Depois de, em Março de 2022, poucos dias depois do início desta guerra, a 24 de Fevereiro, com o avanço das forças de Moscovo sobre a fronteira ucraniana, Kiev e o Kremlin estavam quase a assinar um acordo de paz para acabar com o conflito, mas o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi à capital ucraniana convencer os ucranianos a não assinarem nada com os russos.
O frenético líder do Reino Unido convenceu Zelensky a voltar atrás e despachar o Presidente russo, Vladimir Putin, com um renovado grito de guerra pela reconquista dos territórios ocupados até ao último homem, prometendo-lhe apoio "até onde for preciso" em armas e dinheiro do ocidente, União Europeia e Estados Unidos, para levar a Rússia a uma clamorosa derrota no campo de batalha.
Palavras que, depois, foram exaustivamente repetidas pelo Presidente norte-americano, Joe Biden, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sublinhando, uma após outra vez, que Kiev poderia contar com apoio ilimitado "até onde for preciso" para levar a bom porto o objectivo de derrotar o Kremlin e obrigar Putin a uma retirada humilhante que garantisse que a Rússia ficaria anulada como ameaça durante muitos anos.
A verdade é que os meses passaram, a Ucrânia aguentava a frente de batalha com baixas de centenas de homens diariamente - tamém do lado russo -, as sanções ocidentais sobre a Rússia, especialmente sobre o seu petróleo e gás natural, fizeram ricochete e, em vez de provocarem danos irreversíveis sobre a economia russa, como Ursula von der Leyn e Joe Biden prometiam incansavelmente, geraram uma das mais graves crises económicas na União Europeia e nos EUA que perdura até aos dias de hoje.
O cansaço no ocidente começou a impor-se e o apoio a Kiev começou a escorregar para os lados, sendo a alemã Ursula Leyen a primeira a sair de cena, passando a evitar aparecer junto com Zelensky, e as palavras de apoio a Kiev começaram a ser cada vez mais verbos de encher...
Mas Zelensky tinha ainda um trunfo na manga, que era a conversa de Boris Johnson em Março de 2022, prometendo-lhe o mundo em troca do sangue dos ucranianos vertido nas trincheiras a combater os russos em nome - quase - da NATO e dos EUA, que usou enquanto isso lhe foi permitido, mantendo um fluxo contínuo, mas em acelerada redução de armas e dinheiro para Kiev, lembrando aos seus "amigos" as promessas que lhe tinham sido feitas pelo intrépido primeiro-ministro britânico.
Só que, neste entretanto, em junho deste ano, depois de um último e desesperado esforço ocidental de enviar para a Ucrânia os famosos blindados alemães Leopard 2, ou os britânicos Chalenger, ou os prometidos mas nunca chegados norte-americanos M1 Abrams, a Ucrânia lançou uma contra-ofensiva que deveria, como a isso se convenciam os comentadores ocidentais quase em uníssono, expulsar todos os russos do país.
Mais uma vez, nada disso aconteceu, e as baixas ucranianas nessa acção ofensiva chegaram a números insustentáveis... embora sem que nem um lado nem outro tenha, entretanto, conseguido levar de vencido o inimigo, alimentando um impasse de terror e sangue que, apesar de tudo, jogava a favor dos russos, com mais capacidade de mobilização, mais stock de armas e, essencialmente, uma capacidade pensada impossível no ocidente de resiliência da sua economia, conseguida através de uma mudança dos "oleodutos" do oeste para leste, para os gigantes China e Índia.
Eis que, rebenta a guerra em Gaza e os olhos do ocidente, especialmente dos EUA, saltam do leste europeu para o oeste asiático e focam-se no Médio Oriente, onde Washington tem, de longe, o seu mais importante aliado em todo o mundo: Israel.
Aproveitando este "cisne negro" ainda há algumas semanas anteriores ao 07 de Outubro, quando, estranhamente, os combatentes do Hamas entraram em Israel surpreendendo tudo e todos - apesar de haver teses que apontam para uma possível "cabala" interna em Israel -, Telavive lança um poderoso contra-ataque, fazendo os amigos americanos mudar claramente o "chip" de Kiev para Telavive.
Ou, como admitem alguns analistas menos alinhados com o ocidente, aproveitando a oportunidade para fugir de Zelensky, a quem sussurra-se nos corredores da diplomacia ocidental, foi dado tudo, como admitiu o chefe da NATO, Jens Stoltenberg, e não conseguiu danificar seriamente a Rússia, abandonando claramente o seu "peão" de guerra no jogo mais lato da disputa global por uma nova ordem mundial onde Moscovo e Pequim procuram acabar com o domínio de Washington que dura desde o fim da II Guerra Mundial com base na sua denominada ordem mundial baseada e regras...
Face ao abandono, que é visível na saída da guerra na Ucrânia dos media internacionais, da redução do apoio militar e financeiro dos EUA, que é hoje quase zero, embora por dificuldades políticas internas, Volodymyr Zelensky diz estar a ser traído pelos seus até aqui amigos com quem se mostrava ao mundo de braço dado...
Isso mesmo relata a Time Magazine na sua edição de Domingo, que, citando alguns dos seus assessores mais próximos, nota que estes encaram agora o líder do regime ucraniano como mostrando sinais de psicose e visão irrealista do mundo.
"Zelensky sente-se traído pelos seus amigos, sente que lhe faltaram com a palavra no sentido de lhe garantir os meios para ganhar a guerra e que agora isso é impossível bem como a sua sobrevivência (política) a este momento", aponta um membro do seu gabinete citado pela revista mais influente dos EUA.
E com a guerra no Médio Oriente a mostrar sinais de se vir a transformar num conflito longo, a questão ucraniana pode mesmo ser relegada para a condição de incómodo entre os Governos ocidentais, claramente empenhados em garantir o apoio a Israel, numa altura em que uma guerra envolvendo o Irão começa a ganhar corpo de possibilidade a cada dia que passa.
Para já, esta guerra saiu dos radares da imprensa mundial e só volta a ter alguma relevância quando sobre ela o Presidente russo faz uma declaração, porque os vídeos repetitivos de que os jornais ocidentais tanto gostavam há alguns meses, deixaram de merecer qualquer atenção de relevo.