No domínio, "duas uniões, uma visão conjunta", entende-se como objectivo da visão a consolidação de uma renovada parceria para a solidariedade, segurança, paz e desenvolvimento económico sustentado e sustentável e prosperidade para os cidadãos dos Estados-membros das duas uniões e para as gerações futuras, juntando povos, regiões e organizações. Releva-se que a parceria basear-se-á na geografia, no reconhecimento da história, nos laços humanos, no respeito pela soberania, no respeito e responsabilidade mútuos, nos valores partilhados, na igualdade entre parceiros e nos compromissos recíprocos. E a pretensão é que a visão se constitua na força motriz da promoção das prioridades comuns, valores partilhados, direito internacional e da preservação conjunta dos interesses e bens públicos comuns, o que inclui, entre outros: a segurança e prosperidade dos cidadãos, o respeito pelos princípios democráticos, a boa governação e o Estado de direito, acções para preservar o clima, o ambiente e a biodiversidade, o crescimento económico sustentável e inclusivo, a luta contra as desigualdades, apoio aos direitos das crianças e à inclusão social.
Ora, ante um quadro em que, por um lado, alguns Estados membros da UE tendem a interferir nos assuntos internos de Estados membros da UA - inclusive com apoio a mudanças de regime por meios não democráticos - e, por outro lado, de entre os 55 Estados Membros da UA apenas 11 podem ser consideradas democracias, torna-se questionável que a visão assente no respeito pela soberania e pelos princípios democráticos, na boa governação e no Estado de direito. E esse questionamento se estende também ao entendimento que, no domínio da "cooperação renovada e reforçada para a paz e segurança", como resposta aos crescentes desafios comuns de segurança, a cooperação se baseie no princípio das soluções africanas para os problemas africanos.
Relativamente ao domínio da "parceria renovada", relevaram-se as oportunidades e desafios imediatos, como as possibilidades a longo prazo oferecidas pela mesma. Porque a cimeira na qual a visão foi estabelecida decorreu no período da pandemia da COVID-19, o desafio imediato identificado foi o de assegurar o acesso justo e equitativo às vacinas, o que se traduziu no compromisso da UE fornecer pelo menos 450 milhões de doses de vacina à África. Em termos de longo prazo, a UE ficou de apoiar a plena soberania africana em saúde, para que o continente possa responder a futuras emergências de saúde pública. Por outro lado, relevou-se o apoio a um "Quadro Comum para o Tratamento da Dívida" para além da "Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida", assim como se apelou também a contribuições voluntárias ambiciosas, canalizando-se parte dos Direitos Especiais de Saque (DES) do Fundo Monetário Internacional (FMI) então atribuídos, para alcançar a ambição global total de pelo menos 100 mil milhões de dólares de apoio à liquidez para os países mais necessitados, como são os africanos. Combater os Fluxos Financeiros Ilícitos (FFI), resolver o problema da erosão da base tributária interna e transferência de lucros pelas multinacionais (BEPS), assim como a cooperação na transparência da tributação são outros dos compromissos estabelecidos. Neste sentido, concordou-se em continuar a cooperar para desenvolver e consolidar a capacidade estratégica na luta contra diferentes tipos de FFI, incluindo branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, bem como aqueles ligados a sistemas de governação fiscal e devolução de fundos e bens roubados de países de origem.
No domínio da "prosperidade e sustentabilidade da África e da Europa", fora anunciado um Pacote de Investimento África-Europa de pelo menos 150 mil milhões de euros para apoiar a ambição comum para 2030 e a Agenda 2063 da UA, composta pacotes de Investimento, de Saúde e de Educação. O Pacote de Investimento ajudaria a construir economias mais diversificadas, inclusivas, sustentáveis e resilientes, os dois continentes demonstrando e partilhando com o resto do mundo o sucesso de uma agenda de prosperidade respeitadora dos respectivos povos e do nosso planeta. Designado Global Gateway, esse pacote de investimento visaria impulsionar o investimento público e privado em larga escala, baseando-se em iniciativas e parcerias já existentes e tendo em conta as prioridades e necessidades dos países africanos, o que apoiaria a industrialização e o desenvolvimento de cadeias de valor e abastecimento sustentáveis e resilientes. O Pacote seria complementado com pacotes específicos em apoio aos sistemas de saúde e educação, abarcando o apoio a iniciativas de preparação para pandemias, segurança em saúde e acesso equitativo a serviços essenciais de saúde de qualidade, assim como o investimento numa educação inclusiva e equitativa de qualidade, melhorando os quadros políticos e legais, o acesso e a formação de professores, para contribuir para a prestação segura dos serviços educativos e garantir que as lacunas de aprendizagem resultantes da pandemia sejam colmatadas, respectivamente. Ficou-se também de impulsionar a integração económica regional e continental, particularmente através da Área de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA).
