A agenda do Presidente ucraniano tem dezenas de entradas mas a mais importante não está escrita em nenhuma das suas folhas oficiais, porque Volodymyr Zelensky tem perfeita consciência de que a guerra na frente não podia estar a correr pior e só a entrada dos EUA no conflito pode mudar o desfecho ruinoso que se aproxima para as aspirações ucranianas.

Com cada vez mais media ocidentais, claramente aliados de Kiev, como The New York Times, Financial Times, London Times ou mesmo a Reuters, a publicar artigos onde questionam até quando Kiev poderá resistir à superioridade militar russa, Zelensky tem nesta ida aos EUA o canto do cisne da sua estratégia.

Estratégia essa que está plasmada no seu muito referido nos media ocidentais, mas ainda por conhecer com clareza, "Plano de Vitória", com o qual Volodymyr Zelensky pretende convencer os seus aliados ocidentais, especialmente os EUA, porque, ao que tudo indica, o Reino Unido está disponível para todos os cenários, a dar um passo decisivo na escalada do conflito.

E em cima da mesa está a já pública demanda de Kiev por uma autorização de Washington, Londres e Paris para poder usar os misseis de longo alcance, os balístico norte-americanos ATACMS, e os franco-britânicos Storm Shadow/SCALP-G.

Embora não se conheça ao detalhe o "Plano de Vitória" que Zelensky vai, por estas horas, apresentar ao Presidente Joe Biden, sabe-se que este item consta do corpo principal das propostas ali inseridas, o que é o mesmo que dizer que os EUA/NATO entram em confronto directo com a Federação Russa numa caminhada absurda para a III Guerra Mundial.

Como notou já por diversas ocasiões o analista militar major-general Agostinho Costa, as iniciativas do Presidente ucraniano denotam cada vez mais que a sua aposta de fundo é o envolvimento da NATO no confronto directo com a Rússia, mesmo que isso tenha os condimentos necessários para que tudo termine num Armagedão nuclear.

Isto, porque, recorde-se, como o Novo Jornal tem noticiado, pouco depois da invasão russa da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022, que levou à actual fase do conflito que começou em 2014, com o golpe de Estado em Kiev, apoiado pelos EUA, que depôs o Presidente pró-russo Viktor Yanukovych, os Presidentes Joe Biden e Vladimir Putin afirmaram que um confronto directo entre EUA e Rússia escalaria inevitavelmente para a III Guerra Mundial, onde seria impossível evitar uma catástrofe nuclear global.

Para já, embora seja ainda cedo para se saber ao certo o que se passou, Washington negou a Zelensky qualquer autorização para uso dos misseis de longo alcance ocidentais, que abrange ainda os britânicos e franceses porque estes usam componentes norte-americanos.

Esta negação do pedido excruciante de Zelensky foi, aparentemente, resultado do aviso público directo feito pelo chefe do Kremlin que, numa entrevista a um canal de TV russo, avisou que tal autorização resultaria para Moscovo numa "declaração de guerra" da NATO à Rússia.

E deixou claro que o Kremlin não está a fazer bluff quando avisa que a resposta de Moscovo será à altura e sem limites fronteiriços, tendo mesmo os russos afirmado, quando era Londres a liderar este dossier, que até o território do Reino Unido estaria na mira das ogivas russas.

A par dos encontros na Casa Branca, ou com Biden em Nova Iorque, Zelensky vai ainda reunir com a vice-Presidente e actual candidata Democrata às eleições de 05 de Novembro, Kamala Harris, e ainda com o Republicano Donald Trump, que já disse que se ganhar as eleições acabará com a guerra em 24 horas...

Sobre o complexo relacionamento de Zelensky com Trump, nas mais recentes declarações que o líder ucraniano fez sobre as opções do antigo Presidente dos EUA, em nada terá ajudado a reduzir a desconfiança entre ambos, porque este acusou a sua escolha para vice-Presidente, J.D.Vince, como sendo "muito radical", atacando assim a falta de sensatez daquele que pode, a partir de Janeiro, ser o próximo inquilino da Casa Branca.

É nesta frente diplomática que Volodymyr Zelensky está a apostar todas as suas fichas, depois de, como referido, serem cada vez mais analistas pró-ucranianos, e media ocidentais que apoiam Kiev desde a primeira hora, a referir com cada mais persistência, que, no terreno, a Ucrânia está à beira do colapso militar.

