Esta visita de Francisco ao continente africano vai abranger, ao longo de sete dias, dois dos mais problemáticos países africanos, a RDC e o Sudão do Sul, com maiorias católicas entre as suas populações, apesar do avanço fortificado das religiões e seitas cristãs evangélicas e do islão, por vezes na sua dimensão mais radical, como sucede no leste do Congo, sendo ainda aqueles que atravessam crises humanitárias das mais severas, apesar das imensas riquezas dos seus subsolos.
Esta visita do Sumo Pontífice ao continente africano é, provavelmente, das mais complexas de gerir, devido às fragilidades das instituições do Estado, na RDC devido a décadas de instabilidade político-militar, com milhões de deslocados internos e nos países vizinhos, como, por exemplo, Angola, mas essencialmente no Ruanda e Uganda, e no Sudão do Sul, devido à fase ainda de consolidação do Estado no mais jovem país do mundo, cuja independência teve lugar em 2011, separando-se do Sudão depois de anos a fio de guerra que produziu milhares de mortos e milhões de deslocados.
E a visita começou com um percalço grave, com parte do palco montado no estádio de Kinshasa, para a recepção principal a Francisco, a colapsar durante a noite de Domingo para segunda-feira, alegadamente devido a uma tempestade súbita, embora as autoridades congolesas tenha já garantido que foram resolvidos os problemas.
Mas é lá longe da capital da RDC que a Igreja Católica congolesa, e também o Vaticano, têm as atenções postas e esperam que esta visita apostólica possa ajudar a resolver ou, pelo menos, reduzir o impacto, como, de resto, a Conferência Episcopal dos Bispos Católicos da RDC (CENCO) tem vindo a chamar a atenção, nomeadamente depois de os guerrilheiros da Aliança das Forças Democráticas (ADF), com origem no Uganda, na década de 1990, terem jurado fidelidade ao `estado islâmico" e iniciado, nos últimos dois anos e meio, um vendaval de terror nas províncias do Kivu Norte e Ituri...
Os bispos católicos congoleses, que foram quem primeiro advertiu para este rugoso problemas nacional, admitiram que interromper o avanço do radicalismo islâmico no leste da RDC é uma prioridade absoluta, porque é um terreno fértil para a sua propagação devido às décadas de instabilidade provocada pela existência de dezenas de grupos de guerrilheiros e milícias que se organizam em torno do enorme manancial de recursos naturais no subsolo, como ouro, diamantes, coltão ou cobalto...
Alias, foi já numa fase de avanço claro do jihadismo que a ADF levou a cabo um dos mais importantes ataques nesta região do Congo matando dezenas de pessoas e entre estas o embaixador italiano na RDC, quando, em Fevereiro de 2021, acompanhava um comboio de ajuda humanitária das Nações Unidas.
A par do avanço consistente e devastador dos radicais islâmicos, o leste do Congo vive há cerca de dois anos uma situação igualmente trágica com o aumento da actividade guerrilheira do M23, um Movimento apoiado pelo Ruanda, segundo acusa o Governo do Presidente congolês, Félix Tshisekedi, e a ONU confirma em relatório de especialistas, sendo este grupo a maior dor de cabeça actualmente para os países da Região dos Grandes Lagos, incluindo Angola, que tem no seu Presidente, João Lourenço, uma das figuras em maior destaque na procura de uma solução para esta crise insurgente, enquanto líder da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CIRGL) e ainda devido à responsabilidade histórica que Angola tem assumido neste complexo xadrez.
Alias, os esforços angolanos conduziram à mini-Cimeira de Novembro de 2022 em Luanda onde foi assinado um acordo que previa a retirada do M23 das posições conquistadas no leste da RDC, ao mesmo tempo que a EAC, que junta os países da África Oriental, enviava um contingente militar para forçar a estabilização da região, sendo a realidade, hoje, muito distante dos objectivos, com este grupo a resistir fortemente à interrupção da violência.
