O pedido de Zelensky para a demissão de Zaluzhny (ambos na fotografia) está a ser noticiado pelos media ucranianos, russos e ocidentais, tendo mesmo o britânico The Guardian citado um deputado ucraniano "amigo" do CEMGFA que garante que o general recusou demitir-se e que agora ao Presidente só resta demiti-lo por despacho, o que gera muitas dúvidas sobre como vai reagir a estrutura de comando militar a essa mais que provável saída para este braço-de-ferro.
Alguns analistas admitem mesmo que a postura de recusa e desafio de Valery Zaluzhny ao Presidente Volodymyr Zelensky pode constituir um acto de insubordinação militar, um dos ais graves crimes da lei militar em todos os países organizados, abrindo espaço para que o general CEMGFA possa ser acusado na justiça militar.
Para já, segundo a Constituição ucraniana, o Presidente deixa de poder ir além do exercício de gestão do país depois de Março, quando termina o prazo do seu mandato, devendo manter-se no cargo sustentado pela Lei Marcial, usada em contexto de guerra, em que a Ucrânia se encontra, se, como já o anunciou, não estiver a pensar realizar eleições presidenciais em Maio, como está previsto no calendário eleitoral do país.
Com o estrondoso falhanço da ofensiva do Verão do ano passado, onde, apesar da entrega pelos países da NATO de biliões de dólares em material de guerra, os ucranianos esbarraram nas linhas defensivas russas, estando, no presente, a sofrer uma ofensiva russa que está a empurrar as linhas ucranianas em direcção ao Rio Dniepre, a tensão em Kiev entre o comando militar e a Presidência está a ganhar densidade de pré-golpe.
Isto, porque se adensam as evidências de que a linha radical em torno do Presidente Zelensky está a ser vista como um problema por parte dos aliados ocidentais, europeus e EUA, apesar da retórica contrária a essa ideia, devido ao cansaço gerado pelo conflito e as suas consequências nefastas para a economia europeia, como o recente relatório do FMI o demonstra.
E Zaluzhny aparece com a imagem da ponderação que permite encarar outras saídas para a guerra fora da radical proposta de 10 pontos do Chefe de Estado, que exige a saída de todos os soldados russos de todos os territórios ucranianos definidos pelas fronteiras de 1991, ano da independência ucraniana da então União Soviética, incluindo as anexadas Crimeia (em 2014) e Lugansk Donetsk, Kherson e Zaporizhia (integradas na Federação Russa em 2022), o que o Kremlin já disse ser irrealizável, porque seria como entregar Moscovo.
Este duelo de galos que está a deixar Kiev a ferro e fogo, como explicam ainda os jornais Financial Times e The Economist, não é novo e só agora está a emergir das profundezas onde está em latência há meses, desde que Zaluzhny, no ano passado, manifestou a sua discordância pública com Zelensky sobre a batalha de Bakhmut.
Nessa batalha histórica, onde foram protagonistas pelo lado russo os combatentes do Grupo Wagner, o general queria retirar para poupar as vidas dos seus militares e o Presidente, e comandante-supremo, exigiu a continuação dos combates por meses, de onde resultou não só a derrota ucraniana mas também a perda de, segundo diversas fontes, entre 40 mil a 70 mil tropas, entre mortos e feridos.
Desde esse momento, Zelensky e Zaluzhny deixaram de ser vistos como aliados, mantendo a postura, segundo diversas fontes, para não atrapalhar o fluxo de dinheiro e armas do ocidente, coincidindo o fim dos esforços para manter as aparências com a redução substancial desses apoios ocidentais, especialmente dos EUA, onde o Presidente Joe Biden está de mãos atadas perante um Congresso cada vez mais adverso ao apoio a Kiev.
Agora, com Zelensky a sair do radar das boas graças ocidentais, Zaluzhny parece ter deixado cair a máscara e está a assumir aquilo que já está a ser anunciado por vários analistas á meses, que é o facto deste ter já decidido que vai ser candidato à Presidência assim que forem marcadas as eleições Presidenciais que apenas estão a ser proteladas devido à Lei Marcial em vigor no país.
Face a este crescente mal-estar, o Ministério da Defesa ucraniano emitiu um comunicado onde nega que o Presidente tenha despedido o seu CEMGFA, mas não é dito em nenhuma declaração oficial que Zelensky não pediu a Zaluzhny para se demitir de mote próprio, oferecendo-lhe o cargo máximo no Conselho Nacional de Segurança e Defesa, como refere The Economist.
A pesar para o lado do general está o facto deste aparecer em quase todas as sondagens, sendo a última de há três semanas, de um instituto universitário de Kiev, onde Zelensky viu a sua popularidade e confiança cair de 83% há um ano para cerca de 60% agora, enquanto o ainda CEMGFA está bem visto e tem a confiança de 88% dos ucranianos.
Como tem referido amiúde o analista militar da CNN Portugal, general Agostinho Costa, o general Valery Zaluzhny é o militar ucraniano com mais prestígio internacional e sem ele à frente das Forças Armadas da Ucrânia, todo o relacionamento com a NATO corre o risco de se deteriorar.
Isto, porque a alternativa que mais surge nos radares para o seu lugar é o actual chefe dos serviços secretos "militares ucranianos, Kirylo Budanov, considerado o mais radical da ala radical que circunda Zelensky e que preconiza não só a continuação da guerra com a Rússia, como é este sector que quer alargar o recrutamento a quase todos os homens até aos 60 anos, além de estar por detrás da mais extravagante e recente ideia.
