Embora mantenha em público que o seu plano é expulsar os russos de todos os seus territórios ucranianos anexados desde 2014, a Crimeia, e depois em 2022 Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson, a versão actual é uma pálida sombra da original.

Nas suas primeiras versões, claramente recusadas por norte-americanos, alemães e franceses, e aceite, embora cm reticências por britânicos, Volodymyr Zelensky viu-se obrigado a alterar profundamente todo o seu "mapa" para uma saída airosa deste conflito que está a perder.

O chefe do regime ucraniano sabe que já ninguém acredita que as suas forças possam sair por cima no confronto com a Rússia, e que a sua capacidade de resistir aos avanços de Moscovo está por um fio, com perdas diárias de posições importantes e perdas insubstituíveis.

Nenhum dos media internacionais viu o conteúdo na íntegra, sendo apenas conhecidos alguns pormenores que fontes próximas de Kiev avançam, anonimamente, mas que são, na verdade, apenas formas de tentar perceber a aceitação do "plano" nas sociedades.

Há mesmo um "plano"?

Na verdade é cada vez mais claro que Zelensky e a sua equipa nunca tiveram um plano fechado e foram reescrevendo versão após versão face às sucessivas recusas das suas propostas pelos aliados ocidentais devido ao risco que a sua aplicação contém.

Além disso, sempre que os media ocidentais foram noticiando pormenores desse "plano", dadas a conhecer por fontes anónimas, em Kiev, Londres ou Washington, em Moscovo o Presidente Putin avançava com contramedidas a partir do Kremlin.

E uma delas foi quando o Kremlin anunciou uma alteração quase radical da sua doutrina nuclear, apontando as suas ogivas também aos países "nucleares" que ajudem a Ucrânia com armas convencionais consideradas perigosas para a segurança existencial da Federação Russa.

Face a este cenário de desespero em Kiev, o "amigo" norte-americano, que, tal como alemães, franceses, italianos... quer ver um fim para este conflito que está a vaporizar as suas economias, mas que é fundamental para o desfecho, seja ele qual for, vai ter de decidir já esta semana.

Isto, porque, depois de ter cancelado a visita à Alemanha, e a Angola, na passada semana, que deveria ocorrer precisamente nesta segunda-feira, 14, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acaba de anunciar que viaja sexta-feira, 18, para Berlim.

Na Alemanha sem a NATO na agenda

Nesta deslocação à Alemanha, segundo a Reuters, não haverá a reunião da NATO na base norte-americana de Ramstein para decidir o que fazer com a guerra na Ucrânia, mas o tema do conflito será discutido entre Biden e o chanceler Olaf Scholz.

De acordo com a revista Spiegel, tudo está já preparado para receber Joe Biden na sexta-feira, 18, e o norte-americano vai falar, além de Scholz, com o Presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, sabendo de antemão que em Berlim a posição é agora de abrir um corredor para conversações com Moscovo.

A Alemanha é, de longe, o país mais prejudicado por esta guerra, porque ficou sem o combustível barato e abundante, gás e petróleo russos, que motorizavam a sua poderosa indústria pesada, automóvel e química, e que foi bloqueado devido às sanções.

Além disso, numa estranha circunstância desta guerra, provavelmente a mais estranha de todas, foi destruído o gasoduto submarino "nord stream", em Setembro de 2022, que ligava a Rússia à Alemanha.

Até hoje, oficialmente, ninguém sabe quem o fez, mas o Presidente Biden tinha dito, pouco antes da invasão russa, que o faria em público e sem o negar posteriormente, para desconectar a Europa ocidental da energia russa, obrigando assim à compra do gás "Made in USA, mais caro e difícil de manter o fluxo.

Com a crise alemã não se brinca

Face a essa evolução, a Alemanha entrou numa espiral recessiva e uma crise económica severa atracou no país, levando à sua desindustrialização, com muitas empresas a mudar para a China, entre outros destinos, devido à perda de vigor do "motor" económico da União Europeia.

Isso levou ao aumento do desemprego e, numa das consequências imediatas, a extrema-direita, incluindo os radicais neonazis da Alternativa para a Alemanha (AfD), são já a segunda força política no país, com os sociais-democratas da SPD de Scholz em queda livre.

Foi neste contexto que, há cerca de dois meses e meio, o chanceler alemão começou a inverter o seu discurso sobre a Rússia e acabou por surpreender o mundo ao propor que seja aberto um corredor negocial com Moscovo,.

