Vladimir Putin fez esta afirmação categórica num vídeo a propósito da comemoração do 2º aniversário da anexação das quatro províncias ucranianas em 2022, Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson, mas com pano de fundo o falhanço do famoso "plano de vitória" do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Como já é evidente e está plasmado em quase todos os grandes media ocidentais, que não escondem o apoio incondicional a Kiev, da Bloomberg à The Economist, The New York Times ou, entre outros, The Guardian, a estratégia de Zelensky pensada para a sua deslocação a Nova Iorque, aquando da 79ª Assembleia-Geral da ONU, não foi bem-sucedida.
O seu "Plano para a Vitória" com que queria convencer os seus aliados ocidentais, desde logo o maior de todos, os Estados Unidos, a voltarem a financiar a guerra contra a Rússia de forma ilimitada, como nos dois primeiros anos do conflito, falhou.
Desde logo, porque, como referia a Bloomberg, "não havia nada de novo" no seu conteúdo, e o que se aproximava mais de ser surpreendente, era apenas impossível de aplicar, porque levaria directamente a um confronto directo entre a Rússia e a NATO, e dai para uma catástrofe nuclear global seria um passo curto e inevitável, como há muito admitiram Putin e o norte-americano Joe Biden.
Uma das propostas nesse plano que foi totalmente rejeitada foi a permissão ocidental para atacar a Rússia em profundidade com misseis de longo alcance norte-americanos ou com componentes Made in USA, o que representa a necessidade de uma autorização de Washington.
E a outra era colocar tropas dos países da NATO na Ucrânia, directamente ou indirectamente alvejando a partir do exterior os misseis e drones lançados pela Rússia sobre território ucraniano, que seria fazer uma ligação directa à II Guerra Mundial.
E é este cenário que Vladimir Putin coloca em pano de fundo para as suas mais recentes declarações, que são, tanto desafiadoras como uma porta entreaberta para negociações com o ocidente, especialmente os EUA, ao afirmar que "todos os objectivos" miliares na Ucrânia vão ser alcançados.
E o que Putin entende por objectivos, entre os mais relevantes, estão a garantia de que a Ucrânia não entra na NATO, a desmilitarização do regime de Zelensky, a limpeza dos elementos nazis que o integram, a saída das tropas ucranianas do que resta das províncias enxadas ainda fora do controlo de Moscovo e a garantia dos direitos e liberdades civis dos cidadãos russófilos da Ucrânia que restar, como o uso da língua da sua cultura.
Em contraponto a esta lista exigente de objectivos, Volodymyr Zelensky tem insistido que a sua lista para a vitória ser clara compreende a saída de todos os soldados russos das regiões dentro das fronteiras ucranianas reconhecidas após a independência da então URSS, em 1991, que inclui, além das quatro referidas em cima, ainda a Crimeia, anexada por Moscovo em 2014.
A par do objectivos sublinhados, Putin conta ainda a seu favor com uma situação no campo de batalha totalmente favorável, com as forças ucranianas em clara perda de territórios e de capacidade combativa, situação que ganhou maior densidade com a redução dramática dos apoios ocidentais, quer em dinheiro ou em armamento.
O que permite, por outro lado, que é uma possibilidade já enunciada por alguns analistas, a Zelensky, quando a derrota total for iminente, vir a terreiro afirmar que tal cenário é resultado dos compromissos falhados pelos aliados ocidentais.
Isto, porque, em Março/Abril de 2022, logo após a invasão russa da Ucrânia, Kiev e Moscovo estavam a negociar uma saída pacífica para o conflito, em Istambul, com intermediação de Recep Erdogan, o Presidente turco.
Processo negocial que foi implodido pelo então primeiro-ministro britânico, o histriónico Boris Johnson, respaldado pelos norte-americanos, que irrompeu em Kiev obrigando Zelensky a sair da mesa das negociações com os russos, prometendo-lhe apoio financeiro e militar sem limites e a entrada acelerada na NATO e na União Europeia.
Agora, quando nem o país entrou na NATO, nem parece haver forma de tal suceder no horizonte temporal visível, o mesmo para a União Europeia, e o apoio militar está reduzido a mínimos, tal como o financeiro, Zelensky poderá, com propriedade, acusar os seus aliados ocidentais de estarem por detrás do colapso da capacidade de resistência militar da Ucrânia.
Facto que Putin não ignora e procura incentivar quando diz que "a verdade está do lado da Federação Russa" e "todos os objectivos traçados serão alcançados", derrotando os objectivos ocidentais que "fizeram da Ucrânia a sua colónia", ou pior, "uma mera base militar para dali atacarem a Rússia".
E continuou avisando que Moscovo luta "pela sua segurança, pelo seu futuro de prosperidade para os seus filhos e netos", numa referência evidente ao que normalmente chama de "ameaça existencial" que o Ocidente representa na Ucrânia.
Um dos argumentos mais usados pelos analistas pró-russos, e que começa a ser igualmente visto como razoável por outros mais alinhados com o Ocidente, é que se a Rússia tivesse o mesmo tipo de presença militar robusta nas fronteiras dos Estados Unidos da América, a reacção de Washington seria mais severa que a que a Rússia está a ter.
Basta pensar, como enfatizam algumas figuras da nomenclatura russa, o que faria Washington se a Rússia, ou a China, tivessem, hipoteticamente, bases militares nas fronteiras dos EUA, como no México ou no Canadá, e se ali estivessem a decorrer exercícios militares de grande envergadura como estão a decorrer actualmente junto às fronteiras da Rússia, nos países bálticos.
Mas Putin deu ainda largueza às acusações atiradas contra o Ocidente neste vídeo, lembrando que a Rússia procurou resolver os seus problemas com a Ucrânia de forma pacífica, mas encontrou do outro lado "um negociador que estava de má fé".
"Todos sabem como essas negociações terminaram, com mentiras, fraude e ardis por parte das elites ocidentais que fizeram desde então da Ucrânia uma colónia", atirou Putin, alegando ainda que o fizeram fornecendo armas, mercenários, conselheiros militares... forçando os ucranianos a mostrarem ódio a tudo o que é russo" ao mesmo tempo que os usam "como carne para canhão".
A esta retórica de Putin, que não é uma novidade, da parte do Ocidente, tem-se insistido que os russos invadiram um país soberano sem razão e que todos os esforços de ajuda a Kiev resumem-se à defesa dos valores ocidentais, como sejam a democracia e a liberdade.
Zelensky, por seu lado, com alguns momentos em que parece querer negociar com Moscovo, como quando diz que quer a Rússia na próxima Cimeira de Paz, ou quando pede à China que intervenha junto de Putin para o conduzir à mesa das negociações sem argumentos rígidos, tem reafirmado que não vai ceder nem um milímetro das fronteiras ucranianas reconhecidas pela comunidade internacional em 1991.
Fez aprovar um decreto, que se mantém activo, em como está proibido de negociar com Putin, quer os dirigentes russos julgados em tribunais internacionais, exige que Moscovo pague a reconstrução do país e a saída até ao último soldado de todo o território ucraniano.