De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Angola enfrenta desafios significativos em 2023, incluindo uma degradação das perspectivas para os preços do petróleo, uma menor produção petrolífera, um ambiente externo altamente incerto e a necessidade de reverter os efeitos adversos da política fiscal expansionista de 2022 (IMF, 2023).
A posição da política fiscal é o factor crítico para explicar o desequilíbrio macroeconómico que retarda o relançamento da actividade económica no sector produtivo não-petrolífero. De facto, a fragilidade fiscal exacerba o efeito crowding out, como é explicado mais adiante, e inibe o investimento privado. Considerando esse atributo da política fiscal, o FMI, em Março de 2023, reiterou a necessidade urgente de o Executivo acelerar o ritmo do progresso das reformas orçamentais estruturais para maximizar as receitas não-petrolíferas e aumentar o impacto do gasto público (multiplicador orçamental). Destas reformas só se ouviu falar das cativações, um exercício que só serve como analgésico porque não traça uma verdadeira inversão do status quo.
Entretanto, a verdade é que o Presidente João Lourenço herdou um quadro fiscal por certo desafiante, que não pode ser reduzido ao mero debate sobre "cofres vazios". O quadro macroeconómico em 2017 era já bastante adverso com a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a registar uma contracção de 2,6 por cento, as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) no patamar dos USD 13,3 mil milhões, a inflação nos 26,3 por cento e o endividamento público de 75,66 por cento do PIB superando o limite recomendado de 60 por cento. Entretanto, em nosso entender, os persistentes problemas verificados no sector petrolífero e a condução de uma política fiscal apocalíptica sentenciaram o desempenho económico do primeiro mandato do Presidente João Lourenço. É verdade que não podemos ignorar os efeitos nefastos da pandemia quer no plano doméstico da actividade não-petrolífera, quer no plano externo. Contudo, esse factor na realidade angolana não explica o sofrível desempenho económico do primeiro mandato presidencial, uma vez que a produção petrolífera pouco sofreu com a Covid-19, dado o seu modelo operacional em offshore.
Desenhar e implementar uma política fiscal verdadeiramente solvente é imperativo para a manutenção da estabilidade macroeconómica. Feito esse enquadramento socioeconómico, o cenário macroeconómico apresentado aos investidores dos mercados de capitais internacionais à margem das reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial (BM), em Marrocos, antecipa um holocausto fiscal para os próximos anos. Alias, se o ano de 2023 tem sido bastante desafiador para o Executivo, a observação incontornável é que os próximos anos, particularmente 2024 e 2025, ainda podem ser bem piores.
Ora vejamos,
O Executivo aprovou um Orçamento Geral do Estado (OGE) e a seguir adoptou uma Programação Macroeconómica Executiva (PME) para 2023, que prevê o pagamento de aproximadamente USD 17,75 mil milhões com o serviço da dívida, o que representa 66,2 por cento da despesa total. Só os juros estão fixados no valor de USD 3,97 mil milhões, representando 14,78 por cento da despesa total, o que, por exemplo, supera os gastos com os sectores da Saúde ou o da Educação. Durante o encontro com os investidores, o Executivo apresentou uma previsão de serviço da dívida no valor de USD 15,62 mil milhões para o exercício económico de 2024, enquanto para 2025 essa estimativa é de USD 12,62 mil milhões. Se consideramos que não existem perspectivas de uma recuperação significativa da produção de petróleo e gás nestes próximos dois anos, é realista prever a persistência de uma enorme pressão fiscal que certamente exigirá medidas restritivas para mitigar o risco de incumprimento (default) e seus efeitos nefastos sobre os investidores, quer nacionais (bancos), quer estrangeiros.
Como chegamos até aqui?
Em 2013, o PIB registava um crescimento real de 5 por cento, as RILs estavam no patamar dos USD 31,17 mil milhões, a inflação nos 7,36 por cento e o endividamento público muito abaixo dos recomendados 60 por cento do PIB, ou seja, nos 33,15 por cento. Em 2014, verificou-se um choque no mercado do petróleo internacional e, quase que em simultâneo, a capacidade de produção de petróleo começou também a declinar de forma persistente, fruto do envelhecimento dos poços em exploração e da ausência de novos investimentos.
Tentando retardar o inevitável ajuste orçamental face ao cenário económico, quer nacional, quer internacional, o Executivo embarcou numa temerária (kamikaze) política de endividamento público. Contrariando as recomendações do próprio Banco Nacional de Angola (BNA), em 2014, o Ministério das Finanças (MINFIN) espoletou um conjunto de vários expedientes que resultou na subida acentuada da dívida pública, quer interna, quer externa. Como consequência natural da lei da oferta e da procura, as taxas de juros implícitas da carteira da dívida pública angolana também subiram vertiginosamente.
O gráfico apresentado abaixo permite verificar que o descontrolo na condução e gestão do endividamento público começou em 2014. A observação empírica demostra que, entre 2005 e 2013, o endividamento líquido interno (a diferença entre novas emissões e a amortização de passivos) tinha uma trajectória descendente, enquanto o endividamento líquido externo apresentava um crescimento moderado. É inequívoca que a trajectória holocáustica da dívida pública teve início a partir de 2014.
