Para introduzir o tema, é importante referir que o Sahel é uma região - direi, uma faixa - que se encontra ao longo da margem sul do deserto Saara. O Chade, Burkina Faso, Mali, Níger, Mauritânia são os países que se situam no epicentro desta região e, consequentemente, no epicentro dos problemas. Terrorismo, conflitos, crime organizado, corrupção, grandes efeitos das alterações climáticas, subnutrição e pobreza e índices muitíssimo baixos de desenvolvimento e prosperidade económica. Sim, tudo isto encontra-se nesta zona de África.
Estima-se que dois milhões de pessoas migraram internamente, para fugir à violência e à crueldade vivida diariamente, por qualquer um dos motivos mencionados anteriormente. Cerca de um milhão de pessoas viu-se obrigado a transpor fronteiras para conseguir sobreviver. Todas estas pessoas deixam para trás tudo o que edificaram para, "apenas", sobreviver. Muitas caminham no deserto, com crianças, passando dias sem água ou comida. Chegando ao destino, começam do zero a reconstruir, dormindo ao ar livre ou em tendas, juntamente com outras centenas de pessoas, em aglomerados que há muito já superaram o seu ponto de ruptura.
Aliado ao facto de o Sahel ser uma das regiões do globo onde mais sentem os efeitos das alterações climáticas, para além de toda a pobreza e economia destroçada, o terrorismo aparece no topo das preocupações. Desde movimentos insurgentes, motivados pelo conflito com etnias rivais, até, sobretudo, à movimentação, em larga escala, das tropas jihad, a violência é, nos dias que correm, uma constante.
Atualmente, ISIL (atua em toda a região), Boko Haram (principalmente, Níger, Chade e Nigéria), JNIM, Ansarul Islam (sobretudo, no Mali e no Burkina Faso) são os grupos armados que mais atacam a região Sahel. Crê-se que várias tropas se tenham deslocado da Líbia e Iraque para o Sahel, sendo essa a nova estratégia destas organizações.
Em 2014, fruto da insegurança e instabilidade da região, foi criado o G5 Sahel, que fazem parte os países que mencionei no início do texto. Militarmente, este grupo é composto pelos exércitos destes Estados, insuficientes para a dimensão dos conflitos, com uma tremenda falta de recursos e de táticas de combate. Adicionalmente, existem várias missões, da ONU e, principalmente, de França, que tentam travar o constante avanço dos jihadistas no território. Por muito que as forças militares internacionais consigam ganhar num combate direto com os movimentos insurgentes, não conseguem proteger as vilas e comunidades das sucessivas violações aos direitos humanos.
Concomitantemente, a ajuda humanitária tarda e é insuficiente. Com a pandemia covid-19, mais foram as dificuldades para as comunidades que se encontram fora das grandes cidades, cada vez mais vulneráveis e suscetíveis a ataques. O resguardo político encontra-se nos principais aglomerados urbanos destes países; devido às suas insuficiências enquanto "Estados falhados", a proteção militar não chega ao resto dos territórios.
A falta de uma estratégia regional, complementarmente com as diversas visões internacionais da solução, é notória e aumenta a disseminação da violência. Com os vários atores ligados, ainda que indiretamente, ao assunto (ONU, Estados Unidos, UE, com principal destaque em França, mas também países do Oriente que têm interesses na região), é prejudicada a eficiência da ação, que não se encontra articulada entre todos - não existe uma coligação internacional que una esforços e traga paz à região.
A coordenação de esforços diplomáticos e políticas de diálogo com os grupos armados pode ser a mudança necessária e exigida na estratégia para o Sahel. Tal como aconteceu no Afeganistão, quando grande parte dos players internacionais acharam ridícula a ideia de se abordar uma fação moderada dos Talibã (atualmente, há diálogo com, praticamente, todas as fações), esse pode ser um caminho a seguir pelo G5 Sahel. Apesar disso, deve existir uma ação militar coordenada para dar resposta aos sucessivos ataques nas zonas mais afetadas. Com efeito, o diálogo com os stakeholders locais (diga-se, as diversas comunidades de diferentes etnias, que possuem um largo espectro de influência na região) torna-se ainda mais vital para o êxito.
A aplicação de doutrinas operacionais clássicas não resulta. Não podemos esperar mais cinco ou dez anos para adotar uma ação mais eficaz, que se direcione para o diálogo com os grupos insurgentes e com as comunidades locais afetadas, assegurando assim o respeito pelos direitos de todos aqueles que lutam pela sua sobrevivência.