Ideia essa que passa por Kiev exigir aos seus aliados europeus que deixem de apoiar os refugiados ucranianos que saíram do país a seguir a 24 de Fevereiro de 2022, data do início da invasão russa, como forma de os incentivar, ou forçar, a regressar ao país para serem recrutados e enviados para a linha da frente.
Esse pedido foi já endereçado por Zelensky ao chanceler alemão, Olaf Scholz, pedindo ao chefe do Governo em Berlim que desvie esses fundos para Kiev de forma a ajudar ao esforço de guerra contra a Rússia, numa altura em que as posições ucranianas começam a romper em diversas posições ao longo dos mais de 1000 kms de extensão, mas especialmente na zona de Kharkiv, Lugansk e Zaporizhia.
E não é pouco o que Zelensky pede aos alemães, porque desde este fluxo de refugiados ucranianos para a Alemanha, cerca de 5 milhões, desde o início da guerra, Berlim já gastou mais de 14 mil milhões de euros com apoios sociais, segundo o Instituto Kiel, um reconhecido think thank alemão, sendo que a Polónia já gastou neste mesmo período mais de 16 mil milhões de euros.
Congresso fecha a torneira
As coisas já não estavam fáceis para a Ucrânia, claramente a perder o pé na frente de batalha, onde os russos ganham posições todos os dias, obrigando as forças de Kiev a recuar e a defender em vez de atacar por falta de munições e dinheiro dos EUA para reforçar as fileiras do seu depauperado Exército.
E estão agora a ficar muito pior depois de o braço-de-ferro entre a oposição republicana e democratas pela aprovação de fundos para financiar a guerra contra os russos na Ucrânia estar a ser substituído por um clima de alta tensão entre o estado do Texas e o Presidente dos Estados Unidos por causa da "invasão" de migrantes oriundos da América Latina.
Isto, porque o governador do Texas, o republicano Greg Abbott, furioso com a política da Administração Biden, democrata, ter colocado em público a possibilidade de tomar as rédeas legais, incluindo o comando da Guarda Nacional para frechar a fronteira, das políticas de imigração, despoletando um processo legal entre Washington e Austin, que pode deixar os EUA num clima de pré-guerra civil depois de 25 governadores republicanos se terem posicionado ao lado do colega texano contra o Presidente norte-americano.
A questão da imigração é a linha divisória mais tensa entre democratas e republicanos, com o candidato e ex-Presidente Donald Trump a cavalgar esta onda para proveito eleitoral, e essa tensão está a espalhar-se para todo o país depois de meses a fio a arder em lume brando no Congresso, deixando a Ucrânia seca dos fundos vitais para financiar a guerra contra a Rússia.
E as coisas aqueceram ainda mais, a ponto de a expressão "clima de pré-guerra civil" estar já no léxico comum nos media norte-americanos, depois de o estado do Texas ter usado a Guarda Nacional, uma organização militar de base estadual, para impedir a Patrulha de Fronteira, uma entidade federal, de cumprir a ordem do Tribunal Supremo para limpar o arame farpado da fronteira com o México.
Quando dois elefantes lutam, é o capim que sofre...
Perante este braço-de-ferro nacional, o Congresso dos EUA está à beira de dar o caso dos fundos para a Ucrânia por encerrado, a descontento de Kiev, como o senador republicano John Thune, vice líder dos Representantes, já veio admitir publicamente.
"Estamos num ponto crucial e vai ser preciso já um esforço sobre-humano para ultrapassar os obstáculos, porque não há plano B", advertiu.
Se, como parece, até porque em tempo de pré-campanha eleitoral para as Presidenciais de 05 de Novembro e com este como um dos temas charneira do debate político, não for possível encontrar uma saída no Congresso que satisfaça ambos os lados, e como o Pentagono já admitiu, o colapso miliar ucraniano é uma questão de tempo devido à falta de munições e de dinheiro.
Para criar ainda mais adstringência a este esforço, para o qual alguns analistas admitem que republicanos e democratas já só usam retórica, porque ninguém quer, efectivamente, continuar a enviar biliões de dólares para uma "causa perdida" como é a guerra na Ucrânia, o candidato republicano, Donald Trump, às eleições de Novembro, está claramente contra qualquer cedência aos democratas na questão de imigração que permita continuar a financiar Kiev.
Até porque, como Trump tem dito repetidamente que vai acabar com a guerra em 24 horas quando voltar à Casa Branca, e isso só será possível dessa forma se Washington fechar por completo a torneira para Kiev, então, segundo a quase generalidade dos analistas, o desfecho dificilmente será outro que não esse.
Em cima da mesa estão cerca de 60 mil milhões USD que Joe Biden quer que o Congresso aprove para manter o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia que já está quase a entrar no seu 3º ano de duração sem que se vislumbre que os objectivos de Washington, fragilizar militar e economicamente Moscovo, sejam alcançáveis.
Como está a ser divulgado nos media internacionais, a prova de que esse desfecho é já um facto é que o líder da minoria republicana no Senado, MItch McConnell, disse num encontro à porta fechada que a oposição de Trump a um entendimento atira por terra quaisquer possibilidades de o conseguir, deixando Kiev a mercê do apoio que ainda recebe da União Europeia, o que é muito aquém do mínimo necessário.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado, incidindo especialmente no sector energético.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, com destaque para o sector energético, do gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 7,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.