Em Setembro de 2014, o FMI alertou o Executivo de que a "situação de excedente orçamental global, dos últimos quatro anos, deverá deteriorar-se substancialmente em 2014, atingindo um défice de cerca de 4 por cento do PIB. Espera-se que a recuperação da produção petrolífera durante o segundo semestre do ano produza a queda das receitas petrolíferas para 23/4 por cento do PIB. Prevê-se que a despesa pública aumente um por cento do PIB em 2014, principalmente devido a um aumento da massa salarial mas também um aumento nas despesas com bens e serviços" (IMF, 2014). O Executivo optou por ignorar as recomendações dos técnicos do Fundo e seguiu com a condução de uma política fiscal verdadeiramente funesta.
Com o Programa de Estabilização do FMI, assinado em 2019, o Executivo de João Lourenço promoveu uma desaceleração do ritmo do endividamento líquido público. No entanto, essa desaceleração foi insuficiente para evitar que, em 2023, o serviço dívida venha a consumir 66,2 por cento do gasto público, o que condiciona extraordinariamente a condução de uma política económica que promova o investimento no sector produtivo não-petrolífero, inter-alia, porque i) o Executivo não tem recursos financeiros suficientes para realizar as despesas sociais e o investimento público necessário para alavancar a actividade económica não-petrolífera e porque ii) a captação de financiamento interno por parte do Tesouro Nacional (TN) eclipsa as empresas privadas nacionais no mercado de crédito doméstico (efeito crowding out). Assim, os bancos vão preferir continuar a emprestar ao Estado em detrimento do empresariado nacional, porque as taxas de juros pagas pelos títulos do TN são bastante atractivas e, em conformidade com as normas do Basileia II e III, os créditos concedidos ao Governo são considerados isentos de risco (risk-free), ou seja, não contam para o cálculo do capital em risco (capital at risk) da carteira de crédito.
Como solução, entendemos que é incontornável desenhar e conduzir uma política fiscal que seja suficientemente prudente face à i) volatilidade do preço do petróleo no mercado internacional, ii) o declínio da produção de petróleo fruto da ausência de novos investimentos, iii) a necessidade do Executivo redimensionar o peso do Estado na economia e iv) a imperatividade na promoção da actividade económica alicerçada primordialmente no sector produtivo nacional. A literatura económica assinala que a política fiscal parece ser um mecanismo de transmissão muito importante dos choques dos preços do crude nas pequenas economias abertas exportadoras de petróleo (o caso de Angola), uma vez que determinam, em grande parte, o grau de exposição das variáveis internas a um choque externo. Entretanto, o modelo teórico sugere que a política fiscal é capaz de regular essa taxa de transmissão (Pieschacón, 2012). Por exemplo, a "noruegização" do México isolou a economia do choque do preço do petróleo e logrou, assim, reduzir a percentagem de variação atribuída ao choque do preço do petróleo em relação ao cenário-base.
Por outro lado, quando falamos na promoção do sector produtivo não-petrolífero e na atracção de investimento directo privado, o Executivo tem de pensar fora da caixa e implementar uma abordagem de aproximação aos grandes produtores internacionais e propor contratos-programa com o objectivo de os incentivar a investirem em Angola, o que certamente asseguraria a transferência de know-how com a interacção natural com as empresas locais. O exercício ambulante de promoção através da participação em roadshows e em feiras internacionais vai continuar a trazer resultados modestos. A verdade é que a concorrência no "Sul Global" é grande e o risco Angola é, infelizmente, ainda bastante significativo. Neste contexto, um bom exemplo é a concessão do projecto de reabilitação e exploração do Corredor do Lobito - um caso de sucesso que deve ser replicado.
Importa, antes de tudo, identificar quais os sectores aptos a atrair players internacionais de referência, capazes de rapidamente instalarem-se em Angola e iniciarem a produção local, bem como contratarem serviços junto de pequenas e médias empresas locais. É imprescindível entender porquê que Angola não está nos radares de internacionalização dessas empresas de referência para então propor incentivos tangíveis que as motivem a investir em Angola. Haverá casos em que os incentivos tributários e acordos de garantias de compra de produção podem ser suficientes, enquanto outros exigirão distintos mecanismos de atração. Entretanto, é preciso abandonar os velhos hábitos como a prática do puro rentismo, através da imposição do parceiro local ou da subcontratação de empresas cujos proprietários estejam adictos ao comissionismo e que normalmente nada acrescentam do ponto de vista empresarial.
Como afirmou Buda, o filósofo e líder espiritual indiano, "As espécies que sobrevivem não são as mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças".

*Prof. Doutor Carlos A. da Fonseca Panzo
Professor Auxiliar de Economia
Business and Economic School - ISG
24.08.2023
Gráfico: Endividamento Líquido Público de Angola 2005 - 2019
Fonte: Relatórios da Missão do Art.º IV do IMF

Bibliografia
- International Monetary Fund (2014): Angola, Article IV Staff Report
- International Monetary Fund (2023): Angola, First Post Financing Assessment Discussions - Press Release; And Staff Report

- Pieschaco (2012): The value of fiscal discipline for oil-exporting countries, Journal of Monetary Economics