Constata-se que os rebeldes do M-23 estão a avançar mais rapidamente do que nas insurreições anteriores, durante a primeira e segunda guerra congolesas, com a regionalização do conflito na RDC a arrastar o perigo cada vez mais evidente de uma guerra multinacional naquela região.
Para já, os esforços continentais de mediação continuam a fracassar, tanto por parte dos dois blocos regionais, SADC e CEAC, como por parte da troika de líderes africanos recém-nomeada.
O M-23 continua a sua ofensiva, conquistando mais posições no Leste da RDC, controlando praticamente a totalidade dos 124 mil K2 da rica região mineral do Kivu, ameaçando Kisangani e Lubumbashi, grosso modo, uma área quatro vezes superior à do Rwanda, tido como uma das partes apoiantes dos rebeldes.
As FARDC não estão a oferecer resistência relevante aos ataques do M-23, há muitas deserções massivas, nem o aumento recente dos soldos dos militares pelo presidente Tshisekedi, nem a fanfarra da passeata militar ocorrida em Kinshasa, ou o julgamento de desertores servem para esconder o que todos sabemos: a estrutural fragilidade das forças castrenses congolesas e a crónica desorganização e corrupção das instituições de Estado, capturado por diversas máfias.
A presença assinalada das forcas do M-23, na região de Butembo e Bunia, levantou suspeitas de uma coordenação camuflada entre o M-23, Rwanda e Uganda, o que aliado ao facto de generais de topo e funcionários seniores ugandeses terem feito comentários favoráveis à causa e narrativa do M-23, um traço diferente da posição tomada quando o M-23 cercou Goma em 2012.
A presença de tropas ugandesas no território da RDC, assim como a aparente inesperada reunião do chefe de Estado-maior das forcas armadas ugandesas, filho de Museveni com Paul Kagame, em Kigali, adensam as nuvens de uma cabala regional para a repartição do Congo, com a cumplicidade mais ou menos aparente das potências ocidentais.
A troca de fogo entre o M-23 e tropas da SAMIDRC no assalto a Gome no passado mês de Janeiro, que conduziu a trágica e polémica morte de 20 soldados da RSA, Malawi e Tanzânia, fez aumentar as tensões regionais e fragilizaram a já dividida SADC.
Existe mais de 500 mil pessoas deslocadas da região de Kivu como consequência das recentes ofensivas do M-23, cerca de 7 milhões de deslocados no total, na RDC, a maioria das províncias do Leste, ocorreu mais de 3000 mortes segundo a ONU durante o ataque a Goma. Mas há estimativas superiores devido ao elevado grau de violência, risco de atrocidades massivas, massacres numa região marcada pela tradição predatória, tanto por parte dos rebeldes, como de
diferentes milícias e forcas governamentais. A ONU alerta ainda para o recrutamento de crianças, sequestros, raptos, assassinatos e violência sexual.
A Primeira e Segunda Guerras do Congo já resultaram na morte de 5.4 milhões de pessoas e custos económicos de mais de $11 mil milhões USD, ou seja, 29% do PIB na época
A pergunta de um milhão de dólares. Como o M-23 emergiu do quase desaparecimento em 2012 para a ressurreição em 2022, com vastos recursos em armamento, armas, munições, uniformes, organização, disciplina e experiencia militar?
Uma investigação de Junho de 2024 da ONU aponta o Rwanda e o Uganda como principais patrocinadores do M-23, acusação negada por ambos os países, mas evidenciada pelas demonstrações de capacidades de combate, comunicações, armamento, serviços de inteligência que sugerem apoio estatal consolidado.
O facto de o M-23 ter-se rapidamente expandido, o controlo de minas altamente lucrativas, incluindo a de Rubaya (a maior produtora de Colton) desde Maio de 2024, que produz 1,000 toneladas do mineral por ano, metade da produção total da RDC, assim como a exploração do ouro que serve de activo financeiro para os insurgentes, patenteia os desideratos económicos desta guerra.
