Quando se soube que Vladimir Putin, que tomou posse na semana passada para o 5º mandato, tinha voltado a apostar em Mikhail MIshustin para primeiro-ministro, estava dado o mote para o que o chefe do Kremlin pretende: manter tudo na mesma, no essencial.
Faltava anunciar o que já se sabia, que na Defesa, Sergei Shoigu, 68 anos, no cargo desde 2012, seria substituído, porque o próprio, antes da invasão russa em Fevereiro de 2022, tinha feito saber a Putin que queria sair, e superar a expectativa sobre Sergei Lavrov, nos Negócios Estrangeiros.
Só se confirmou o primeiro, porque Lavrov, claramente a peça-chave do Executivo no Kremlin liderado por Putin, apesar de também haver notícias de que queria sair devido à longevidade no cargo e à idade, 74 anos, desde 2014 no cargo, foi reconduzido.
Não é irrelevante também o facto de Shoigu ter visto ser aberto um processo judicial contra o seu anterior vice-ministro, Timur Ivanov, por suspeitas graves de corrupção, o que lhe estava claramente a queimar os corredores do Kremlin que vão do Ministério da Defesa ao gabinete de Putin.
Menos claro é o porquê da saída de Nikolay Petrushev, um dos mais próximos de Putin nos cargos mais relevantes da estrutura de defesa e segurança russas, de secretário do Conselho de Segurança da Rússia, sendo que o lugar, muito menos exigente e relevante que a Defesa, vai ser ocupado por... Sergei Shoigu.
No entanto, alguns observadores da política russa ouvidos em canais fora dos media mainstream notam que não se pode desligar a saída de Petrushev, de 72 anos, de chefe do Conselho de Segurança, do facto de o seu filho, Dmitry Petrushev, 46 anos, subir para vice-primeiro-ministro a partir do cargo de ministro da Agricultura.
Uma das possibilidades é que Vladimir Putin, que vai fazer 72 anos, está já a construir a sua própria sucessão, apontando o jovem Petrushev para o grupo restrito de possíveis escolhas, colocando num lugar onde este possa ser melhor analisado na macro política, sendo que o afastamento do seu pai é uma consequência natural deste "grand jeu" no Kremlin.
Até porque o primeiro-ministro Mikhail Mishustin é um burocrata conhecido nos meandros da política russa por não meter o nariz onde não é chamado, e o substituto de Sergei Shoigu é um contabilista civil sem passado miliar, o que poderá abrir caminho a um maior protagonismo do filho de Petrushev, de quem se fala fazer há muito parte das famílias de maior proximidade ao "chefe".
E o outro peso-pesado do Executivo de Putin, Sergei Lavrov, aos 74 anos, não aspira a mais que fazer o que melhor faz, que é lidar com a mais que nunca melindrosa diplomacia mundial com férrea contenção ou severa convicção, dependendo do valor maior em causa para a Federação Russa, sendo claramente o mais experiente "top diplomat" hoje em todo o mundo.
Se o jovem Petrushev vai aguentar a caminhada das pedras pelos corredores frios do Kremlin, só o tempo o dirá, mas os seus 46 anos jogam a seu favor, se tiver estofo para aguentar as muitas provações que seguramente tem pela frente.
Já quanto à escolha de Andrei Belousov para ministro da Defesa, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, sucintamente, explicou que se trata de uma aposta na sua capacidade civil de inovar, porque a guerra na Ucrânia, como todos os conflitos, são ganhos pela capacidade de inovar...
E Peskov sublinhou o facto de ser mais que nunca necessário injectar inovação na economia russa, ligando-a ao sector industrial militar, o que pode querer dizer - o que é, no mínimo, curioso -, que o Kremlin não está a pensar abandonar a sua economia de guerra em breve...
O mais importante é...
... o que se está a passar, precisamente, na frente de guerra, onde, sem surpresa, porque, ao contrário do que é costume na operacionalidade militar russa, isso estava a ser falado nos canais e redes sociais por vários bloggers militares pró-russos, sempre muito eficazes a guardar segredo nos segredos que são para guardar e a derrubar segredos criados para serem derrubados, as forças russas lançaram uma ofensiva robusta a partir do norte, na região de Kahrkiv.
