António Guterres, dando corpo a uma vaga de manifestações de apoio à mudança na estrutura da ONU, lembrou que esta foi criada numa altura, logo após a II Guerra Mundial, onde uma grande parte dos países ainda estavam sob domínio colonial.
Esta afirmação do chefe das Nações Unidas encaixa que nem um lego das pretensões do continente africano, aquele que mais prejudicado é pela ausência de renovação das organizações globais que nada mudaram desde que foram criadas para organizar um mundo que se transformou como do dia para a noite deste então.
E foi precisamente isso que disse António Guterres, na abertura desta 78ª Assembleia-Geral da ONU: As Nações Unidas foram criadas (tal como o FMI ou o Banco Mundial) numa altura em que o mundo ainda estava grandemente submerso no colonialismo, tendo esse mesmo mundo mudado radicalmente desde então sem que as suas organizações tivessem acompanhado essa transformação.
Defender esta mudança não é novo na posição de Guterres, mas ganha outra importância quando é o tema escolhido pelo Secretário-Geral da ONU para abrir o dia mais relevante da 78ª AG da ONU, sabendo ele bem que essa exigência tarda em ser efectivada apesar de países como Índia e Brasil ou mesmo a África do Sul, ultimamente substituída pela possibilidade de ser a União Africana a ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança, o exigirem de forma vigorosa há muito tempo.
Alias, também a batalha travada pela mudança da ordem mundial actual, baseada nas regras desenhadas pelos EUA no pós-IIGM, iniciada pela Rússia e pela China, definindo esse objectivo como o ponto alto da sua parceria estratégica, substituindo-a por uma ordem baseada na cooperação entre iguais e multipolar, passará seguramente pelo redesenhar tanto das pontes de comando da ONU como dos outros dois pilares de Breton Woods, o FMI e o Banco Mundial.
Esta AG ficará, seguramente, marcada pela guerra na Ucrânia apesar de o próprio Guterres ter dito, insistentemente, nas últimas semanas, que, sendo importante discutir o conflito no leste europeu, são questões como as alterações climáticas que deviam estar na primeira linha das preocupações do mundo porque se nada for feito o Planeta Terra deixará de ser capaz de suportar a Humanidade.
Impotente para marcar o ritmo a que o mundo dançará nestes dias em Nova Iorque, Guterres deverá ver, ainda hoje, o Presidente ucraniano a mudar literalmente a agulha e o foco do debate para a causa ucraniana, enquanto do lado russo, espera-se, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que representa o Presidente Vladimir Putin, vai aproveitar a subida ao púlpito do mundo para fazer a apologia das negociações como saída para o conflito, embora sob termos definidos por Moscovo que, provavelmente, excepto se ocorrer uma surpresa, Kiev rejeitará liminarmente.
Estas durras críticas de António Guterres ao funcionamento das três organizações, ONU, FMI e Banco Mundial, provavelmente, serão ignoradas pelo mais prolongado período de tempo que as potências que mandam no Conselho de Segurança - EUA, França, Reino Unido, os três aliados ocidentais que partilham o órgão com os minoritários Rússia e China - conseguirem. Como tem sido há anos a fio.
"O mundo mudou mas estas instituições não mudaram e não se pode resolver eficazmente os problemas do mundo se as suas instituições não forem um reflexo da realidade desse mesmo mundo", atirou Guterres, acrescentando que se essa mudança não acontecer, as instituições criadas para resolver problemas da Humanidade passarão a ser parte dos seus problemas mais sérios.
Lembrou que a invasão da Ucrânia pela Rússia é uma clara "prova" da violação da Carta das Nações Unidas que abriu caminho a "um mundo de insegurança para todos".
"Em vez de se acabar com o flagelo da guerra, estamos a assistir a uma onda de conflitos, golpes de Estado e caos. Se todos os países cumprissem as suas obrigações nos termos da Carta, o direito à paz estaria garantido", disse ainda o português que dirige a ONU há vários anos, estando já no seu segundo mandato.
Quem deverá agradecer estas palavras é o Presidente da Ucrânia, que subirá ao palco ainda nesta terça-feira, 19, sendo, entre os Estados-membros, o brasileiro Lula da Silva o primeiro a falar, e o norte-americano, Joe Biden, o segundo.