Um relatório recente das Nações Unidas calcula em 800,00 USD por mês, as receitas obtidas pelo M-23 com as taxas impostas aos exploradores de minas e aos comerciantes, algo explica parcialmente a expansão militar dos rebeles nos últimos anos.
Até ao momento, as tentativas de mobilizar parceiros internacionais como a União Europeia para impor um bloqueio ao comércio destes minerais revelaram-se infrutíferas e os esforços da Igreja Católica congolesa que desenvolveu encontros de alto nível na RDC e na região para aproximar as partes esbarram com a posição de Félix Tshisekedi que reiterou não negociar com os rebeldes do M-23, mas, sim, directamente com Kagame.
Cenários
Os desenvolvimentos mais recentes no Leste da RDC e na região, em particular, os protagonizados pelo M-23 no terreno e os principais actores, ainda que múltiplos, permitem descortinar vários cenários. Outrossim, alguns indicadores emergem de debates no seio da sociedade civil e analistas, tanto a nível local - Kinshasa, Goma, Bukavu, Katanga, Kisangani, Uvira, Lubumbashi - como na África Austral e Oriental.
A constatação primeira que desenvolve no terreno aponta para a permanência e alargamento de facto do ponto de vista militar do controlo administrativo e político
do Kivu, no âmbito de uma estratégia que confere as ambições expansionistas rwandesas e a fragmentação, desagregação da RDC. O prolongamento deste status quo, independentemente da evolução do conflito, fortalece a eventual posição negocial do M-23 e as ambições de Kigali.
Num segundo cenário, podemos equacionar o alargamento à escala nacional da insurgência, replicando as guerras anteriores na RDC, que tendo iniciado no Leste, rapidamente se alastraram e atingiram Kinshasa. Nesse contexto, os protagonistas optariam por uma solução militar tout court. De resto, o líder rebelde já afirmou publicamente que o seu objectivo final seria tomar Kinshasa e mudar o governo, assumindo um poder sob a tutela da AFL e outros apoiantes.
Não está fora das equações, um terceiro cenário que aponta para a consolidação da regionalização do conflito, mais ou menos replicando o ocorrido na Segunda Guerra do Congo, quando as partes em conflito se posicionavam de um lado, o governo da RDC e seus aliados da SADC, e do outro, o Uganda e o Rwanda.
Sendo certo que todos estes cenários incluem elevados custos humanos, económicos e sociais, não parece que exista um caminho fácil para as soluções diplomáticas, apesar de, nas últimas semanas, alguns países ocidentais terem ameaçado Kigali com sanções. Por outro lado, o novo trio africano da mediação ainda está longe de obter resultados palpáveis entre os beligerantes e seus aliados.
Adivinha-se, pois um prolongamento e agravamento do conflito na RDC e suas dramáticas consequências de toda ordem, sendo as mais impactantes para Angola, as do fórum humanitário, económico e social, conhecidas que são a porosidade da nossa extensa fronteira com a RDC, a vasta e constante imigração ilegal, o crescente tráfico de toda a espécie, incluindo o de seres e órgãos humanos, o contrabando de combustíveis com alegadas conexões ou ligações ao abastecimento dos insurgentes.
Por tudo isso e todo o impacto regional, o conflito na RDC mereceria uma abordagem mais séria e continuada por parte das autoridades angolanas, requerendo mesmo um debate alargado a nível nacional. Até o momento, não são conhecidas as medidas políticas, administrativas ou outras que o governo angolano terá tomado para acautelar uma ulterior deterioração da situação na RDC.
Para a história africana, permanece a lição da saga congolesa, um país que, pela sua vasta dimensão e recursos, tem a triste sina de, desde o alvor da Independência, ser objecto do voraz apetite de potências neocoloniais e possuir governantes que além de não serem democraticamente legitimados, seguem o
arrepiante exemplo de tratar o Congo como propriedade privada, como fez o Rei Leopoldo II, da Bélgica, durante a colonização.