Ofensiva essa, que é de dimensão apreciável mas longe de contar com um número de unidades e homens que seria de esperar neste contexto, contando com pouco mais de 50 mil militares, o que deixa no ar, além do cheiro a pólvora, dúvidas sobre os seus objectivos.
Para já, não está a correr mal, até porque, inesperadamente, devido ao tempo que tiveram para se preparar, os russos estão a ganhar terreno hora a hora, com perto de uma dezena de localidades conquistadas em menos de 48 horas.
Isto, porque a Ucrânia, agora demonstrado cabalmente, não tem forças suficientes para fazer frente às diversas situações incandescentes na extensa, mais de 1200 kms, frente de batalha - - e os aliados ocidentais não vão enviar forças para a batalha, pelo menos para já -, estando obrigada a desguarnecer uns locais para socorrer outros.
E é precisamente isso que alguns analistas militares admitem que esta a acontecer, porque o comando militar ucraniano mandou reforçar as defesas a norte com as unidades que estavam no sul, em Kherson, a tentar atravessar o Rio Dniepre, em Krinky, fragilizando esta linha de defesa.
Ora, perante isto, duas possibilidades, ou mais, até porque há igualmente notícias de que a Ucrânia também retirou forças de Donetsk, no leste, (Chasiv Yar e Robotine) para as deslocar para norte, Kharkiv, sendo uma que os russos era precisamente isso que queriam de forma a poderem avançar com mais facilidade em Kherson e em Donetsk, regiões anexadas em 2022, e nas quais ainda não ocupam a totalidade dos territórios.
A outra possibilidade, que é o pior cenário possível para os ucranianos, é que os russos perceberam que podem, afinal, ter tudo ao mesmo tempo, por falta de "mão-de-obra" do lado ucraniano, a quem faltam militares para manter uma tão grande frente de guerra, estando assim a avançar não apenas nos locais definidos como alvos-mor - Donetsk e Kherson -, mas também em Kharkiv, aproveitando a fragilidade - talvez inesperada - das linhas de defesa de Kiev.
Isto, notam ainda vários analistas, incluindo do lado ocidental, como o sugerem notícias em media como The Economist, London Times, The Washington Post ou Politico, entre outros, quando estão ainda a chegar os meios militares norte-americanos incluídos no pacote dos 61 mil milhões USD aprovados há três semanas no Congresso.
E também quando é cada vez mais claro que, mesmo que esse armamento chegue, além o prometido nestes dias pelo Reino Unido, na ordem dos 400 milhões USD, pouca diferença fará no campo de batalha, seja por ser insuficiente, seja porque os ucranianos não têm gente para os operar eficazmente.
Restam, no entanto, duas questões que mantém Moscovo com a respiração suspensa mais do que queriam, porque isso é notório na forma como a o tema se referem os analistas pró-russos: a questão dos F-16, que devem começar a chegar já em Junho, e se vai ou não haver, como têm sugeridos vários líderes ocidentais, o envio de tropa dos países das NATO para a guerra, numa tentativa desesperada de impedir a vitória russa.
Se os F-16 podem fazer a diferença, há quem garanta que sim, como o analistas português, major-general Isidro Morais Pereira, e há quem defenda que não, como o também analista da CNN Portugal, major-general Agostinho Costa.
O que deixa a provação em combate como a única forma de averiguar o que efectivamente valem estes aviões de guerra, já com mais de duas décadas de serviço, na maioria.
Mas mais séria é a questão do envio de forças para o terreno, como apontam o Presidente francês, Emmanuel Macron, a Presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda, ou o líder do democratas na Câmara dos Representantes do Congresso dos EUA, Hakeem Jeffries...
Recorde-se que este assunto (ver links em baixo nesta página), levou mesmo Vladimir Putin a ordenar exercícios de prontidão para os seus sistemas de armas nucleares tácticas precisamente nas regiões da Federação Russas mais ocidentais.
E mais: após este passo, espalhou-se como fogo no capim pelas redes sociais e canais do YouTube pró-russos a mensagem de que Putin não está a fazer bluff com esta ameaça nuclear, "porque a Rússia" não "blufa".
Mais, o Kremlin foi ainda mais longe, o que eleva a tensão e o risco de ser atravessado o rubicão nuclear, ao ameaçar o Reino Unido com um ataque contra interesses britânicos em todo o mundo, se a autorização de Londres para Kiev usar os misseis britânicos contra a Rússia na profundidade do seu território se vier a verificar.