Trump não se livrou de ser apelidado cúmplice da invasão e viria a ser objecto de vários processos judiciais por esse facto e de inúmeros outros, pelas mais variadas razões.
A escassos dias da recentíssima posse, seria mesmo condenado em Tribunal por condutas penalmente tipificadas como desviantes, por sedução sexual de uma cidadã americana que participou o sucedido.
A sentença foi registada mas sem eficácia pelo facto de ter sido eleito Presidente.
Este quadro, não isento de incertezas e dúvidas sobre a personalidade de quem vai exercer, pela segunda vez, um mandato presidencial da maior potência mundial, é tanto mais inquietante quanto é certo que certas declarações políticas feitas por Trump não se ajustam ao equilíbrio resultante do que se seguiu ao segundo conflito mundial.
A isto tudo acresce a lista de nomes indicados para integrarem a sua equipa, desde logo com um dos homens mais ricos do mundo, Elon Musk, com grande peso no sector eléctrico do automóvel, passando pelas redes sociais, a empresas espaciais, e que não esconde o apoio a partidos de extrema-direita, como o Afd alemão.
Noutro domínio, não menos estranho, o futuro responsável da saúde, Robert F. Kennedy Jr., produziu reticentes declarações em relação à poderosa indústria farmacêutica americana, para além das dúvidas que exprimiu relativamente à pandemia da Covid-19 e ao combate travado para a debelar .
Por prudência, mas não só, é útil termos presente que os pais da Constituição americana conceberam contrapesos a eventuais desvios arrogantes do poder, que viessem a colocar em causa o equilíbrio do exercício do poder que admito serem bastantes para evitarem o inaceitável.
Do que Trump tem dito, parece ser evidente que priorizará a preponderância dos EUA na política externa, no seu relacionamento com a rival China, socorrendo-se, para o efeito, dos mecanismos das taxas alfandegárias sobre produtos importados.
Procurará ainda não afrouxar a pressão para que os países que pertencem à Nato reforcem as dotações orçamentais para com ela, para que a instituição dependa tanto como agora se encontra dos EUA.
Estas linhas da política externa afectam naturalmente a UE e os países que a integram. a braços com outras prioridades, como a guerra na Ucrânia e a necessidade de abastecimento de gás que não possui, condicionamento sério no sector energético.
No mais, há ainda as consequências das relações com os BRIC"S e o propósito de reforçar a posição na zona em que os EUA geograficamente se inserem, procurando ganhar maior influência na Gronelândia, Canadá e México, para além da intenção de fazer reverter a gestão do canal do Panamá para os EUA.
Há, nestes últimos casos, propósitos de defesa resultantes de uma análise geoestratégica, sendo útil ter-se presente que mais de metade do país, que é hoje os EUA, corresponde a regiões compradas a outros países, como é o caso do Arizona, Flórida, Montana e Novo México.
Muitos desafios e todos de grande dimensão, incluindo a nível interno o reconhecimento de que só há dois géneros o masculino e o feminino e a condenação de tudo o que envolve a filosofia Woke, para além da pretensão de tornar muito mais eficaz a administração publica
O discurso que produziu no dia da tomada de posse voltou a ser comicieiro
No que respeita a África, não creio que haja grandes alterações na política externa americana, aliás, há muito desenhada.
Recordo que nos últimos anos, Barack Obama visitou a África subsariana em 2015, Biden participou na Cimeira do Egipto, em 2022, promovendo nesse ano a Cimeira EUA/África, em que o Presidente João Lourenço esteve presente e responsáveis da equipa de Trump ao mais alto nível visitaram oficialmente Angola no seu primeiro mandato
Joe Biden visitou Angola durante três dias, no início de Dezembro de 2024, a propósito do investimento no "corredor do desenvolvimento do Lobito" e de outros previstos, reunindo de novo com João Lourenço e com os Presidentes da República Democrática do Congo e da Zâmbia.
Tudo visto, há agora que aguardar a concretização das políticas desde logo as "ordens de bom senso" que referiu no discurso da tomada de posse que iria implementar nos cem primeiros dias para, como diz um adágio popular "ver para crer, como diz S. Tomé", tanto mais que, perante o mundo multipolar, é um novo ciclo no mundo que vai surgir .
*(ex-Secretário-geral da UCCLA)