Em 2009, o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, foi convidado a participar na reunião do G8, realizada na cidade italiana de Áquila, entre os dias 8 e 10 de Julho de 2009, tendo solicitado a aplicação do Programa Stand-by-Agreement (SBA) com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de que Angola é membro desde Novembro de 1989. O programa de estabilização tinha como objectivo «assistir Angola a gerir os efeitos da crise económica mundial, entre os quais se elegeu a restauração do equilíbrio macro-económico, a recuperação das reservas internacionais líquidas, medidas que, em conjunto, contribuiriam para o restabelecimento da confiança do Kwanza e mitigar as repercussões dos choques adversos advenientes da crise económica e financeira global». Foi concedido um empréstimo no valor de 4,5 mil milhões USD. Como é padrão nos acordos com o FMI, os créditos são desembolsados em 4 tranches ou parcelas. Segundo o que consta a recuperação dos preços de petróleo no mercado internacional depois da crise, foi de certa forma rápida, tendo em 2011 o Governo de Angola aventado a antecipação do pagamento do crédito e cancelar o programa. Entretanto, o bom senso sobrepôs-se, o programa foi aplicado até ao fim com sucesso, tendo o País mantido boas relações com o Fundo, o que não foi característico nas relações com o FMI desde a sua admissão como membro. A economia voltou a crescer, embora timidamente, a inflação baixou aos níveis de um dígito e as reservas internais líquidas deram sinal de recuperação.

Entretanto, depois de 4 anos consecutivos de preços altos de petróleo (em 2012 o barril de petróleo chegou a ser cotado em 118 dólares USD. Em meados do mês de Junho de 2014 o preço do barril de petróleo começou, mais uma vez, a sua queda descendente, tendo atingido 28 USD, eclodindo mais uma crise para a economia de Angola. Imediatamente, após a tomada de posse do novo Executivo liderado pelo actual Presidente da República, foi lançado o programa de estabilização macro-económica, que se denominou Programa de Estabilização Macro-económica (PEM), cujos pilares foram: i) a estabilização do índice de preços que rondava os 48%; reverter o quadro de recessão, a economia estava no segundo ano de taxas negativas de crescimento (-2,6% em 2016 e -0,1 em 2017, as reservas internacionais estavam em queda livre (pouco mais de 4 a 5 meses de importação). Foi assim que, em 2018, não restou outra alternativa ao Governo, senão, mais uma vez, recorrer ao FMI, com o Programa de Financiamento Ampliado (EFF, na sigla em inglês), no montante de cerca de 3,7 mil milhões USD).

Os dois programas (2009 e 2018) tiveram algo em comum: o relançamento do crescimento económico, a estabilização da variação dos preços, o estancamento da queda livre das reservas internacionais líquidas. As medidas para a reversão deste quadro, implicam sempre elevado sacrifício sociais. Como, referiu o Professor Alves da Rocha, no seu artigo de opinião no Expansão n.º 737, de 11 de Agosto de 2023, a crítica geralmente feita ao FMI é a de que o Fundo tem um mandato muito específico e circunscrito, que exclui matérias sociais da sua estratégia. Não basta estabilizar-se o nível de preços, as reservas internacionais líquidas, se o crescimento não se configura em desenvolvimento, com impacto directo na vida das pessoas. Se a austeridade, a consolidação fiscal, a política monetária restritiva, limitarem o investimento, a instabilidade vai ser recorrente, como que vem sucedendo ano após ano em Angola.

O ponto que pretendo enfatizar é que o foco dos dois programas foi a estabilização das contas nacionais, mas penalizando as políticas sociais, a normalização do mercado cambial e a estabilização de preços. A estrutura económica continua a mesma, os problemas com o ambiente de negócio, a qualidade da mão-de-obra, as vias de comunicações (rodoviárias e ferroviárias), a falta de energia eléctrica, a água, enfim, imensos problemas estruturais persistem.
As instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), conhecidas como as duas irmãs gémeas, uma dedica-se as políticas de estabilização das economias dos países membros, enquanto a sua irmã, o Banco Mundial, tem foco nos programas que dão origem a instabilidade macro-económica. O ajustamento estrutural permite que o sector produtivo, criador de riqueza, aumente a sua capacidade de produzir (de criar riqueza), consequentemente, melhorar a capacidade de a economia reproduzir-se, assim evitar que se volte a instabilidade macro-económica.

