Pouco depois de chegar à capital congolesa, no primeiro de três dias de visita apostólica com o foco maior no húmus da violência no leste congolês, Francisco defendeu, citado pelas agências e sites de media internacionais e locais, que os recursos naturais, vastos e únicos no mundo têm de servir para melhorar a vida dos seus habitantes e, para isso, urge que as multinacionais deixem de "pilhar este país" que parece estar impossibilitado de colher os benefícios dos seus próprios recursos devido a acção criminosa e gananciosa de interesses externos.
"Chegamos ao paradoxo de ver que os frutos da vossa terra estão a render no estrangeiro e a ajudar outros países a enriquecerem, evidenciando que o veneno da cupidez ensanguentou os vossos recursos naturais. É um drama sobre o qual o mundo mais avançado economicamente fecha os olhos, as orelhas e a boca", atirou o Sumo Pontífice sem rodeios e com alvo bem desenhado nas costas das potências globais que usufruem da exploração criminosa e ilegal do coltão, do cobalto, do ouro, dos diamantes congoleses.
Acrescentou no mesmo tom irado com a injustiça que o caracteriza que a RDCe o continente africano "merecem ser respeitados e escutados", e azedou ainda mais a sua ira contra o mal exigindo que esses poderes externos "deixem de sufocar África!" para que o continente posssa ser "o protagonista do seu destino".
O genocídio do leste
A este propósito, nesta sua demonstração clara de que aos 86 anos ainda é um pilar vertical da luta entre o bem e o mal, o Papa sul-americano apontou a sua voz afiada em décadas de fricção contra o mal, de ditaduras à negligência estridente dos mais pobres pelos ricos e poderosos, ao leste da RDC, onde diz que está a acontecer um genocídio sobre o qual ninguém parece querer saber fora do continente, é o "genocídio esquecido" dos Grandes Lagos, depois de há três décadas ali ao lado, no Ruanda, mais de 800 mil tutsis terem perecido às mãos da maioria hútu, num turbilhão de violência incontrolada.
As vítimas deste genocídio são, acrescentou Francisco, as "populações indefesas", apelando a que ocorra uma "convergência de forças capazes de levar a paz a este martirizado povo", apontando à reconciliação entre todos os congoleses.
Esta referência ao "genocídio esquecido" foi feita pelo Papa depois de o Presidente congolês, Félix Tshisekedi assim se ter referido aos problemas que assolam as três províncias do leste da RDC, Ituri e os Kivu Norte e Sul, endo, (ler aqui) pedido, mesmo antes da chegada do Papa, que a ONU sancione quem apoia a violência no país, onde, além da já histórica presença de guerrilhas e milícias locais ou originárias dos vizinhos Ruanda e Uganda, estão agora a aparecer ataques sucessivos com o `estado islâmico" por detrás, ma situação que os bispos católicos congoleses têm vindo a chamar à atenção para o risco de uma avalanche de radicalismo islâmico nesta geografia africana já de si profundamente complexa, que são os Grandes Lagos.
Neste contexto, o chefe da Igreja católica e Chefe de Estado do Vaticano disse a Tshisekedi que os congoleses estão a lutar pela sua dignidade e a integridade do país contra as "abjectas tentativas de fragmentar" a RDC, garantindo que os congoleses podem contra com ele, o Papa, para, "em nome de Jesus", ser o peregrino da reconciliação e da paz, para ajudar a combater a guerra, as migrações forçadas, as deslocações impostas a populações indefesas e à exploração indigna do homem pelo homem.
Apelou aos congoleses que não se deixem levar pelo turbilhão da violência e da raiva para que estas deixem de ter espaço para crescer no Congo, que considerou ser "um pais bendito" e que mais cedo ou mais tarde encontrará o seu caminho, não se resignando, como parece estar a acontecer com a comunidade internacional, à violência como uma emanação natural da condição humana nesta geografia.
As eleições...
... têm de ser "livres e justas, credíveis e transparentes", disse o Papa, num claro recado para o Governo de Tshisekedi, que tem de preparar o terreno para as eleições que deverão ter lugar em Dezembro deste ano, 2023, naquilo que parece ser uma tentativa de Francisco de queimar etapas para forçar a que estas tenham lugar, considerando que no passado nunca foi cumprido o calendário eleitoral e a violência nunca esteve desagregada das votações.
Perante a sociedade civil, o corpo diplomático e diversas autoridades congolesas, o chefe da igreja católica sublinhou que a responsabilidade civil e governamental é aplicada quando a ordem constitucional é servida de forma cristalina, e vista como "um meio para servir a comunidade".
"O poder não tem sentido se não for para servir o povo, sem cair na tentação do dinheiro fácil, que é, citando o Apóstolo Paulo, "a raiz de todo o mal".
O Papa não deixou de aproveitar o ensejo para apelar a que as mulheres e as crianças e os grupos marginalizados sejam protegidos, enquadrando-os no processo de paz e de procura d bem comum e a segurança das comunidades.
Para isso, disse, é "fundamental garantir a presença do Estado em todo o território", que este não se deixe "manipular ou vender" aos que procuram manter o país num caldo de violência de forma a mais facilmente "explorarem as suas riquezas naturais" e fazerem "negócios vergonhosos".
"É preciso lutar contra a impunidade com todas as forças", atirou ainda Francisco, lembrando que é esta que "gangrena as sociedades" porque a injustiça e a corrupção "obscurecem a luz do bem" e iluminam o caminho para o mal, voltando a citar um sábio da igreja, Santo Agostinho, que há séculos já dizia que "se a justiça não for respeitada, os Estados não são mais que bandos de ladrões".
Agenda e segurança
Para garantir a segurança do Papa, as autoridades congolesas colocaram 7.500 policiais a trabalhar 24 sobre 24 horas, para que, quando este chegar a Kinshasa, esta terça-feira, às 15:00 locais, mesma hora em Luanda, e durante os três dias que vai estar na RDC, nada ocorra que possa comprometer a sua segurança.
Depois de aterrar na capital congolesa, Francisco esteve com o Presidente Tshisekedi, depois com grupos da sociedade civil, corpo diplomático e autoridades regionais.
Nestaa quarta-feira, o Papa Francisco vai celebrar uma gigantesca missa no aeroporto a capital Ndolo, durante a manhã, e já durante a tarde, estará reunido com vítimas da violência no leste da RDC e ainda com grupos e organizações sociais, proferindo outro discurso.
Os jovens e catequistas católicos vão estar com o Sumo Pontífice na quinta-feira, pela manhã, à tarde com padres e freiras no país, e no dia seguinte, sexta-feira, último dia da visita ao país, o chefe da igreja católica vai estar com os bispos congoleses da CENCO.
Nessa sexta-Feira, Francisco deixa a RDC em direcção a Juba, capital do Sudão do Sul, a última etapa deste seu mini-périplo africano, sendo que este país é um dos mais pobres do mundo, apesar de também ali serem abundantes os recursos naturais, desde logo o petróleo.
Nesta deslocação ao Sudão do Sul o Para segue acompanhado do arcebispo de Cantuária, Justin Welby, e o moderador da Igreja da Escócia, Jim Wallace, uma vez que o país tem igualmente uma forte presença de devotos da Igreja anglicana e tem como precedente o facto de em 2019 estes três lideres religiosos terem assumido em mãos a tarefa de apoiar e a consolidar o processo de paz no Sudão do Sul, estando esta visita, agora, a ser vista como um possível ponto de viragem da instabilidade para uma situação de maior entendimento e antecâmara de uma solução definitiva e eficaz.