Depois dos protestos de organizações de defesa dos direitos humanos e de um pedido junto do TEDH para impedir o vôo, o objectivo foi conseguido porque os juízes europeus entenderam que estavam em causa riscos concretos de danos irreparáveis para as pessoas despachadas de Londres para Kigali por serem requerentes de asilo no Reino Unido.

Apesar de um registo pouco brilhante na recepção aos mais de 130 mil refugiados que se encontram actualmente no Ruanda, na maioria oriundos dos vizinhos Congo-Democrático e Uganda, e do igualmente pouco aconselhável registo do regime de Paul Kagame no trato dos seus opositores políticos e dos elementos das organizações da sociedade civil que defendem direitos cívicos, o Governo de Kigali diz-se, apesar deste contratempo, empenhado em cumprir o acordo com o Governo de Boris Johnson.

Este acordo, assinado em Abril deste ano, determina o pagamento por parte do Reino Unido de 150 milhões de dólares ao Ruanda por um período de cinco ano e uma quantia entre que pode ir até aos 20 mil dólares por cada indivíduo acolhido oriundo do sistema de processamento dos requerimentos de asilo político.

Em contrapartida, Kigali recebe estas pessoas e abre a cada uma delas um processo de requerimento de asilo no Ruanda em acordo com a lei ruandesa e não com a britânica, mas sempre com a possibilidade de devolver aos seus países de origem todos aqueles, independentemente de serem nacionais de países em guerra ou onde existe perigo de vida por razões de natureza politica e social, que não cumpram os requisitos legais para poderem permanecer no país africano.

O que a maioria das ONG"s usam como argumento é que o Ruanda não possui um sistema legal forte suficiente para garantir os direitos daqueles que procuraram asilo por razões políticas e as instituições não são suficientemente robustas para garantir a eficácia de eventuais recursos, porque o próprio Ruanda não tem folha limpa segundo os padrões internacionais no trato dos seus activistas políticos e sociais.

Apesar deste revés, o Ruanda, país com perto de 13 milhões de habitantes, um dos que apresenta maior densidade populacional em todo o mundo, com apenas 26 mil kms2, cerca de um terço do tamanho de um país como Portugal, e a debater-se com sérias dificuldades por causa da sua evidente sobrepopulação, já veio, depois de se saber que o voo tinha sido cancelado por determinação judicial, que se mantém empenhado em cumprir o acordo com Londres que abrange até 30 mil pessoas.

"Não estamos desencorajados pelo cancelamento deste voo e continuamos claramente empenhados em dar-lhe total cumprimento", disse, citado pela AFP, a porta-voz do Executivo de Paul Kagame, Yolande Makolo.

Um dos argumentos usados por Makolo é que o Ruanda está, com a assinatura deste acordo com o Reino Unido, a contribuir para que as "terríveis e letais" travessias clandestinas continuem a gerar "sofrimento incomensurável" para tanta gente, mantendo-se o país "pronto para acolher os migrantes assim que chegarem".

Esta responsável sublinhou ainda que este acordo entre o Ruanda e o Reino Unido é "inovador em muitos aspectos" e constitui uma "resposta eficaz a um sistema global de asilo em colapso" e sem saídas que se vejam no horizonte".

"Digam o que disseram de nós, o Ruanda está neste processo como uma parte interessada em ajudar a resolver um problema global", acrescentou.

Os argumentos usados pelo Governo britânico do conservador Boris Johnson é que o Reino Unido não tem mais capacidade para acolher os milhares de requerentes de asilo que anualmente chegam às suas fronteiras provenientes, na maior parte, da Europa continental, onde chegam oriundos de países africanos, especialmente das suas antigas colónias, e da Ásia, como o Paquistão, Afeganistão, Bangladesh, Iraque...

Este acordo, que deixou em pânico milhares de requerentes de asilo, foi pungentemente criticado pelos líderes religiosos do Reino Unido e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e alvo de um conjunto de processos judiciais abertos pelas ONG"s ligadas à defesa dos Direitos Humanos no país e no TEDH, tendo este último decidido a favor dos migrantes impedindo, no último minuto, a saída do aviões que levaria de Londres para Kigali o primeiro grupo de pessoas expulsas através deste legalmente duvidoso e social e politicamente insustentável acordo com o regime de Paul Kagame.

Recorde-se que o Ruanda, apesar de se tratar de um dos países da linha da frente do desenvolvimento mais acelerado em África, com níveis de bem-estar social inigualáveis no continente, com uma economia robusta e centrada, em parte, nas novas tecnologias, o seu "cadastro", no que toca aos Direitos Humanos e aos direitos políticos, deixa muito a desejar e há mesmo evidências de perseguições e atropelos graves à lei e ao que é a norma internacional, além de estar a confrontar-se no presente com um diferendo grave com a vizinha República Democrática do Congo que pode ter consequências trágicas no futuro breve.

Alias, a tensão entre os dois vizinhos na Região dos Grandes Lagos é de tal modo grave que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, esteve na terça-feira ao telefone com o Presidente angolano e líder da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), João Lourenço, para abordar este tema e ajudar a desenhar um pano de acção que permita reduzir a tensão no imediato e, de seguida, acabar com a fonte do problema que é a acção violenta dos guerrilheiros do Movimento 23 de Março (M23) no leste congolês e que Kinshasa diz que tem o apoio claro do Governo ruandês.