O endividamento permite num determinado momento manter o nível de consumo, ou até mesmo aumentar o nível de consumo. Esperando-se que o empréstimo contribua para alterar a estrutura económica, inovando, dessa forma, aumentado a rentabilidade das actividades económicas. Quando se gasta o dinheiro do empréstimo comprando viaturas de luxo, whisky, champanhes, ou mesmo pagando salários da função pública, ou importando combustíveis subsidiados, que depois são contrabandeados para os países vizinhos, quando o momento de reembolsar a dívida chegar o consumo é reduzido. Terá o endividamento obtido sido aplicado em investimentos reprodutores de riqueza? Não sendo extremista, diria que uma parte foi investido na restauração de estradas (umas descartáveis), foi aumentada a capacidade de produção de electricidade, foram construídas escolas e hospitais. Mas outra parte, ainda por quantificar, foi dado destino incerto, não tendo feito os ajustamentos estruturais que a economia carece. Por conseguinte, nestas circunstâncias, podem ser concebidos quantos programas de estabilização que se quiserem, as crises macro-económicas serão recorrentes, cada vez com maior intensidade.

Os decisores de política económica (passados e actuais) falam convictamente da necessidade do aumento da produção nacional e na substituição das importações. Estamos totalmente de acordo, que é imprescindível que se crie riqueza no País, produzindo localmente o que nos viciamos a comprar no estrangeiro, o que nos conduz, recorrentemente, a excessiva procura de cambiais. Entretanto, a minha pergunta é, sabe-se que condições existem na Angola real, para se produzir milho, feijão, arroz, soja, etc.? Sabe-se qual é o desafio para levar insumos nos campos no interior do País? Sabem qual é o nível de degradação das estradas primárias, secundárias e terciárias? Sabem qual a luta que os produtores enfrentam para escoar a produção dos campos longínquos do interior de Angola? Por acaso têm noção da falta de infra-estruturas (silos, secadores e graneleiros) para acondicionar e transportar os grãos ou outro tipo de produtos agrícolas produzidas no País?

Fui criado no seio de uma família que se dedicava a agricultura e criação de animais, ainda hoje produzo milho e feijão, para o meu consumo, o ovo e o frango é da capoeira de casa. O meu percurso profissional foi por muitos anos gerir operações industriais (em Angola e no Norte de América). A minha experiência me permite afirmar que gerir uma operação agro-pecuária ou industrial, num país altamente ineficiente, onde a divisão social de trabalho é quase nula, por falta de especialização, sendo, por consequência, a terceirização de actividades sinónimo de fracasso, pois os pilares do capitalismo (propriedade e contrato) são letras mortas, o discurso de aumento da produção nacional não passa de simples discurso e muito boa intenção, que não se concretiza na prática. Assim é que estamos há décadas a falar de diversificação da economia que não se concretiza. Uma operação de exploração agrícola e industrial exige muito mais, requer extrema capacidade de articulação das várias actividades da cadeia de valor, muito mais complexo que uma simples operação de importação e comercialização de produtos acabados.

A transformação estrutural de uma economia implica o aumento da agregação de factores de produção locais nos produtos e serviços transaccionados no País. Por exemplo, deixar de exportar crude e exportar produtos refinados, deixar de exportar diamante bruto em exportar diamante laminado ou joias, deixar de exportar pedras de granito e mármore e exportar ladrilho de granito rosa, cinzento e preto, ou ainda deixar de exportar café, passar a exportar café transformado, ou seja, evoluir de actividades intensivas em mão-de-obra para actividades intensivas em capital e tecnologia. Mas, não se chega nesse nível com o actual ambiente de negócio, com a actual imagem das repartições da justiça (Cartórios Notariais, Registos Comerciais), que levam meses para publicar uma certidão de propriedade. Sem esquecer o sistema de toponímia das cidades e vilas. Por acaso, alguém me poderá dizer algum endereço, por exemplo, no Morro Bento? Não menos importante na transformação da estrutura económica do País é a componente do capital humano. Como inovar, produzir e disseminar conhecimento, no actual contexto da qualidade de ensino no País? Em que não existem iniciativas concretas de transferência de tecnologia ou do saber fazer (know-how)? Considerando que a investigação científica é inexistente nas instituições de ensino superior, porque não existem condições materiais para o efeito.

Uma observação atenta aos programas de estabilização implementados nestes 15 anos apontam-se as insuficiências no aumento da capacidade reprodutiva da economia, dada a fragilidade das infra-estruturas. Por tudo que já vivi neste País e noutros, estou convicto de que sem renovação, manutenção de infra-estruturas produtivas, melhoria do rendimento dos agentes económicos (empresas, famílias e o Estado), não há crescimento económico, sem o qual, mínimo abanão a recaída (déjá vu), ao ambiente da perda de valor da moeda nacional e o consequente aumento vertiginoso de preços na economia, vai ser recorrente.