Estava-se perante um cenário que poderia levar a uma derrocada total de todo o sistema bancário. Por isso, ao nível da Direcção Geral de Crédito e Seguros (Ministério do Planeamento e Finanças), à qual competia a regulação e supervisão dos bancos, iniciaram-se estudos sobre que medidas mais tomar, uma vez que os bancos estavam a ficar sem pessoal e agravava-se a cada dia que passava a situação no que respeitava à liquidez, e as medidas que foram sendo tomadas até aí, como a limitação do levantamento de notas nos bancos e a fixação do limite máximo de 5 mil escudos para quem viajava para o exterior, não se haviam mostrado suficientes e muito menos o seriam agora, na situação de guerra que se vivia.
Medidas essas, porém, que embora se tenham mostrado meros paliativos que pouco resolveram, foram mal recebidas pelos que pretendiam sair do País, tendo aumentado os protestos e a animosidade contra o Ministério do Planeamento e Finanças.
Pelo facto de o titular da Direcção Geral de Crédito e Seguros ter pedido férias prolongadas, a partir de finais de Junho de 1975, fiquei eu, que era o Director Geral de Finanças, a substituí-lo temporariamente no cargo. A minha primeira preocupação foi pôr-me a par e dar continuidade aos estudos que vinham sendo desenvolvidos sobre o sistema financeiro, em que além dos bancos também as empresas de seguros estavam numa situação de pré-falência, para avaliar que medidas seriam as mais adequadas ao momento e à situação.
E passei a reunir amiúde com Director Geral do Banco de Angola, Henrique Carmona, para acompanhar mais de perto o evoluir da situação. Ia-me apresentando, de reunião para reunião, um cenário cada vez mais preocupante, com o degradar constante da situação de liquidez dos bancos, que a dada altura passaram a depender de empréstimos do Banco de Angola para poderem continuar a operar. Explicava-me abertamente ser a situação insustentável por muito mais tempo, pois o Banco de Angola já não estava em posição de poder continuar a emprestar aos bancos.
Um cenário de iminente quebra dos bancos, tanto mais que a situação económica e social não dava sinais de melhoria, antes pelo contrário. Com os confrontos militares em Julho, na que ficou conhecida como "batalha de Luanda" para o controlo da capital, a população "passou também a sentir carências de toda a ordem até ao limite da falta de alimentos"10 , o que aumentou muito o número dos que diariamente saiam para o exterior, e a balcanização do país tornou-se uma triste realidade. Para os bancos, foi o início do seu desmembramento, com a orientação dada pela FNLA e pela UNITA, nas regiões que controlavam, para que as agências bancárias não acatassem as orientações dimanadas dos órgãos que superintendiam na banca, quebrando-se a articulação entre essas agências e as sua sedes, em Luanda.
Para além dos relatórios do Banco de Angola, chegavam à Direcção Geral de Crédito e Seguros muitos outros relatórios, elaborados por quadros dos Bancos, em que davam nota do número cada vez maior de empregados que estavam a sair, havendo já bancos a enfrentarem problemas com a insuficiência de pessoal qualificado. E denunciavam a concessão de crédito a pessoas e empresas que queriam apenas levantar notas ou adquirir bens de equipamento no mercado local para enviar para o exterior, bem como adquirir divisas e realizar transferências à margem da regulamentação vigente. Davam nota, ainda, de transferências para importação de mercadorias que nunca iriam chegar aos portos de Angola, bem como da abertura de cartas de crédito de exportação, cujos documentos, depois do embarque das mercadorias eram levados para o exterior, onde alguém iria receber o valor das exportações.
A saída de pessoal dos Bancos para o exterior passou a ser uma preocupação central, a par da sua situação financeira, pois na banca, na altura, praticamente não havia empregados angolanos, e os poucos existentes não ocupavam funções de gestão. A quebra dos bancos poderia dar-se a qualquer momento também pela falta de pessoal.
A pedido dos próprios bancos, nos primeiros dias de Agosto recebi no Ministério as respectivas administrações, estando também presente o Director Geral do Banco de Angola. Este fez uma breve análise da situação, tendo informado que havia já um banco tecnicamente falido e que os restantes estavam à beira de o ficarem. E concluiu dizendo que o Banco de Angola e os restantes bancos solicitavam ao Governo a tomada urgente de medidas para evitar a falência dos bancos.
