A iniciativa de reformas voltou à tipologia de programas económicos elencados, visando a reversão do quadro macroeconómico profundamente instável, que foi denominado de Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), que se associou ao pedido de apoio ao Fundo Monetário Internacional (FMI), através do Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility - EFF, em Inglês). Antes, porém, vale a pena analisar novamente o estado da economia no momento da transição, para, em seguida, ver as medidas que foram tomadas para reverter os desequilíbrios, então prevalecentes. Assim, será possível compreender, se a situação melhorou ou piorou, ao mesmo tempo, responder à questão central das reflexões sobre "por que razão as várias tentativas de reformas económicas não são bem-sucedidas"?
A instabilidade macroeconómica no momento da transição (Setembro de 2017) era profunda: a taxa de crescimento da economia acumulado no terceiro trimestre era estimada em −1,9% (com um crescimento de -4,4% no primeiro trimestre, -0,8% no segundo e 3,5% no terceiro), a inflação homóloga situava-se nos 25,18%, a taxa de desemprego rondava os 24%. Havia uma falta gritante de divisas, o acesso às mesmas fazia-se por via de leilões, imbuídos numa promiscuidade sem precedentes. Consequentemente, a oferta de produtos alimentares era diminuta, o que, como é óbvio, puxava os preços de bens alimentares para cima. O estado das infra-estruturas era deficiente, apesar de alguns projectos de construção de barragens terem sido concluídos no período passado (ampliação da barragem de Cambambe, Capanda e Laúca), tendo contribuído para a melhoria da oferta de energia eléctrica. Note-se que, neste período, a crise dos preços do petróleo se encontrava no seu terceiro ano, e a concessionária nacional, a Sonangol, estava ela própria em turbulência.
Face à instabilidade prevalecente, o novo Governo, empossado em Setembro, lançou mãos a um programa de reformas, que chamou de Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), cujas linhas de acção podem ser sintetizadas em 4 pontos: a) estabilização macroeconómica, com o foco na redução da taxa de inflação, (que mês após mês não parava de acelerar), impulsionar o emprego e redinamizar o crescimento económico: b) a reconversão da economia, visando a redução da dependência do petróleo, ou seja, acções que promovam a diversificação da economia; c) melhoria de governação e combate à corrupção (note-se que o combate à corrupção foi a grande bandeira do novo Governo); e d) acções destinadas à reestruturação de empresas públicas e às finanças públicas, perseguindo a restauração da credibilidade dos parceiros externos. Salienta-se que a este programa do Executivo foi feito a solicitação de apoio ao FMI, passados 10 anos desde que o País requereu o Stand-By-Arrangement (SBA), volta a recorrer ao FMI, agora com um programa de apoio e assistência técnica denominado Extended Fund Facility
(EFF). Como se sabe, o FMI é intransigente nas suas exigências, cujas consequências impactam fortemente os mais vulneráveis.
As vias encontradas para se alcançar as metas de inflação foram: a consolidação da política fiscal e monetária, consubstanciada na limitação dos níveis dos meios monetário em circulação e a política de austeridade, traduzida no incumprimento das obrigações contratuais do Estado para com os seus prestadores de serviço. O resultado foi a destruição de grande parte dos prestadores de serviço ao Estado, que enfrentam ainda hoje enormes dificuldades para cobrar os seus haveres, fruto do atraso nos pagamentos, aumentando ainda mais os níveis de desemprego, afundando a taxa de crescimento, que se perseguia impulsionar. Apesar dos efeitos desastrosos da persistente política de austeridade, é ainda hoje, a linha de orientação seguida pelo Governo, para a contenção da inflação, não honrar os compromissos assumidos, secando os meios de pagamento na economia, aparentemente, abatendo o volume do stock da dívida pública. A consolidação fiscal tem se manifestado no Orçamento Geral do Estado (OGE), que, efectivamente, limitou a expansão de despesa, restringindo-se a honrar o pagamento dos salários da função pública, porquanto, outras rubricas, consistentemente, quase não tiveram execução. As despesas de capital, as novas admissões, ou a progressão na carreira foram também limitadas. Por conseguinte, é de esperar que as acções reformistas pouco tenham contribuído para restaurar a estabilidade macroeconómica perseguida.
