Como tinha prometido, o Conselho Constitucional divulgou os resultados definitivos a 23 de Dezembro, confirmando o pior dos receios dos apoiantes de Venâncio Mondlane, e o esperado, e "garantido" pele agora Presidente-eleito do partido que governa o país desde 1975, Daniel Chapo.
Em pano de fundo está a desconfiança generalizada sobre a lisura de todo o processo eleitoral, que desaguou numa questionável e esmagadora vitória da FRELIMO, na Presidência, no Parlamento e nas 11 províncias de Moçambique.
Isto, porque a situação social e económica de Moçambique, ao fim de meio século de poder ininterrupto da FRELIMO, está como nunca esteve no que diz respeito ao desemprego recorde, à inflação sem paralelo e à insegurança que não mostra sinais de estar a abrandar, com uma juventude tão maioritária entre a população moçambicana como insatisfeita com a situação do país.
E, ainda assim, contra o senso comum, e contra o que algumas organizações internacionais que estiveram a observar o processo de votação, como, surpreendentemente, a CPLP, evidenciaram indícios de ilegalidades no decurso das eleições em Moçambique, a FRELIMO não só ganhou como "convenceu" com uma vitória em todas as frentes e com larga margem...
Segundo os números do Conselho Constitucional (CC), Daniel Chapo, apoiado pela FRELIMO, arrebatou a Presidência com 65,1% dos votos, Venâncio Mondlane, com o suporte do Podemos, ficou-se pelos 24,1%, e o candidato da histórica RENAMO, Ossufo Momade, não passou dos 6,62%.
Estes números são ligeiramente diferentes dos anunciados pela Comissão Nacional de Eleições a 24 de Outubro, tendo o CC subtraído cerca de 5% dos 70,6, o que os manifestantes aproveitaram para cavalgar denunciando que é uma confirmação envergonhada da fraude generalizada.
Face a este cenário em que as ruas das grandes cidades moçambicanas voltaram a arder de indignação popular logo após, na segunda-feira, 23, como era esperado, a divulgação dos resultados definitivos pelo Conselho Constitucional, nas vésperas do Natal, o que dizem os dois homens no centro da tempestade?
Chapo, como é usual nestas circunstâncias, procurou surgir como o Presidente de todos os moçambicanos, prometendo amá-los a todos por igual, apelando a que a paz dê lugar à fúria nas ruas: "Depende de cada um de nós defender a paz e reafirmo o meu compromisso de manter a paz e a harmonia social sem ódio entre os irmãos moçambicanos".
E insistiu na formulação repetente de todos os líderes vitoriosos das eleições moçambicanas, desde sempre da FRELIMO, com as eleições a decorrerem desde o fim do regime de partido único, no início da década de 1990: "Moçambique é de todos, independentemente da sua etnia, origem racial ou religião".
O agora confirmado Presidente-eleito, que vai substituir o Felipe Nyusi, garantiu aos moçambicanos que a sua voz foi ouvida e que vai garantir respostas às vozes da indignação, prometendo, entre outras prioridades, melhorar o sistema eleitoral do país, aprimorando a democracia e o desenvolvimento de "um só povo".
Reclamando-se como homem do povo que veio da pobreza e com memória de não saber se teria o que comer no dia seguinte, Chapo garantiu que não deixará de ter como referência de governação o seu próprio passado e história pessoal.
"Eu nasci na pobreza e já dei por mim a acordar sem saber o que ia comer e já vendi manga na rua para conseguir comprar papel e lápis para ir à escola. Nunca me esquecerei das minhas origens humildes", asseverou.
Quem não foi na cantilena de Chapo foi o principal derrotado das eleições de 09 de Outubro, Venâncio Mondlane, que insiste ser vítima da fraude generalizada organizada pela FRELIMO e o seu Governo de meio século de pobreza e insalubridade social.
Como avança a Lusa, foi nas redes sociais que Mondlane reagiu ao anúncio do CC dos resultados eleitorais definitivos e sem apelo, excepto o das ruas em renovado alvoroço e indignação, prometendo "dias difíceis" para o regime.
"A história é feita de momentos espinhosos, pedregosos, mas a verdade é que a vitória está garantida para todos nós", disse o candidato presidencial no Facebook, acrescentando que são nesses dias que se faz "história".
Estas palavras emergiram no centro do caos que se instalou antes mesmo de a presidente dos Conselho Constitucional, Lúcia Ribeiro, terminar a leitura do acórdão, com as avenidas Joaquim Chissano e Acordos de Luzaka, duas das principais, bloqueadas pelos manifestantes, que queimavam pneus.
"Não faz sentido isto. Eles roubaram o nosso voto", gritava à Lusa um dos jovens manifestantes no meio da avenida acordos de Luzaka, entre o fumo negro de pneus queimados e os disparos da Polícia da República de Moçambique, que tentava dispersar os grupos de manifestantes.
Os confrontos entre a polícia e os manifestantes prologaram-se por horas naquele ponto, com o registo de pelo menos um jovem baleado e que foi levado numa viatura das autoridades para o hospital.
Na Avenida de Moçambique, a alguns quilómetros da Avenida Acordos de Luzaka, o cenário era o mesmo, com a estrada bloqueada e, pelo menos, dois feridos a bala, que foram socorridos por populares.
Naquela avenida, ainda segundo o relato da Lusa, mesmo com o início da noite, o caos prevaleceu apesar da chuva que começou a cair, com, pelo menos, duas agências bancárias queimadas e várias lojas vandalizadas, incluindo um dos principais supermercados do bairro de Choupal, periferia de Maputo.
A 53 quilómetros da Avenida de Moçambique, no distrito de Boane, uma viatura da polícia foi incendiada e, a 31 quilómetros de Boane, um tribunal foi queimado.
Um cenário que também foi vivido no bairro da Maxaquene, na periferia de Maputo, onde um tribunal foi queimado.
Em Cumbeza, na província de Maputo, uma portagem foi vandalizada.
Imagens feitas a partir do Katembe, na outra margem da baía de Maputo, mostravam, ao final da tarde, uma cidade coberta por fumo negro, resultado de pneus queimados em vários pontos das estradas da capital moçambicana que ainda carregavam o cheiro de gás lacrimogéneo.
Até ao final da noite, apesar da chuva, do centro de Maputo, ainda era possível ouvir alguns disparos, com a capital a funcionar a meio gás desde as primeiras horas do dia em que foram proclamados os resultados das eleições gerais de 09 de Outubro.