E, claro, nenhum banco manifestou a vontade dos accionistas, fossem eles quem fossem, injectarem capital. Estavam a pensar apenas em mais empréstimos do Banco de Angola, do qual esperavam que "cumprisse o seu papel de financiador de última instância".11 Outra posição não seria de esperar, como é compreensível, face à situação de guerra e nenhuma perspectiva de que as coisas melhorariam a curto prazo.
O encontro com as administrações dos bancos ajudou a consolidar a percepção da gravidade da situação e a ideia de que a única saída para evitar a derrocada total seria o Governo chamar a si a gestão dos Bancos.
Receios que atrasaram a intervenção nos bancos
O ideal teria sido, logo em Abril, que tivesse sido assinado o acordo para a transferência das acções dos bancos detidas pelo Governo português para o Governo de Angola. Teria permitido que este, na qualidade de accionista detentor de uma posição dominante, promovesse uma alteração na administração dos bancos, com a nomeação, na parte que lhe cabia, de pessoas que oferecessem garantias de continuidade em Angola e se preocupassem com a formação acelerada de empregados angolanos e um maior controlo na saída de capitais para o exterior.
Mas não tendo sido assinado qualquer acordo, agora a alteração dos órgãos de gestão dos bancos exigia uma intervenção do Governo, o que necessariamente passava pela anuência do Alto Comissário.
O contrário seria impensável. Angola era ainda uma colónia, com a presença de forças armadas portuguesas. E não se tinha dúvidas de que a intervenção, que seria encarada como necessária e inadiável em outras latitudes face à situação em que se estava, seria de imediato rotulada e combatida como uma "medida do MPLA", pelo facto de o Ministério do Planeamento e Finanças ser dirigido por uma pessoa indicada pelo MPLA.
Já as medidas que o Ministério foi tomando desde Março para proteger os bancos, como antes referido, tinham levado a uma grande animosidade por parte dos que queriam sair do País. Por outro lado, em 27 de Julho, registou-se um incidente extremamente grave: um destacamento do exército português atacou as instalações do MPLA na Vila Alice, tendo-se registado elevado número de mortos e feridos. O pretexto foi que soldados do MPLA tinham alvejado uma patrulha do exército português, de que resultou um morto, e os responsáveis não tinham sido entregues às autoridades, como exigido. Este incidente, que mais tarde se soube ter sido provocado por elementos da FRA envergando fardas iguais às dos militares do MPLA, criou um clima de tensão perigoso entre as autoridades portuguesas e o MPLA. 12
Havia receio, pois, de qual pudesse ser a reacção das autoridades portuguesas, até porque eram muito pressionadas pelos milhares de pessoas que pretendiam sair e levar os seus haveres, acusando o Ministério do Planeamento e Finanças, e por conseguinte o MPLA, de criar dificuldades.
A nível internacional, por outro lado, com a supremacia militar do MPLA, assiste-se a um maior envolvimento dos EUA e da África do Sul, tendo o presidente americano Gerald Ford, no dia 18/Julho/75, aprovado a operação IAfeature - uma operação secreta, que veio a ser montada de 3 a 9 de Agosto, que visava apoiar, com dinheiro, armas e mercenários, a FNLA e a UNITA contra o MPLA. 13
10 Gonçalves Ribeiro, página 307.
11 Telegrama de Tom Killoran, de 9 de Setembro de 1975
12 Anos depois, Pompílio da Cruz, um dos fundadores e dirigente da FRA (Frente de Resistência de Angola), publicou um livro (Angola - Os Vivos e os Mortos) em que relata (página 221) ter o ataque à patrulha portuguesa sido perpetrado por elementos da FRA, pertencentes a um "Esquadrão da Morte", que envergaram fardas iguais às das FAPLA.
13 Ler o livro "A CIA Contra Angola" - 1979 - Edições Ulmeiro. O seu autor, John Stokwell, foi o agente da CIA encarregado de levar adiante a operação IAfeature, descrevendo ao pormenor a situação então vivida, com o envolvimento de tropas estrangeiras e de mercenários.