Essa mudança foi uma pressão poderosa sobre Kiev, que já tinha a Eslováquia e a Hungria a exigir o diálogo com o Kremlin, sendo claramente sentida em toda a União Europeia, onde a crise alemã já está a chegar, porque com menos vigor económico, a Alemanha já está a comprar menos aos seus parceiros europeus, afectando ruidosamente as suas exportações.

E é isto que Joe Biden tem pela frente quando chegar à Alemanha na próxima sexta-feira, nos encontros com Scholz e Frank-Walter Steinmeier, podendo estes encontros determinar a imposição a Volodymyr Zelensky de uma nova postura face a Moscovo.

Isto vem a propósito, até porque, segundo vários analistas fora da bolha encarniçada anti-russa ocidental, incluindo fontes ucranianas, depois de sexta-feira, Washington e Berlim, os dois grandes financiadores e municiadores de armas para Kiev, vão dar a Zelensky o seu parecer final para a derradeira versão do seu "plano de vitória".

Até porque Zelensky já fez saber que vai, segundo vários media, explicar aos ucranianos esse mesmo plano, cujo conteúdo, além dos elementos noticiados a partir de fontes anónimas, e que tem obrigatoriamente de ser a versão definitiva.

Onde pode Zelensky ceder?

Com o foco dos norte-americanos colocado agora claramente no Médio Oriente e com a guerra da Ucrânia a ser já um fardo para toda a gente, o Presidente ucraniano sabe que está perante a oportunidade de conseguir um acordo minimamente "honrado" com os seus aliados para se apresentar face a Moscovo com a retaguarda minimamente protegida.

Sabendo que o Kremlin está em vantagem no campo de batalha e que a superioridade russa tanto aérea como em meios terrestres, e uma vantagem numérica em unidades de combate muito maior que a ucraniana, Zelensky sabe que tem de ceder territórios.

Mas se essa cedência é inevitável, e depois da Rússia ter descartado quaisquer solução não definitiva, como a "coreana", um congelamento de posições sine die, Kiev pode conseguir um acordo de garantias de segurança internacional que inclua os seus aliados ocidentais e a própria Federação Russa, mas fora da NATO.

Assim sendo, o mais provável é que Biden e Scholz digam a Zelensky que tem de aceitar as propostas de Putin, sair das regiões anexadas pela Rússia, mas garantindo que Moscovo não avança nem mais um quilómetro para oeste e sudoeste.

Isso permitiria a Zelensky garantir uma Ucrânia viável enquanto país para o futuro, uma porta entreaberta para a União Europeia, como, de resto, lhe tem sido prometido repetidamente pela presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, e um corredor fundamental no Mar Negro...

Provavelmente estas condições, a que acresce a exigência russa de respeito pelos direitos das populações russófilas e cultural e religiosamente ligadas a Moscovo, de manter as suas tradições, língua e cultura, serão alvo de dura e prolongada discussão, podendo Zelensky, com o apoio da máquina da propaganda ocidental, transformar pequenos ganhos negociais em vitórias flamejantes.

O que daria ao Presidente ucraniano o espaço mínimo para acomodar o seu "plano de vitória" na realidade que ele e os seus aliados ocidentais, incluindo quase todos os media europeus e norte-americanos, conseguirem construir.

A palavra de Washington

A única dúvida é saber se também para os norte-americanos este desfecho poderá ser acomodado nos seus interesses geoestratégicos de longo prazo e se o orgulho de Washington poderá sair ileso deste fade out de um conflito onde os EUA apostaram muito para fragilizar Moscovo.

Alguns analistas admitem que é possível, porque os norte-americanos não perderam, oficialmente, qualquer vida nesta guerra, o que, para a opinião pública, é um elemento fulcral na abordagem às crises em que os EUA se envolvem.

Além disso, Washington tem vindo a mudar a agulha geoestratégica das suas prioridades da Europa para o Índo-Pacífico, na sua estratégia de contenção do poderio Chinês - nem de propósito, Pequim está neste momento a realizar grandes exercícios militares de bloqueio naval a Taiwan -, e, agora, no Médio Oriente, que, além da guerra iminente israelo-iraniana, abrange ainda o nordeste africano, como o mostra à saciedade o braseiro crescente que vai do Sudão à Líbia, da Somália ao Egipto, da Etiópia ao Chade e ao Níger...

Na iminência de perder um mínimo de controlo sobre as rotas do petróleo e comerciais no Golfo Pérsico e no Mar Vermelho/Canal do Suez, num geoterritório existencial para os planos de longo prazo chineses com a sua "Nova Rota da Seda", os EUA dificilmente pensarão duas vezes se estiverem face à obrigação de decidir onde apostar as suas fichas mais valiosas.