Se Donald Trump já tinha deixado claro que a sua prioridade para a política externa dos Estados Unidos não é a Ucrânia mas sim a China - adivinham-se igualmente mudanças profundas no olhar em Washington para África -, também J.D. Vance vê em Pequim o "inimigo" a "combater", remetendo a responsabilidade do apoio a Kiev para a União Europeia.

Este posicionamento do até agora senador do Ohio não é uma novidade, mas confirma que em Washington o "apoio ilimitado" a Kiev para manter a guerra contra a Rússia tem os dias contados.

Basta ver a notícia principal no britânico The Guardian, o mais férreo apoiante de Kiev entre os grandes media ocidentais, que tem como título: "A escolha de Trump são notícias terríveis para a Ucrânia".

Não podia ser mais nebuloso o futuro imediato deste conflito para Kiev.

Há, porém, um cenário onde nada disto vale o papel em que está a ser escrito... que é o caso de Donald Trump não ganhar as eleições de 05 de Novembro e não entrar em apoteose na Casa Branca no início de Janeiro de 2025.

Se as sondagens já lhe davam vantagem sobre o democrata Joe Biden, depois da bala lhe ter perfurado a orelha direita no Sábado, durante um comício de campanha, só um enorme e surpreendente fenómeno o afastará de um triunfante regresso ao poder.

E é isso que já todos os analistas dão como certo, até porque Trump está a aproveitar o momento, desde o agora "momento zero" desta campanha para as eleições que vão mudar o mundo, para retirar de cima dos ombros a imagem de truculência que o acompanha.

Com essa mudança de estratégia eleitoral, o republicano quer ganhar ainda mais votos entre os moderados, aproveitando para isso toda a iconografia criada no momento do atentado, de punho erguido, semblante sofrido, apelando à luta - "fight, fight, fight" - e a bandeira norte-americana em fundo, como as fotografias que giram o mundo mostram...

Em Kiev, se o momento já era de medo do fim do apoio de Washington, com um Joe Biden cada vez mais fragilizado e a esbracejar para se manter na corrida, agora a situação é de total pânico, como nota The Guardian, porque esse cenário é certo e seguro com a vitória de Trump.

E em Kiev, como têm sublinhado vários analistas, sabe-se que sem o fluxo contínuo de apoio norte-americano, a derrota militar é uma questão de meses, se não mesmo de semanas, porque a União Europeia não tem capacidade para substituir Washington nesse esforço.

Nem mesmo com quatro elementos nos cargos de maior relevo da União Europeia fortemente empenhados em apoiar Kiev, isso vai ser possível, porque na Europa ocidental não existe capacidade industrial de manter a torrente de armas para Kiev e o financiamento ilimitado também não é consensual entre os 27 Estados-membros.

E não é só em Kiev que o pânico cresce, também os "falcões de guerra" que lideram agora a União Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, a italiana Roberta Metsola, líder do Parlamento Europeu, o português António Costa à frente do Conselho Europeu e a estoniana Kaja Kallas como "ministra dos Negócios Estrangeiros, também começam a não saber o que fazer à vida em caso de vitória de Trump, porque é para eles que o Presidente Volodymyr Zelensky se vai virar caso esse cenário se confirme.

Com a Rússia claramente por cima no conflito, a ganhar terreno e a aumentar a pressão sobre as forças ucranianas dia após dia, sem que Kiev consiga repor as perdas nas trincheiras, mesmo sendo as baixas gigantescas de ambos os lados, Zelensky, consciente das dificuldades, veio esta semana entreabrir a porta para uma saída pacífica para a guerra.

O Presidente ucraniano disse na segunda-feira, em Kiev, que este é o tempo de organizar uma segunda Cimeira de Paz, depois da estrondosamente falhada na Suíça, em Junho, mas agora com a presença da Federação Russa...

A vez da real politik?

O que é uma gigantesca admissão de que em Kiev já se admite que a via militar não pode ser solução, especialmente se se confirmar a vitória eleitoral de Trump e de J. D. Vance, embora isso seja ainda muito pouco para o fim do conflito, considerando as exigências de Moscovo.

E, como sublinham vários analistas militares, o lado que está a levar de vencida uma guerra, não aceita, em nenhuma circunstância, ceder nas questões essenciais para se sentar à mesa das negociações com que, sem excepção, terminam todas as guerras.

Isso mesmo já disse o Presidente russo, Vladimir Putin, que reagiu, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov, reafirmando que Moscovo não arreda pé das exigências conhecidas, que são garantir a Ucrânia neutra e fora da NATO, a saída de todos os militares ucranianos das cinco regiões anexadas desde 2014 - Crimeia, Lugansk, Donetsk, KHerson e Zaporizhia - e a desnazificação do regime ucraniano.

Ora, destas três questões essenciais, para o Kremlin, provavelmente, como notam alguns analistas, Putin poderá ceder - porque não há negociações sem cedências - na questão da desnazificação, o que significa permitir que Zelensky e os seus mais próximos se mantenham no poder, e ainda encolher algumas linhas de fronteira nas novas províncias russas...

Há, todavia, uma nova frente de possibilidades para conduzir este conflito para o fim, que pode ser do agrado das sociedades da Europa ocidental, onde alguns estudos de opinião mostram uma clara dessintonia entre os Governos e as populações europeias, claramente cansadas dos efeitos nefastos da guerra nas economias nacionais.

Nas últimas horas, em Pequim, o Governo chinês voltou a lançar a sua acha para a fogueira de possibilidades para a paz na Ucrânia, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, a reforçar a vontade de trabalhar com a Hungria para facilitar uma solução política.

Com esta afirmação, Wang Yi dá lastro à iniciativa diplomática do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, actualmente a presidir à União Europeia, que esteve em Kiev, Moscovo e Pequim com esse objectivo, mesmo sabendo da clara oposição dos falcões de guerra em Bruxelas, que procuraram fazer colapsar este esforço de paz mesmo antes de ter começado.

O impensável volta a ser cogitado?

A ironia neste contexto é que, provavelmente, Viktor Orban e o Presidente chinês Xi JInping vão contar com o apoio, até há pouco tempo inimaginável, do... Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que sabe que sem o apoio "ilimitado e até onde for preciso" de Washington, as suas possibilidades de vencer a Rússia são nulas.

E a intervenção da China e da Hungria, dois países com relações lubrificadas com Moscovo, pode ser a tábua de salvação para a Ucrânia, porque também em Pequim e em Budapeste, onde a paz é estrategicamente urgente - a China para manter o business as usual e a Hungria porque Orban precisa de dar uma lição a Ursula on der Leyen - se sabe que esse caminho será mais célere se for evitada a humilhação de Kiev.

Quem está condenada a ficar fora da fotografia do sucesso da paz na Ucrânia é a União Europeia, que está a dar por concluído o processo de reafirmação da sua política belicista para a Ucrânia com a eleição dos falcões de guerra Kallas, Metsola e von der Leyen, sendo que apenas o português António Costa foge ligeiramente deste registo de "garras de fora" a favor da continuação da guerra, apesar do desastre económico que é para a Europa Ocidental.