As acções visando a redução da dependência do petróleo, promovendo a diversificação da economia, consistiram no lançamento do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), em substituição do Programa Angola Investe (PAI), consubstanciado na concessão de créditos com taxas de juro bonificadas, para projectos elegíveis (projectos industriais, agricultura, pecuária, entre outros), de que, igualmente, resultou na publicação de uma lista de produtos que não podem ser importados sem antes a confirmação da existência de produção nacional. Contudo, esse tipo de intransigência, sem estudos profundos e independentes, sobre a evolução da produção no País, conduz aos resultados que se assistem. Angola está viciada em exportar produtos que não consome (crude) e viver de importações do que mais consome (alimentação), que não produz. Embora, em Angola, a avaliação da efectividade de programas sob a égide do Governo não seja prática comum, pelo que ainda hoje se importa dos produtos listados, facilmente conclui-se que o PRODESI está longe de atingir os propósitos para o qual foi criado. Neste período, deu-se um fenómeno caricato, que, a meu ver, contribuiu em grande medida para o agravamento do estado da economia nacional. A coberto da luta contra a corrupção e responsabilização, a que o novo Governo se comprometeu, as empresas associadas à família do ex-Presidente, bem como, à algumas figuras de proa do antigo Governo foram intervencionadas (Hipermercado Kero, Hipermercado Candando, Pumangol, etc.), no que resultou no seu fraco desempenho ou mesmo encerramento (só aqui foram perdidos milhares de empregos), ao mesmo tempo, afugentar o investimento privado. Quem investe num país onde não se respeita a propriedade? Quando a propriedade é o pilar do capitalismo!
Efectivamente, as primeiras manifestações do novo Governo davam indicações de que o combate à corrupção e a responsabilização na governação passariam a ser encarados com seriedade. Porém, passados 8 anos, a tese de uma luta selectiva contra a corrupção ganha consistência, e os factos falam por si. Quanto à melhoria da governação, apesar de o Titular do Poder Executivo (TPE) ter dirigido várias reuniões com os Governos nas sedes Provinciais (o que alterou o paradigma anterior), os factos indicam que, efectivamente, não há melhorias substanciais na governação, pois a boa governação manifesta-se directamente no bem-estar da sociedade em geral. Foi lançado o Programa de Privatizações Integral e Parcial de Empresas Públicas (PROPRIV), coordenada pelo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), realizou a primeira alienação do património público pela via da Bolsa de Valores (o que se diga em abono da verdade que é uma inovação). Outras empresas foram concessionadas, dadas às adversidades do mercado, não têm produzido os resultados esperados. O exemplo são as empresas têxteis (ex Africa Têxtil, Satec, Textang I e II), cuja reabilitação custou cerca de mil milhões de dólares. Mas, pelo que se ouve nos jornais, a sua capacidade de criação de emprego e de riqueza está longe do almejado. Porque os aspectos ligados ao mercado e o poder de compra da população não foram tidos em conta, quando se fez a análise do investimento.
Tenho afirmado que a diferença entre o período entre o SEF (Eduardismo) até o ano de 2017, e o momento actual (Lourencismo) é que, no passado éramos pobres e não sabíamos, vivíamos na ilusão! Desde 2017, com a implementação do câmbio flutuante, passámos a viver a realidade. A grande maioria de angolanos sabe que somos pobres. Já li e ouvi inúmeras vezes que Angola é rica. Discordo totalmente, Angola é potencialmente rica, tem de trabalhar para transformar o potencial dos seus recursos naturais em riqueza, o que exige empenho, honestidade, inclusão e muito trabalho. Passados 8 anos da aplicação do PEM e EFF, qual é o estado actual da economia angolana? A taxa de inflação homóloga actual é 18,16%, a taxa de desemprego é 28,8%, dos jovens ascende 52,7%, e 78,6% do emprego é informal. A conclusão é que, quer no período que vai desde o SEF até aos dias presentes, as prescrições para reverter o quadro de instabilidade macroeconómica, que induz ao estado de pobreza da grande maioria dos angolanos, têm sido consistentemente erradas. Por isso, na minha próxima reflexão, vou partilhar com os leitores o meu ponto de vista sobre as razões pelas quais as reformas não têm produzido os resultados desejados, empurrando-nos para a situação degradante que vivemos, delineando a minha perspectiva de como reverter o quadro de instabilidade macroeconómica persistente, enveredando-se para o crescimento sustentável, transformando o País num bom lugar para todos vivermos. Termino a série no próximo artigo, até lá!
*Economista

