A demonstração da fragilidade ucraniana, que já tinha sido indiciada claramente pelas acusações mútuas sobre responsabilidades entre o CEMGFA, general Oleksandr Sirsky, e pelo chefe da intelligentsia militar, general Kirylo Budanov, foi agora ainda mais evidenciada pelo próprio Presidente ucraniano.

Volodymyr Zelensky, que nos seus vídeos tem admitido essas mesmas dificuldades, acaba de anunciar a suspensão/anulação da visita de Estado para esta semana a Espanha e a Portugal para estar no país num dos momentos mais complicados na frente de batalha em mais de dois anos de guerra.

Esta situação, que já vinha a ser vista nas frentes leste e sul, com avanços russos diários, ficou agora muito perto da insustentabilidade depois da abertura da frente norte, na região de Kharkiv, onde as forças russas estão praticamente sem oposição.

Isto, apesar de há largos meses se estar a falar, nos media internacionais e nos canais sobre a guerra nas redes sociais, pró-russos e pró-ucranianos, da preparação de uma grande ofensiva russa naquela zona da fronteira russo-ucraniana.

A razão para esta surpreendente falta de capacidade de resposta ucraniana não é ainda totalmente clara, mas há um facto que sobressai: a falta de homens e mulheres para engrossar as fileiras ucranianas.

E isso está a obrigar as chefias militares ucranianas a retirar soldados das brigadas que estão nas frentes sul e leste, fragilizando estas suas linhas defensivas, onde os russos estão igualmente a forçar o caminho, para tapar brechas em Kharkiv.

Mas, nas últimas horas surgiu outra tese, que pode revelar-se, se se confirmar, o desastre absoluto do regime de Zelensky, que é o facto de Kiev ter anunciado grandes esforços para construir fortificações defensivas junto à fronteira russa em Kharkiv que, afinal, não existem.

O que faz surgir suspeitas de que o dinheiro alocado pelo Governo para esses projectos foi desviado e disperso pelas bem conhecidas teias de corrupção que cobrem o Estado ucraniano e que o próprio Presidente admite ser uma realidade que procura por todos os meios combater enquanto urgência para completar o processo de adesão à União Europeia.

Apesar destes dados, como é natural, não terem confirmações oficiais, embora os media ocidentais estejam agora sobejamente mais atentos ao fenómeno que nos dois primeiros anos de conflito pós- 24 de Fevereiro de 2022, a fragilidade militar ucraniana, essa sim, é por todos reconhecida, desde Budanov a Zelensky, passando por SIrsky e até os seus aliados da NATO.

Tal como não é ainda evidente se a abertura da frente de Kharkiv e a possibilidade que está a ser discutida pelos bloggers de guerra pró-russos e pró-ucranianos, é uma bem sucedida manobra de distracção militar ou uma ofensiva planeada para aproveitar a conhecida fragilidade das forças ucranianas.

Isto, porque, bem mais grave que a falta de armamento, como os sistemas de defesa antiaérea, a Ucrânia atravessa uma grande falta de militares nas trincheiras, porque são milhares as fugas à mobilização, o que leva a que a idade média dos militares seja de 43 anos, como Kiev confirma.

Mas há outra possibilidade que está a emergir do campo de batalha, que é a Rússia estar a avançar em Kharkiv, ocupando ali dezenas de localidades, de forma a criar um "portfolio" de moedas de troca para negociar quando chegar o momento de um cessar-fogo e um acordo de paz com o qual todas, ou quase todas, as guerras sempre terminam.

E essa possibilidade ganhou agora nova sustentabilidade com o Presidente russo, Vladimir Putin, a regressar à ideia de que a paz está ao virar da esquina e, para isso, basta os ucranianos assim o quererem.

Como o revela hoje o site da russa RT, Moscovo quer "uma paz sustentável" com Kiev, desde que os ucranianos queiram sentar-se à mesa sob a égide da estabilidade global e focando a questão da segurança multilateral.

Numa entrevista à agência chinesa Xinhua, a horas de partir para Pequim, numa importante, e quiçá vital visita de Estado, que pode redesenhar o mapa desta guerra, Putin relembrou a iniciativa chinesa, ou plano de paz de Pequim, como "um genuíno desejo" de estabilização da região.

E esse plano chinês, ao contrário do de Zelesky, apela a que os interesses de ambos os contendores sejam considerados nas negociações que se seguirão a um cessar-fogo, nomeadamente a questão da soberania, a questão da segurança global e da anulação das ameaças existenciais.

O que, segundo Putin, nem Kiev nem os seus aliados ocidentais suportam esta visão, onde os interesses mútuos se sobrepõem aos interesses individuais.

"Nós estamos à procura de uma abrangente e sustentável saída para este conflito através de meios pacíficos. Estamos abertos ao diálogo com Kiev, mas tais negociações têm de ter em conta os interesses de todos os países envolvidos no conflito, incluindo a Rússia".

Vai Kiev aproveitar esta mão estendida de Putin, quando a Ucrânia está em evidentes dificuldades na linha da frente e onde é já claro que dificilmente as novas remessas de armas ocidentais poderão resolver o problema da falta de mão-de-obra para as trincheiras?

A resposta não é fácil, mas sabendo-se que se aproxima a data da conferência de paz na Suíça, para onde os russos não foram convidados, e a China já disse não fazer sentido discutir propostas de paz sem uma das partes envolvidas presentes, pode abrir-se agora uma possibilidade de inclusão forçada pelas fragilidades de Kiev no decurso dos combates.