Para o MPLA, é tempo deste partido deixar de olhar para um passado onde muito poucos são inocentes e (quase) todos são culpados e de encarar o presente sem o estigma da exclusão.
Para a UNITA, é tempo deste partido se libertar dos vestígios do velho caudilhismo que lhe destapam preocupantes sinais de ressentimentos e de depositar esperanças num futuro límpido, incluso e sem o espectro do revanchismo.
A pouco tempo da hora da largada eleitoral, hoje já ninguém tem dúvida de que, MPLA e UNITA, de modo diferenciado, assumem o espírito daquelas duas palavras de ordem.
O MPLA recebeu, no entanto, um oportuno e providencial puxão de orelhas do seu líder para frenar o triunfalismo gratuito que, perigosamente, começava a apossar-se de muitas das suas hostes.
Ao dar esse puxão de orelhas, João Lourenço estará a alertar a elite política do MPLA para pôr fim ao cortejo de compadrios onde a mesquinhez, a arrogância e a hipocrisia predominam como factores que contribuem para a captura do poder e para a canibalização ideológica do próprio partido.
João Lourenço terá sinalizado a necessidade de haver mudança na acção política do MPLA, mudando a sua forma de lidar e de convencer um eleitorado que se apresenta com outra armadura sociológica e com níveis de exigências cada vez mais crescentes.
O líder do MPLA terá avisado que é prematuro içar a bandeira do "Já está!" quando ainda não foi realizada a mudança que se impõe para recuperar o eleitorado perdido nas duas últimas eleições e mobilizar aqueles que, imergindo como nova corrente de pensamento social, em Agosto serão determinantes no desfecho do sufrágio.
A UNITA, por sua vez, pode não subscrever a paternidade da carta de alforria pretendida pelos propagandistas da onda de Agosto, mas, não deixa de hastear a mesma bandeira e de entoar o mesmo hino.
É natural que assim seja. É natural que a UNITA, como qualquer outro partido inteligente, não queira desperdiçar a onda popular. De resto, só um partido carregado de soberba não agiria da mesma forma.
Sendo normal e legítimo os partidos entrarem em campanha eleitoral animados do mais elevado espírito de crença na vitória, a prudência recomenda, porém, que tenham os pés bem assentes no chão. O excesso de triunfalismo, ligado a um tecto falso, prega-nos, por vezes, partidas inesperadas. Foi o que aconteceu com a UNITA em 1992.
Mas, o MPLA, com toda a aura vitoriosa trazida das eleições subsequentes, em 2017 já foi obrigado a arregaçar as mangas para enfrentar a curva eleitoral mais apertada dos vários pleitos em que se envolveu até aqui para conseguir manter a hegemonia do poder em Angola.
Agora, tudo parece afigurar-se ainda mais embaraçoso. Detendo ambos os partidos áreas de influência tradicionais, a transfiguração sociológica que a nossa paisagem política conheceu nos últimos tempos, apresenta uma zona de desconforto para um e para outro.
Ou seja, há um eleitorado que, cansado da governação do MPLA, já não o quer mais no poder, mas esse mesmo eleitorado também não morre de amores pela UNITA.
Estando tudo em aberto, a UNITA parece pretender tirar partido do descontentamento deste eleitorado. Com essa incursão, daria um passo de gigante na sua pretensão de quebrar pela primeira vez a hegemonia do MPLA.
Nada mais legítimo. Fá-lo, porém, como se já nada a pudesse deter. Fá-lo como se o eleitorado já lhe tivesse garantido o voto revestido unicamente de verde, vermelho e preto.
Fá-lo como se o adversário, mesmo sem ter sequer entrado em campo, tivesse já dado mostras de que se vai apresentar em público sem forças e de gatas.
Na verdade, "em Agosto vão gostar" em contraponto com o "Já está!" do MPLA pode não ser o slogan da UNITA, mas este partido, já o assume como o sinal de uma vitória antecipada.
Melhor seria se acatasse o conselho de José Régio: "Não sei para onde vou, mas, sei que não vou por aí". Porquê?
Primeiro porque o MPLA não está morto. Segundo porque o MPLA não esgotou a capacidade de se transfigurar, de um momento para o outro, em período de aflição.
Terceiro porque se afigura perigoso para quem lidera a oposição subestimar essa capacidade e cantar de galo antes do tempo diante de uma franja importante do eleitorado que ainda tem medo de votar no desconhecido.
O tempo mostra que os cidadãos estão mais preocupados com o desemprego e os problemas da saúde, da educação e da habitação do que com a mudança da Constituição, o nome dos deputados ou as viaturas dos ministros. Essas são exigências da oposição; aqueles são os desafios que se colocam a quem governa.
Do lado do MPLA, não há tempo para ideais geniais, desde logo porque há muito que não há génios na política angolana, mas sempre haverá tempo para este partido sarar algumas feridas internas e reabilitar todos aqueles que podem agregar valor para o ajudar a imprimir novo fôlego à sua campanha eleitoral.
Com os melhores e os mais ousados, o MPLA sempre irá a tempo de passar a olhar a realidade para além da ponta dos sapatos com uma atitude agregadora para dentro e um discurso mobilizador para fora.
Com visionários, o MPLA sempre irá a tempo de se redimir e de justificar porque não foi capaz - dir-se-ia em linguagem marxista para fazer uma auto-crítica - de fazer mais.
E, sobretudo, se sustentar como, em matéria de emprego, saúde, ensino e habitação, pode fazer diferente e fazer melhor.
Do lado da UNITA, há tempo a ganhar com a garantia teórica de que este partido ganhando as eleições, não deixará que haja vingança. Não sentindo essa garantia, várias franjas da população do meio urbano, mantêm dúvidas sobre os reais intentos caso ascenda ao poder.
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