Nas condições económicas de Angola, não há como haver desporto de alto rendimento sem o suporte do Governo. Por isso, em nada me repugna que o Governo financie o desporto, mesmo a nível de clubes. O que não é razoável é este apoio destinar- se a um punhado de emblemas "eleitos". O ideal seria amparar todos, ou pelo menos os envolvidos em provas nacionais, ou não auxiliar nenhum. Apoiar uns e deixar outros "ao Deus dará" é igual a falsificar a verdade desportiva.
O modelo de financiamento do desporto em Angola foi decalcado dos antigos países socialistas do Leste da Europa. Portanto, foi desenhado para uma realidade que já não existe há três décadas, desde que o País adoptou a economia de mercado livre. Foi concebido para que empresas (geralmente públicas) com músculo financeiro bastante apoiassem o desporto. Foi graças a essa política, por exemplo, que, no andebol feminino dos escalões de formação, Luanda chegou a ter duas divisões. Empresas como a ERT, Bolama, BCR e outras estavam presentes em diversas competições. Outro exemplo é o do grande 1.º de Maio de Benguela, campeão nacional de futebol em 1983 e 1985.
Depois que a partir de 1992 a esmagadora maioria dos clubes foi entregue à sua sorte, iniciou-se um processo de macrocefalia do desporto nacional. Passou a existir um punhado de clubes que se batia pelos títulos e o resto era paisagem. Um golpe de vista rápido pelo palmarés dos campeonatos nacionais das mais diversas modalidades revela-nos que as coroas de campeão são disputadas por dois emblemas (1.º de Agosto e Petro-Atlético de Luanda) e, uma vez ou outra, um terceiro (Interclube) mete a foice em seara alheia. Em qualquer modalidade, quando há campeonato, sabe-se quase antecipadamente para onde cairá o título.
A hegemonia de 1.º de Agosto e Petro-Atlético de Luanda no desporto nacional deve-se às excepcionais condições de que dispõem, em resultado dos avultados recursos financeiros de que beneficiam. Se mais clubes tivessem o tipo de apoio de que os dois "grandes" beneficiam, seguramente o País teria um desporto muito mais pujante e condições de melhor competir a nível internacional. Atente-se ao exemplo de Kabuscorp FC e Recreativo do Libolo. Conseguiram durante algum tempo competir de igual para igual com os "grandes". Mas isto foi apenas enquanto os seus dirigentes tinham possibilidades de sustentar os respectivos clubes. Hoje, ambos são uma sombra de si mesmos...
Está claro que, nas condições económicas de Angola, o desporto só sobrevive com apoio governamental. Por isso, não seria sensato pedir que o apoio prestado ao Petro-Atlético de Luanda, 1.º de Agosto, Interclube e Sagrada Esperança seja retirado. O que se pede é que esse auxílio seja alargado a mais clubes, com base em critérios bem definidos. Com isso, até os "grandes" sairiam a ganhar, pois desfrutariam de uma competição equilibrada e suficientemente forte para lhes proporcionar "endurance" para as provas internacionais.
O que parece, porém, é que o caminho a ser seguido não é este. A julgar pela forma como o dossier 1.º de Agosto vem sendo (des)tratado pelas autoridades, pode-se inferir que muito provavelmente o desporto angolano perderá um "grande". Se isso acontecer, os estragos serão enormes, podendo abalar toda a estrutura do desporto nacional. Afinal, o "rubro-negro" é o maior investidor do desporto no País, movimentando milhares de atletas e funcionários, não só em Luanda como em outras províncias, principalmente Benguela.
Na verdade, qualquer problema que aconteça com os dois "grandes" afecta sobremaneira todo o desporto nacional. Tomemos como exemplo o caso do voleibol. O 1.º de Agosto retirou-se de todas as competições, alegando não ter condições financeiras para prosseguir, e o resultado é consabido. A modalidade praticamente morreu, porque uma prova em que não estejam os dois maiores emblemas desportivos a competir, vale muito pouco.
Mas a factura mais pesada a pagar com um eventual enfraquecimento do 1.º de Agosto será no andebol. O clube terá de desmobilizar centenas de atletas, quase todos esteios das respectivas famílias. Além do prejuízo na vertente desportiva, haverá também aqui sérios danos na componente social. É que não há clubes bastantes para acolher o grande número de jogadores e técnicos que eventualmente venha a sair do clube "rubro-negro", além de que será muita gente a ir para o desemprego. O custo social será incomensurável.
Não é segredo para ninguém que é da quantidade que se retira qualidade. Ou seja, há mais possibilidades de se formar uma boa equipa a partir de uma peneira de mil garotos que de uma de 250. Isto quer dizer que, se o 1.º de Agosto for obrigado a se desfazer dos seus centros de formação, no médio prazo Angola pode perder a hegemonia no continente africano. Isto porque o número de praticantes da modalidade baixaria consideravelmente. E desse modo, baixaria também a base de recrutamento de jogadoras para as distintas Selecções Nacionais. Consequentemente, as possibilidades de a qualidade das Selecções Nacionais também baixarem são vastas.
Na abordagem do problema do 1.º de Agosto tem havido mais emoção do que razão, o que é perfeitamente normal, uma vez que desporto é algo que mexe bastante com o emocional das pessoas. Na verdade, estando a questão a ser tratada apenas ao nível de adpetos e pouco mais não se deve levar a mal que haja seguidores do emblema "rubro-negro" a esbravejarem e a insultarem meio mundo. O que eles querem seguramente é o melhor para a colectividade que defendem com dentes e unhas.
Objectivamente, o que se sabe sobre a situação do clube militar é o que a imprensa publicou. Num caso destes, com tantas implicações pelo meio e em se tratando de dinheiro dos contribuintes, alguém do ministério da Defesa ou do Estado Maior General das FAA deveria dar a cara para uma explicação. Porque o que foi escrito (e dito) até agora não é conclusivo e muito menos prova materialmente qualquer ilícito. Isto tem dado lugar a especulações de toda a ordem e, sobretudo, ao linchamento de carácter de alguém que sequer é arguido e, se fosse, ainda assim, deveria beneficiar do princípio da presunção de inocência.
Para já, os ânimos de alguns adeptos "agostinos" andam exaltados e o que mais se ouve é "mata" ou "esfola". Mas não há pior conselheira que a emoção na hora de resolver um assunto sério como é este. Se não houver ponderação, pode-se cometer um erro cujo preço lá mais à frente será altíssimo. E aqui não estão em causa nomes de A, B ou C. Está em causa a sobrevivência de um dos maiores contribuintes do desporto nacional.