Na linha da frente da vaga externa de contestação aos resultados, que o Governo venezuelano diz estar a ser liderada pelos Estados Unidos, estão, com especial vigor, alguns países sul-americanos, como a Argentina, o Peru ou o Uruguai.

Para lidar com esta situação, em Caracas, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Yvan Gil, não esteve com meias medidas e anunciou a expulsão da Venezuela dos diplomatas da Argentina, do Chile, do Peru, da Costa Rica, do Uruguai, do Panamá... "com efeito imediato".

Mas o que se percebe de imediato também é que nesta lista de expulsões não está nenhum país ocidental, o que é especialmente relevante porque é na Europa e nos EUA que está concentrada a mais sonora contestação aos resultados eleitorais venezuelanos.

Entretanto, nas ruas de Caracas e das grandes cidades do país, milhares de pessoas saíram em protesto contra aquilo a que dizem ser a "fraude sem limites" que permitiu a Maduro declarar-se vencedor com 51,2% dos votos.

Algumas organizações locais falam mesmo de alguns mortos (pelo menos quatro foram dados como confirmados) e dezenas de feridos que deram entrada nos hospitais de Caracas no decurso de protestos que, embora importantes, os observadores admitem estar muito aquém de outros que já tiveram lugar neste país.

A oposição está concentrada em torno da figura de Edmundo Gonzalez, de 76 anos, mas efectivamente liderada por Maria Corina Machado, de 56 anos, um famosa oposicionista aos regimes de Maduro e de Hugo Chaves, com fortes ligações aos corredores do poder em Washington, onde nunca escondeu ter parte substantiva do seu apoio na luta contra "a tirania" em Caracas.

Na Venezuela, os países ocidentais, inevitavelmente liderados pelos EUA, desde que Hugo Chaves iniciou em 1999 o actual regime "bolivariano", sempre tiveram uma figura em quem apostaram as fichas todas para o derrubar.

Até agora esse esforço para colocar um Governo mais flexível para Washington não deu os resultados efectivos esperados, como está a suceder agora com a dupla Gonzalez/Machado e foi assim também em 2019 com Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como Presidente da Venezuela por dezenas de países na Europa Ocidental e Américas.

Entre os analistas menos receptivos à bondade dos esforços ocidentais para mudar o regime em caracas, a razão para tal está na procura de aceder às reservas quase ilimitadas de petróleo venezuelanas, estimadas em mais de 300 mil milhões de barris, que permitiram aos EUA e Europa Ocidental livrar-se da dependência da energia do Médio Oriente e da Rússia.

Mas, para quem observa a situação política na Venezuela sob a perspectiva oficial de Washington e Bruxelas, a questão é diferente e a mudança de regime é urgente para levar a democracia a este país e combater a pobreza que tem vindo a crescer de forma substancial, levado milhões de pessoas a procurar melhores oportunidades na diáspora.

Até ao momento, manhã de terça-feira, 30, as autoridades venezuelanas não tinham aceitado mostrar as actas das mesas de voto como exigem os países ocidentais, porque isso exporia a fraude eleitoral e mostraria uma clara vitória de Edmundo Gonzalez.

Em Caracas, a este tipo de exigências, Nicolás Maduro, ao falar à imprensa após o anúncio dos resultados, disse que a Venezuela não se mete nos assuntos internos dos outros e exige o mesmo tratamento, dando como exemplo as dúvidas lançadas nos EUA nas eleições de 2020 pelo candidato derrotado, Donald Trump.

Entretanto, sobre a situação em Caracas, o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, já veio dizer, a partir de Tóquio, Japão, que os EUA "têm sérias preocupações sobre os resultados que não reflectem a vontade do povo venezuelano".

"É fundamental que cada voto seja contado de forma transparente e que as autoridades eleitorais rapidamente partilhem a informação com a oposição e observadores independentes sem atrasos, nomeadamente as actas eleitorais, porque a comunidade internacional está atenta e responderá de acordo", avisou Blinken.

Quando Blinken fala da comunidade internacional está a referir-se aos países ocidentais e alguns americanos, porque outros, como a China, a Federação Russa, Cuba, a Bolívia, Honduras, Nicarágua, Síria ou o Irão, já saudaram a vitória de Maduro e em Pequim o Governo chinês prometeu mesmo reforçar de forma ilimitada a parceria estratégica com Caracas para garantir um robusto desenvolvimento deste país.

Uma posição que está a gerar evidente incómodo em Caracas é a do vizinho Brasil, que tem sido, na vigência dos governos trabalhistas de Lula da Silva, embora exigente, um "advogado" de Maduro e que agora está a levantar algumas dúvidas ao não se pronunciar com clareza ao lado do reeleito Presidente venezuelano.

Entretanto, Maria Corina Machado, a de facto líder da oposição, ter vindo afirmar que o seu candidato, Edmundo Gonzales, que oficialmente conseguiu pouco mais de 44% dos votos, teve, efectivamente, "mais de 70% dos votos entrados nas urnas".

Esta disparidade na contagem de votos entre a Comissão Nacional Eleitoral da Venezuela e a oposição é, segundo afirmou Nicolás Maduro num discurso difundido pela televisão pública, a antecâmara de um "golpe de Estado em preparação".

"Nós já conhecemos este filme e desta vez não haverá qualquer tipo de fraqueza da nossa parte para com os golpistas e a lei venezuelana vai ser respeitada", apontou o reeleito Presidente da Venezuela.

Aparentemente sem indícios de poder sair de cena e aceitar os resultados, o candidato derrotado, Edmundo Gonzalez, leu mais uma página do "guião" para dizer que "todos sabem o que aconteceu".

"Eu falo de paz, conhecendo a verdade. E quero deixar claro ao povo venezuelano que a sua vontade expressa no Domingo pelo voto vai ser respeitada. Vamos garantir que desta vez a sua vontade será respeitada", lançou Gonzalez naquilo que pode muito bem ser o prenúncio de uma sequela do filme de terror que no passado recente foi visto nas ruas de Caracas, nma tela gigantesca de sangue e morte. (Ver links em baixo nesta página)