O porta-voz do Governo russo, Dmitry Peskov, veio a público dizer, depois de 48 horas escaldantes, com os norte-americanos e britânicos a mandarem sair o pessoal não indispensável das suas embaixadas na Ucrânia, argumentando com o risco de uma iminente invasão russa, que levou a NATO a reforçar as suas posições com meios e homens na sua fronteira leste, é que Moscovo não tem nem teve qualquer intenção de invadir o país vizinho - o que o Kremlin tem repetido ao longo dos últimos meses.
Mas o que Peskov colocou de novo em cima da mesa foi a convicção de que é precisamente o contrário, ou quase. O homem que torna públicas as ideias de Vladimir Putin veio dizer que é o Governo de Kiev que está a pensar uma acção militar de larga escala contra as regiões separatistas ucranianas, apoiadas pela Rússia, especialmente nas zonas de Donetsk e Luhansk, junto à fronteira-sul com a Rússia.
E que, face a essa ameaça de Kiev sobre as forças russófilas nos territórios independentistas, Moscovo, que apoia abertamente esses movimentos, com meios militares e financeiros, posicionou um forte contingente militar - mais de 120 mil homens - apoiado por milhares de tanques, aviões de guerra e artilharia pesada, ao longo da fronteira, estando igualmente em curso exercícios militares quase contínuos tanto junto à fronteira com a Ucrânia como na vizinha Bielorrússia, um dos principais aliados de Moscovo no leste europeu.
Este responsável do Kremlin acrescentou que a Rússia vive actualmente sob a ameaça do ocidente/NATO, sob acusações "histéricas" de Washington que estão a conduzir o mundo para um perigoso cenário de guerra que pode chegar a ser considerado um "risco sério" mas garantindo que o Presidente Putin está a tomar as medidas necessárias para proteger a Rússia.
É, perante este cenário, onde emerge o músculo militar de Moscovo em oposição à armadura dos EUA na Europa, por intermédio da NATO, numa revisitação à história da segunda metade do século XX, quando a antiga União Soviética e o seu Pacto de Varsóvia, mantinham, e vice-versa, uma Guerra Fria com a aliança ocidental que se propagava por interpostas forças ao resto do mundo, com África a ser um dos seus principais campos de batalha... "emprestados".
Para já, enquanto norte-americanos e britânicos enviam reforços militares para a Ucrânia, abertamente, retirando do frigorífico da história o velho inimigo do Leste, a União Europeia, embora ameaçando Moscovo com pesadas sanções económicas em caso de invasão, recusa, para já, alinhar pelo diapasão bélico de Londres e Washington, anunciado que a sua via é o diálogo com Moscovo.
Em Bruxelas, como explicou o ministro português dos Negócios Estrangeiros, que participou na decisiva reunião de segunda-feira para analisar este problema, o objectivo é claramente evitar uma guerra.
"O nosso objectivo é muito simples: evitar um conflito armado no Leste da Europa, evitar um conflito armado na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Estamos longe de considerar que esteja esgotada a via política e diplomática", disse Santos Silva, citado pela imprensa lusa quando falava aos jornalistas a partir de Bruxelas..
Esta reunião dos 27 foi especialmente importante porque, como tinha dito antes Josep Borrel, o responsável europeu pelas relações internacionais, contou com a participação do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, a quem o bloco europeu exigia explicações substanciais sobre a retirada de pessoal diplomático de Kiev, coisa que os europeus se recusaram a fazer.
Mas o ministro português disse, já depois do encontro, que este correu bem e foi "muito importante para coordenar posições" revelando a clara a convergência de pontos de vista entre União Europeia e Estados Unidos.
Augusto Santos Silva disse ainda que a UE reafirma a sua posição que é a de que "qualquer violação, por parte da Rússia, da soberania e da integridade territorial da Ucrânia terá uma consequência pesada, porque motivará uma resposta, no caso da UE uma resposta muito pesada em termos políticos e económicos" mas sempre reiterando que o objectivo maior é evitar um conflito no leste da Europa.
Com esta posição, os europeus podem estar, estrategicamente, a optar por uma posição intermédia, retirando espaço para uma acção mais radical e unilateral do eixo Washington/Londres, abrindo assim um caminho mais claro para que o diálogo se sobreponha ao dedo no gatilho de Joe Biden e Boris Johnson, de um lado, e Vladimir Putin, do outro.
Moscovo já veio reforçar a sua inquietação perante o anúncio dos EUA de que tinham sido colocados em alerta máximo 8.500 soldados para enviar para a Europa em caso de recrudescimento da tensão na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.
A crescente tensão nesta parte do mundo, que tem no Reino Unido e nos EUA dois dos impulsionadores principais, coincide com momentos problemáticos tanto em Washinton, onde o Presidente Joe Biden vive momentos de baixa popularidade, sendo mesmo o pior momento da sua Presidência, e em Londres, onde o primeiro-ministro Boris Johnson atravessa um momento decisivo ao qual pode não sobreviver politicamente no Parlamento devido às múltiplas festas que deu na sua residência oficial durante o rígido confinamento nacional por causa da pandemia, inclusive no dia do velório do marido da rainha Elizabeth II, o príncipe Philip, em Abril do ano passado, que foi considerado um escândalo nacional.
Recorde-se que este cenário de eventual conflito armado no leste europeu é um dos elementos mais preponderantes no actual contexto global de preços elevados no sector da energia, um dos factores que está a atrasar a recuperação da economia mundial num momento em que o "filme" da pandemia do Sars CoV-2 está a chegar ao... The End.