Esta ideia generalizada foi crescendo com maior intensidade a partir do momento em que ficou claro, pelos dados revelados no terreno por bloggers de guerra de um e do outro lado da trincheira, que a incursão ucraniana na região russa de Kursk se revelou um fracasso total com perdas humanas e matérias que Kiev não tem como repor nas actuais circunstâncias.

Este cenário de grande fragilidade ucraniana foi relativamente diluído com as recentes explosões, com uso de drones, ou de misseis ocidentais, ainda não está apurado ao certo, de dois gigantescos arsenais russos de misseis e outros projecteis e munições nas regiões de TVER, noroeste de Moscovo, e Briansk, igualmente no oeste russo.

E é também face a esta situação periclitante que em Moscovo os media russos começam a insistir que levou o chefe do regime ucraniano a optar pela escalada na guerra, sendo prova disso mesmo a invasão de Kursk, e também a hipótese de terem sido usados misseis ocidentais nos recentes ataques aos arsenais russos sem as respectivas autorizações.

O que faz, tudo somado, este momento ser de grande interesse e potencialmente definidor dos termos em que esta guerra vai terminar, porque se vai conhecer ao detalhe o "Plano de Vitória" de Kiev, que era até há pouco tempo conhecido como "Plano de Paz de Zelensky".

Vários analistas defendem que o conteúdo deste plano não está efectivamente definido, embora Kiev tenha anunciado que sim, que já estava consolidado, porque a dependência do for a resposta de Washington é de tal monta que Zelensky terá de o alterar em função disso momento a momento.

O que é evidente, para já, é o que Zelensky pretende conseguir, e isso é obter não apenas a autorização do uso das armas de longo alcance ocidentais para atacar alvos no interior profundo da Rússia, porque não iria alterar grande coisa no contexto do conflito, mas sim levar os países ocidentais, ou a NATO como um todo, a enviar soldados para a Ucrânia.

E isso seria feito, segundo o "esboço" inicial do plano do Presidente ucraniano, com a adesão acelerada da Ucrânia na NATO, mesmo contra os seus estatutos, que impedem a entrada de países em guerra, o que obrigaria a organização liderada pelos EUA a entrar na guerra ao abrigo do famoso Artigo 5º, que é, em suma, a obrigação de serem um por todos e todos por um.

Além dos encontros com Biden, Harris e Trump, Zelensky tem ainda em Nova Iorque uma derradeira oportunidade de convencer o "mundo" ao dirigir-se pessoalmente à Assembleia-Geral da ONU, na terça-feira, 24, e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no mesmo dia.

E o que vai dizer em ambos os locais não será muito diferente do que tem dito nas várias entrevistas que deu antes de viajar para Nova Iorque, desdobrando-se em algumas contradições, dizendo ao mesmo tempo que quer a paz com a Rússia definida numa conferência de paz onde Moscovo estará, e que a paz só será possível se o Ocidente apoiar Kiev para ganhar vantagem no tereno que lhe permita chegar à mesa das negociações em vantagem sobre o Kremlin.

Mas o derradeiro recado foi, já nas últimas horas, antes de se voltar a apresentar nas Nações Unidas, dado através de uma entrevista à revista The New Yorker, onde afastou qualquer possibilidade de paz "às custas da Ucrânia", que é como quem diz, nem pensar em ceder territórios a Moscovo.

O que pode fazer voltar tudo à estaca zero, até porque, nas últimas observações feitas pelo Kremlin, através do porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, a proposta feita há meses pelo Presidente russo, de que a paz seria possível se Kiev retirasse todos os seus militares das regiões anexadas por Moscovo em 2022, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, porque a Crimeia, anexada em 2014, nem sequer deve ser referida neste contexto, já não está em cima da mesa.

A resposta de Kiev, segundo o Kremlin, foi uma escalada perigosa no conflito, com a invasão de Kursk, o que deixa à Rússia como única opção manter a toada militar que é, já admitida por analistas pró-russos e pró-ucranianos, vitoriosa.

Este momento é, provavelmente, o mais relevante de todos os momentos em que, ao longo de quase três anos de guerra, se falou de paz, porque o "Plano de Vitória" do Presidente ucraniano não tem apenas prazo de validade, que é o calendário eleitoral norte-americano, tem ainda em pano de fundo o cansaço global desta guerra, especialmente nas sociedades europeias, onde os graves problemas económicos e políticos em França e na Alemanha podem ditar os detalhes da "vontade" ucraniana.