No que diz respeito à "cooperação renovada e reforçada para a paz e segurança" ora referida, contemplou-se também o fomento da cooperação através da formação adequada, reforço de capacidades e equipamento, para fortalecer e ampliar as operações autónomas de paz das forças de defesa e segurança africanas, incluindo através de missões e medidas de assistência da UE, bem como apoio ao reforço de capacidades das forças de segurança.
Como se pode perceber, na concretização da "Visão Conjunta para 2030", não há a "igualdade de parceiros" referida como base no domínio "duas uniões, uma visão conjunta", pois fica evidente que a UA apresenta-se demasiado dependente da UE. Assim é que, para além de já ter dependido da UE, entre 2022 e 2023, para o acesso a vacinas, os Estados-Membros da UA estarão dependentes da UE para, por exemplo: alcançar a soberania no domínio da saúde; reduzir a pressão sobre a tesouraria pública do endividamento externo, melhorar a arrecadação fiscal e aceder a financiamentos externos; investimento em infraestruturas, na industrialização e desenvolvimento de cadeias de valor, na saúde e na educação; e capacitação e equipamento das forças de defesa e segurança. Além disso, grande parte dos países africanos tem instituições políticas e económicas tendencialmente extractivas, de tal modo as suas acções e as correspondentes despesas públicas financiadas com os recursos da arrecadação própria e do endividamento que tem conseguido, não tem assegurado, inter alia: o crescimento económico sustentável e inclusivo; a luta contra as desigualdades, apoio aos direitos das crianças e à inclusão de mulheres, jovens e os mais desfavorecidos; a melhoria da arrecadação fiscal com o alargamento da base tributária e o combate à evasão fiscal; a prevenção do branqueamento de capitais; e o investimento público eficiente e eficaz nas infraestruturas, na saúde e na educação.
Por outro lado, a pretensão de que, no âmbito da visão, se impulsione a AfCFTA, esbarra no facto de que sequer a nível subregional os países africanos têm conseguido concretizar Zonas de Livre Comércio, o que impede a evolução sucessiva e subsequente das mesmas para União Aduaneira, Mercado Comum, União Monetária e, eventualmente, Moeda Única. Por exemplo, no caso de Angola, é sintomático que sequer consegue um comércio transfronteiriço fluído com a vizinha República Democrática do Congo e só no corrente ano de 2025 fez a oferta de desarmamento pautal para a Zona de Comércio Livre da SADC, esta que, entretanto, fora lançada em 2008.
Então, a UA deveria é engajar-se sobretudo num trabalho de casa que assegure a sua rápida emancipação, sob o risco de, ao viver de handouts - seja da UE seja de qualquer outra entidade - ficar sujeito a condicionalismos do que quer seja a sua vontade. Tal trabalho de casa envolve, fundamentalmente: assegurar que os seus Estados-membros sejam democracias e Estados de direito; e a promoção da presença dos factores determinantes do crescimento económico sustentado, sejam os políticos e institucionais (estabilidade política e instituições que assegurem: a garantia dos direitos políticos e civis, a garantia dos direitos de propriedade, a existência de uma imprensa livre, a liberdade económica e uma administração pública eficiente, eficaz e não corrupta), quanto os estruturais, de política económica e económicos (capital humano, infraestruturas funcionais, estabilidade macroeconómica, políticas económicas adequadas e investimento privado).
De resto, o engajamento com a UE deveria basear-se sobretudo no conteúdo da visão no domínio do "compromisso com o multilateralismo", nomeadamente a promoção do "multilateralismo eficaz dentro da ordem internacional baseada em regras, com a ONU no seu centro", de modo a "reduzir-se as desigualdades globais, fortalecer a solidariedade, promover a cooperação internacional, combater e mitigar as alterações climáticas e melhorar a prestação de "bens públicos globais", em linha com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2063 da UA". A concretização desse desiderato asseguraria uma ordem mundial mais justa, de modo que as instituições multilaterais existentes reganhariam relevância. Como contrapeso, a UA deve buscar também alternativas em face do mundo cada vez mais multipolar e policêntrico.
Por outro lado, a UA deveria buscar também da UE que os seus Estados-membros deixem de constituir domicílios de fundos roubados dos países africanos via corrupção, assim como garantir o retorno dos que lá se achem.
* Com base na "6th European Union - African Union Summit: A Joint Vision for 2030" (cf. em: ttps://www.consilium.europa.eu/media/54412/final_declaration-en.pdf).
*Economista

