Uma grande reportagem da Al Jazeera, publicada esta quarta-feira, 27, no seu site, detalha o processo de chegada da Rosatom ao subsolo namibiano em busca de urânio para uso convencional na produção de energia de fonte nuclear.

Em causa está, segundo relatos de especialistas, agricultores e ambientalistas, um dos maiores aquíferos da África Austral, que pode vir a ser contaminado irreversivelmente pela pesquisa em curso realizada pela companhia russa.

A reportagem da Al Jazeera, da autoria dos jornalistas Tom Brown e Justicia Shipena, coloca a atenção na região de Omaheke, no leste namibiano, na fronteira com o Botsuana, que fica por cima de um dos maiores aquíferos do mundo, indispensável para quase toda a África Austral...

Que pode estar ameaçado de morte, pondo em risco ainda uma vasta região com milhões de habitantes que se estende pela Namíbia, Botsuana e África do Sul, sendo vital para a singular e única natureza do deserto do Kalahari

O foco desta reportagem é a cidade de Leonardville, que vive da criação de gado e do cultivo de vegetais graças ao gigantesco aquífero que existe sob os seus pés num sobsolo que partilha com relevantes reservas de urânio, o minério radioactivo mais usado nas centrais nucleares civis de produção de electricidade, mas também na produção de armas atómicas.

Na descrição feita por Tom Brown e Justicia Shipena, o cenário à superfície, duro e rude mas naturalmente relevante para um conjunto de habitats únicos no mundo, como o é, entre outros, o idiossincrático sistema fluvial de enchentes anuais, com origens nas chuvas do Planalto Central de Angola, no Kalahari, está em risco devido ao projecto da Rosatom.

A companhia estatal russa tem há anos em curso um projecto de extracção do minério que alimenta os reactores nucleares nesta vasta e única geografia que alimenta milhões de pessoas e um habitat de vida selvagem sem igual em todo o Planeta Terra.

A Rosatom, como se pode perceber desta reportagem, passou anos a tentar erguer uma mina de exploração de urânio nesta zona da Namíbia depois de em 2017, o Governo de Windhoek ter levantado a proibição temporária de extracção deste tipo de minério.

Desde então, esta pequena cidade, afastada do mundo, tem assistido à chegada de centenas, ou milhares de pessoas, que ali chegam para trabalhar no projecto da Rosatom, incluindo centenas de nacionalidade russa.

Em causa está o método proposto pela extrair o urânio destes depósitos que subsistem lado a lado com o gigantesco aquífero pela subsidiária da Rosatom, a Headspring (nascente, em português) e que consiste em injectar uma solução química que inclui ácido sulfúrico no aquífero.

Esta técnica nunca foi usada em África e não é usada, segundo especialistas contactados pelos repórteres, em área onde existem este tipo de depósitos de água, os aquíferos, que se assemelham a lençóis freáticos mas que têm como característica distinta o facto de não serem de fácil reposição.

Este projecto está a avançar apesar de o Governo namibiano estar consciente dos riscos, como ficou claro quando, em Fevereiro deste ano, o ministro da Agricultura, Água e Reforma das Terras, Calle Schlettwein, admitiu na Assembleia Nacional da Namíbia que as actividades da Headspring(Rosatom) põem em causa as águas subterrâneas e vão destruir a base da economia de toda a vasta região em que se insere o aquífero.

Além da poluição química, os métodos de extracção com recurso a maquinaria de grande porte, e com necessidade de constante arrefecimento, precisam de grandes quantidades de água para o efeito, o que contrasta com as prolongadas secas que se repetem e intensificam ano após ano devido às alterações climáticas.

Os protestos dos ambientalistas, agricultores e proprietários de cabeças de gado na região já iniciaram acções de protesto junto do Governo de Windhoek contra o projecto de exploração de urânio da companhia russa.

Se este projecto for avante, o risco de poluição irreversível do aquífero é inevitável, o que vai inviabilizar não apenas o consumo da água pelas comunidades humanas na região como vai deteriorar a agricultura de forma acelerada, mudando totalmente a natureza social desta geografia, avisou, citado nesta reportagem, o antigo líder da União dos Agricultores da Namíbia, Piet Gouws.

Para contornar eventuais dificuldades, a Rosatom tem organizado e financiado deslocações de governantes, nacionais e locais, jornalistas e líderes da sociedade namibiana à Rússia.

A Rosatom, questionada pela Al Jazeera, respondeu, através do seu porta voz Riaan van Rooyen, dizendo ser "desanimador ver e ouvir que existem pessoas cínicas que rotulam os esforços feitos para melhorar a vida das populações como subornos ou tentativas de branquear os efeitos dos investimentos no ambiente".

Rooyen disse aos jornalistas da Al Jazeera que essas pessoas, os críticos do projecto de exploração de urânio na região de Omaheke, que denominou como "privilegiados", ou os donos das terras, agricultores ou criadores de gado, tiveram muitas oportunidades para melhorar a vida das suas comunidades e nunca o fizeram, e, agora, que tal está a acontecer, procuram dinamitar esses esforços.

A reportagem avança com a ideia de que para os críticos da Rosatom, os comentários de van Rooyen foram um exemplo dos esforços para alimentar tensões raciais que persistem mais de três décadas após o fim do apartheid.

Isto, porque, se este projecto vai criar sérios problemas ambientais, irá seguramente por em causa o modo de vida dos grandes proprietários rurais, quase todos brancos, mas poderá levar benefícios substantivos e imediatos às populações mais pobres, geralmente negras e iletradas, para quem o presente é mais relevante que eventuais questões que se coloquem no futuro, mesmo que não muito distante...

Muito próximo desta região, na Bacia do Okavango, como o Novo Jornal noticiou aqui e aqui, o problema é semelhante mas com origem em projectos de exploração de petróleo e gás.

(a reportagem original da Al Jazeera pode ser encontrada aqui)