Esta é a 40º visita internacional de Francisco, que está agora com 86 anos e chega a Kinshasa com sinais evidentes de fragilidade física, mas com ânimo bastante para enfrentar estes prolemas, que se aliam na teia complexa de razões para o sofrimento de milhões de pessoas nas sucessivas catástrofes naturais, pela guerra e pela fome que é um mal subjacente e permanente a todo o puzzle trágico desta parte do continente.
Recorde-se que João Paulo II esteve em Goma, Kivu Norte, por duas vezes na década de 1980, 80 e 85, e Francisco, desta feita, não irá ao leste da RDC mas estará reunido com um grupo alargado de pessoas originárias daquela região, logo a seguir a um encontro com o Presidente Tshisekei, na condição de Chefe de Estado do Vaticano, e, depois, na condição de líder religioso, numa intervenção para o povo congolês, que devera estar concentrado no apelo à paz no leste.
Segundo dados oficiais, mais de metade dos mais de 90 milhões de habitantes da RDC são católicos, e a missa que vai dirigir, na zona do aeroporto da capital, onde se espera mais de 1,5 milhões de pessoas, entre estas muitos angolanos, será um momento de demonstração da força dos católicos naquele que é o mais populoso pais dos Grandes Lagos, sendo, ao mesmo tempo, o mais complexo e o que encerra mais riscos de instabilidade interna e projecção de instabilidade para a região, em grande parte devido à cobiça generalizada pelos seus recursos naturais inigualáveis em todo o mudo, sendo esses mesmos recursos uma "bênção" e uma "maldição".
Numa mendsagem no Twitter, Francisco diz que esta sua deslocação apostólico à RDC e ao Sudão do Sul, onde sabe que tem à sua espera a "afeição destes muito amados povos" e pede a todos que acompanhem o seu périplo "com preces pela paz".
Agenda e segurança
Para garantir a segurança do Papa, as autoridades congolesas colocaram 7.500 policiais a trabalhar 24 sobre 24 horas, para que, quando este chegar a Kinshasa, esta terça-feira, às 15:00 locais, mesma hora em Luanda, e durante os três dias que vai estar na RDC, nada ocorra que possa comprometer a sua segurança.
Depois de aterrar na capital congolesa, Francisco vai estar com o Presidente Tshisekedi, depois com grupos da sociedade civil, corpo diplomático e autoridades regionais, proferindo na ocasião um discurso.
Na quarta-feira, o Papa Francisco vai celebrar uma gigantesca missa no aeroporto a capital Ndolo, durante a manhã, e já durante a tarde, estará reunido com vítimas da violência no leste da RDC e ainda com grupos e organizações sociais, proferindo outro discurso.
Os jovens e catequistas católicos vão estar com o Sumo Pontífice na quinta-feira, pela manhã, à tarde com padres e freiras no país, e no dia seguinte, sexta-feira, último dia da visita ao país, o chefe da igreja católica vai estar com os bispos congoleses da CENCO.
Nessa sexta-Feira, Francisco deixa a RDC em direcção a Juba, capital do Sudão do Sul, a última etapa deste seu mini-périplo africano, sendo que este país é um dos mais pobres do mundo, apesar de também ali serem abundantes os recursos naturais, desde logo o petróleo.
Nesta deslocação ao Sudão do Sul o Para segue acompanhado do arcebispo de Cantuária, Justin Welby, e o moderador da Igreja da Escócia, Jim Wallace, uma vez que o país tem igualmente uma forte presença de devotos da Igreja anglicana e tem como precedente o facto de em 2019 estes três lideres religiosos terem assumido em mãos a tarefa de apoiar e a consolidar o processo de paz no Sudão do Sul, estando esta visita, agora, a ser vista como um possível ponto de viragem da instabilidade para uma situação de maior entendimento e antecâmara de uma solução definitiva e eficaz.