Para este encontro, de 15 e 16 de Junho, foram convidados todos os países do mundo, excepto a Federação Russa e os seus aliados indefectíveis, mas as desistências foram-se somando à medida que as tentativas de levar ucranianos a aceitar a presença russa foram falhando.

A China, de onde chegaram os primeiros sinais de descontentamento, ao Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia... foram anunciando a ausência ruidosa com o desconforto de um encontro para procurar os caminhos da paz com apenas a presença de um dos lados da barricada.

Noutros casos, como os Estados Unidos, baixou o nível da delegação a caminho da estância turística de Bürgenstock, Lucerna, enviando figuras de segunda linha e sem peso político, como a vice-Presidente norte-americana, Kamala Harris.

No caso dos EUA, o país que mais investe nesta guerra na Ucrânia, apoiando Kiev como nenhum outro, o Presidente Joe Biden justificou a ausência com a ida a uma desafiante iniciativa de recolha de fundos para a sua campanha eleitoral para as eleições de 05 de Novembro.

Com este deslize na qualidade das delegações, e mesmo a ausência de alguns pesos-pesados, alguns com severas críticas à organização como a China e a África do Sul, por não entenderem como é que se pode construir a paz apenas com um dos contendores presente, tanto suíços como ucranianos começaram a procurar justificações.

A mais estranha foi da Presidente suíça, Viola Amherd, que, citada pelo britânico The Guardian, veio na terça-feira dizer que a Rússia recusou participar nesta Cimeira, quando é do conhecimento generalizado que a Ucrânia não aceitou, e o país anfitrião anuiu, o convite a Moscovo.

O mal estar, principalmente no Sul Global, ou seja, quase todo o mundo, excepto a Europa Ocidental e os aliados dos EUA mais férreos no resto do mundo, nasceu logo nesse momento em que a Rússia foi sonoramente mantida de fora.

Agora, depois de 93 países, em mais de 190 em todo o mundo, terem dito que se fariam representar, começam a ser conhecidas dezenas de desistências, e, segundo o site swiss.info já são apenas 80, e a Radio Liberty, na Ucrânia, já divulgou que esse número está reduzido a 78.

A debandada tende ainda a ser mais expressiva à medida que colapsam os derradeiros esforços para encontrar uma solução que permita dar um mínimo de credibilidade a esta iniciativa, que não tem duas possibilidades, apenas a presença da Rússia o permitiria.

Segundo vários analistas, uma boa parte das confirmações prévias foram tácticas, para ver se as circunstâncias se alteravam e a Rússia ainda podia ser parte desta reunião internacional, mas com o veloz aproximar da data, tal é já uma impossibilidade e as desistências somam-se.

Alias, a Rússia já apelidou esta Cimeira suíça de "palhaçada", dizendo que se trata de um "exercício inútil", tendo mesmo o porta-voz do Kremlin feito um reparo irónico, questionado como é que de repente o mundo pôde ficar tão pueril.

E o melindre é de tal monta que a Presidente suíça Viola Amherd já veio admitir diplomaticamente o falhanço da iniciativa ao defender que esta Cimeira, afinal, é apenas uma primeira parte de um processo mais largo que terá de ser continuado com um segundo encontro onde já terá de estar a Rússia de corpo inteiro.

E, numa frase estranha, Viola Amherd disse, citada pelo jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, que "é óbvio que não será assinado um acordo de paz nesta Cimeira", como se tal chegasse a ser pensado antes, mesmo com a ausência da Rússia...

"Para a paz ser alcançada, ambas as partes têm de estar sentadas à mesa e a Rússia deve estar presente no seguimento desta Cimeira", frase que levou já alguns analistas a questionarem a sensatez da Suíça ao ter arriscado a sua credibilidade de histórico mediador internacional ao alinhar nesta estratégia ucraniana de isolar a Rússia.

Até porque a única garantia que a Ucrânia consegue com esta Cimeira de Paz em território suíço é consolidar à sua volta os já convencidos, que são os países da NATO europeus e norte-americanos, enquanto o resto do mundo se distancia da estratégia ocidental para o conflito ucraniano.

Até porque em alguns media ocidentais começa, ao fim de quase dois anos, a ser questionada a viabilidade do denominado Plano de paz do Presidente Volodymyr Zelensky, que, em 10 pontos, propõe que seja assinado um acordo com Moscovo depois de as tropas russas deixarem todos os territórios ucranianos, incluindo a Crimeia, que a Rússia pague a reconstrução da Ucrânia e que os dirigentes russos, incluindo Vladimir Putin, sejam levados à justiça internacional.

Isto, depois de a Suíça ter tentado, num derradeiro esforço, convencer os aliados da Ucrânia a aceitarem discutir um esboço de texto final onde não é referida a exigência de a Rússia sair de todos os territórios ucranianos dentro das fronteiras reconhecidas internacionalmente em 1991, quando o país se independentizou da então URSS.

Recorde-se que a Rússia já anexou legalmente quatro regiões do leste e sudeste ucranianos, Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, em 2022, e ainda a Península da Crimeia, em 2014, depois de referendos populares que a comunidade internacional não reconheceu.

O tesouro do Donbass

Entretanto, como nota o analista militar da CNN Portugal, major-general Agostinho Costa, na frente de batalha, longe da Suíça, a resistência ucraniana dá sinais de evidente desmoronamento, apesar de os países da NATO terem aumentado o apoio militar a Kiev e terem dado autorização para os seus misseis de longo alcance serem usados contra territórios historicamente russos.

Esta perigosa escalada, com contornos eventualmente nucleares (ver links em baixo nesta página) reafirma a opção da NATO/EUA de não permitirem de forma alguma que a Rússia saia vencedora deste conflito, levando o risco a extremos nunca vistos.

Mas, como lembrou o major-general Agostinho Costa, o senador Lindsey Graham, um dos líderes do Congresso norte-americano mais conhecidos e empenhados na defesa do apoio miliar à Ucrânia, acaba de explicar o porquê do empenho dos EUA neste conflito.

Lindsey Graham explicou na rede social X (ver aqui) que a Ucrânia possui mais de 12 biliões (12 seguido de 12 zeros) em minerais estratégicos no solo do leste do país, Donbass, (actualmente anexado pela Rússia) que "não podem ser para Vladimir Putin".

"Vladimir Putin não pode aceder a este dinheiro porque ele vai partilhar estes recursos com a China", acrescentou o velho senador no antigo Twitter.

A confirmar-se esta perspectiva de Lindsey Graham, então o leste ucraniano é palco de disputa entre as grandes potências por gigantescos recursos naturais estratégicos e não, como repetem sistematicamente líderes ocidentais, como o Presidente Biden ou o francês Emmanuel Macron, por valores da liberdade e da democracia.

Um tesouro escondido no Donbass ao qual, segundo Lindsey Graham, os norte-americanos pretendem deitar a mão fornecendo milhões de toneladas de armas a Kiev, que conduz a guerra ao preço de centenas de milhares de mortos.

Em Moscovo, esta informação não é desconhecida, se for factual, e a "factura" pelo acesso a estes recursos não é menos dramática que do lado ucraniano.