pagers, como o Novo Jornal descrevia na quarta-feira.

No entanto, se o "truque" sofisticado com os pagers, pequenos aparelhos que recebem curtas mensagens escritas - não servem para enviar - e são praticamente indetectáveis devido à sua tecnologia antiga, analógica, parecia saído de um guião imaginativo de Hollyood, os que se seguiram não são menos... cinematográficos.

E de repente...

Os pagers começaram a explodir todos ao mesmo tempo, demonstrando que a Mossad conseguiu, meses antes, introduzir explosivos sofisticados nos aparelhos antes de saírem das fábricas, interceptando a encomenda feita pelo Hezbollah, e, segundo a Reuters, activados através do aumento da temperatura.

Pelo menos 15 elementos do Hezbollah e civis apanhados como vítimas colaterais, morreram nestas explosões, de pequena intensidade mas muito próximas dos corpos dos "alvos", tendo centenas, algumas fontes falam em três mil, feridos, muitos deles cegos porque as explosões ocorreram quando liam as mensagens.

Só que este era apenas o intervalo do "filme" realizado pela Mossad, que muitos analistas consideram ser claramente um crime de guerra que levará os responsáveis israelitas aos tribunais internacionais por esse crime, visto que os destinatários foram indiferentemente civis e combatentes do grupo xiita.

Tal como os "pagers", o Hezbollah também tinha feito uma grande encomenda de walkie talkies aparelhos de comunicação de voz, geralmente de curta distância, que os combatentes do Hezbollah usavam nas suas operações militares.

Dos pagers para os walkie talkies

E tal como nos pagers, a Mossad também armadilhou, infiltrando-se no circuito entre o seu fabrico e a entrega ao cliente, os walkie talkies, fazendo-os explodir, ao que tudo indica, da mesma forma, matando pelo menos 20 elementos do grupo e ferindo, muitos deles com gravidade, cerca de 500, em dezenas de locais no sul do Líbano.

Há ainda relatos de que o mesmo terá sucedido com dezenas de painéis solares instalados pelo Hezbollah nas suas instalações ao longo de todo o sul do Líbano e na Síria, mas sobre os efeitos das explosões destes equipamentos, há menos informação, até porque se trata de sistemas que usualmente não estão nas proximidade directa de pessoas mas permitem, todavia, cargas explosivas de maior dimensão e alcance.

Fontes do Hezbollah confirmaram aos media internacionais as explosões, mas garantem que a operacionalidade combativa do grupo não foi afectada, embora estas garantias estejam por demonstrar.

Isto, porque, mesmo que seja sabido que o Hezbollah conte com mais de 100 mil combatentes, tanto no caso dos pagers como nos walkie-talkies, os alvos foram, essencialmente, a sua cadeia de comando, o que pode ter degradado substancialmente a operacionalidade combativa através das fracturas provocadas por estes golpes na cadeia de comando.

Este episódio afectou ainda, e directamente, o Irão, porque uma das vítimas é o seu embaixador no Líbano.

A grande questão em cima da mesa nem sequer é o facto de este golpe israelita ter feito implodir as negociações de paz que decorrem no Egipto, onde, mais uma vez, está o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.

Porque isso já tinha acontecido com o assassinato do líder do Hamas, Ismail Henayieh, na capital do Irão, em Julho, horas depois de Israel ter igualmente abatido Fuad Shukr, o nº 2 do Hezbollah, na capital Libanesa, tendo o Irão e o seu "+proxy" no sul do Líbano optado pela contenção na resposta por razões claramente estratégicas mas ainda por perceber nos seus detalhes.

Orgulho ferido...

Só que, agora, com este golpe que, além dos danos operacionais físicos, claramente atingem, provavelmente de forma irremediável, o orgulho do Hezbollah e do Irão, pela forma como a sua teia de segurança foi trespassada, manter a contenção estratégica como "resposta" pode não ser exequível, sob risco de perda de apoio das ruas árabes.

Estes ataques da Mossad foram já fortemente condenados pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pedindo contenção para o advir breve, anunciado que o Conselho de Segurança vai reunir sexta-feira para discutir estes episódios.

Guterres concorda também com os analistas que dizem ser estas operações especiais elementos preparatórios de um "grande ataque" de Israel ao sul do Líbano, o que confere com o anúncio do ministro da Defesa israelita sobre a mudança do "centro de gravidade" das operações das Forças de Segurança de Israel (IDF) de Gaza para o norte do país.

E, mais uma vez, antes destes avanços no "guião" da guerra escrito por Israel, o Presidente dos EUA, Joe Biden, tinha encarregado o seu conselheiro Amos Hochstein para se encontrar com Benjamin Netanyhau com o objectivo de o convencer a uma desescalada no conflito.

Concluio ou desrespeito?

Das duas uma, como notaram de imediato alguns analistas, ou isto faz parte do esquema retórico de Washington para se livrar de acusações de cumplicidade nestes ataques da Mossad, ou em Telavive, o Governo de Netanyhau já não tem qualquer respeito pelo seu maior aliado e histórico garante da sua segutança regional, que são os Estados Unidos da América.

Isto é ainda mais grave porquanto, no Cairo, capital egípcia, onde decorrem novas rondas negociais para um cessar-fogo em Gaza, o chefe da diplomacia norte-americana, ANtony Blinken, segundo The Guardian, sugeriu que os ataques da Mossad foram a forma de Benjamin Netanyau fazer implodir os esforços para a paz na região.

"Quando as coisas se estavam a encaminhar para progressos num cessar-fogo, uma e outra vez, surge algo que ameaça fazer descarrilar esses esforços", disse Blinken aos jornalistas.

Com este cenário em pano de fundo, agora vai ser preciso acompanhar a reacção do Hezbollah, mas tal só será visível, a haver alguma, dentro de alguns dias, porque, para já, o grupo deve estar em duplos esforços de contenção de danos e, provavelmente, de substituições nas estruturas de comando atingidas pelos aparelhos armadilhados.

Até que essa operacionalidade organizativa seja igualada, deverão passar semanas, o que permite adivinhar que as IDF vão aproveitar essa fragilidade para tentar dar o golpe final no Hezbollah que Netanyhau tem prometido há anos.