O reacender do conflito no Leste da RDC, após um hiato de tréguas, não alimentou quaisquer esperanças resultantes da última cimeira SADC/EAC realizada em Dar-es-Salaam, Tanzânia, onde se recomendou um cessar-fogo imediato e conversações directas entre as partes beligerantes. A ostensiva presença e envolvimento das forcas rwandesas apoiantes do M-23 no teatro operacional, o alastramento dos combates, confirmaram as ambições territoriais e económicas de Kigali, pretextando apoiar populações do Leste. A regionalização do conflito já se torna um facto.

Pior do que isso, a fragilidade do governo de Tshisekedi, mergulhado em grandes fracturas políticas e regionais no dito partido presidencial, aliadas a corrupção sistémica, e desorganização crónica do Estado, incluindo as forças castrenses, em meio a vários grupos paramilitares de objectivos obscuros, num território tão extenso e povoado como o do país vizinho, adensam os perigos de fragmentação ou desagregação da RDC ou uma eventual queda do regime. Não esquecendo as consequências humanitárias, políticas e de segurança para Angola.

Se juntarmos a isto as tentativas de alguns sectores africanos de colocarem em causa a mediação de Luanda, diríamos que, na Cidade Alta, se deve olhar para a situação de modo mais realista.

Num quadro de vários conflitos armados como no Sudão, na RCA: golpes de estado e torpedeamento de processos eleitorais democráticos, emergência de vários fundamentalismos, disputas geopolíticas globais, tendências de fragmentação territorial - a presidência de João Lourenço vai enfrentar desafios colossais, quanto mais não seja para encontrar o mínimo denominador comum. E ao contrário, pode supor-se, a simultânea condição de mediador de um conflito e a cadeira presidencial da organização continental "não se ajudam", como soe se dizer em Angola.

Alguns levam a mal

No domínio da política doméstica, será preciso mais que o alardeado carisma e empatia da novel vice-presidente do partido dos camaradas, Mara Quiosa, que apanhou talvez nesta condição o primeiro banho de multidão no lançamento da agenda política para 2025 pelo MPLA no último fim-de-semana em Malanje, organizado a preceito, segundo a cartilha de mobilização das massas com recursos e meios mais ou menos persuasivos e atraentes, para desbloquear os grandes impasses nacionais, desde o calendário das eleições autárquicas, a gangrena da corrupção, a crise sanitária com a cólera em ascenso.

Tudo isto com a problemática sucessão da liderança do partido governante, como pano de fundo e que se sabe ser uma equação de geometrias variáveis do Presidente João Lourenço, a navegar entre as águas turbulentas da putativa revisão constitucional, o cenário da bicefalia e outros mares.

Como tem ficado evidente, o famoso injectar de sangue novo tem-se traduzido mais por um diminuir da massa crítica de um partido desgastado por cinco décadas de governação, metade dos quais sob guerra civil, outros tantos sob regime autoritário e democracia mitigada, os quais terminada a benesse do boom petrolífero e instalada a crise há mais ou mesmo uma dezena de anos, viu precipitarem-se a contestação política e social, face ao aumento da pobreza, desigualdades e subdesenvolvimento.

Consumado o expediente da nova divisão político-administrativa na mira da fragmentação do espectro eleitoral, continuamos a assistir à emergência de novos partidos políticos, numa remake de estratégias antigas, agora adicionada com a presença do elefante na sala (arena) partidária com o reconhecimento do PRA-JA e os imprevisíveis cenários do formato de apresentação dos principaís partidos das oposições ao pleito de 2027.

Fazendo recurso a uma estratégia actualmente em voga nos marketeiros políticos no mundo ocidental e não só, o partido da situação tem vindo a indicar para postos da administração local (municipal, província) figuras jovens de notoriedade pública vindas do mundo da cultura, das artes, do entretenimento, sem experiência política nem de gestão, mas de relevância mediática entre a juventude. Apesar da fraca expectativa de resultados em termos concretos, em termos funcionais, enquadra-se na mesma perspectiva de sedução de potencial eleitorado juvenil.

A administração Lourenço tem seguramente na gangrena da corrupção o maior facto de descréditodito diante da opinião pública e publicada, esta não só se alastrou e se instalou em praticamente todos os escalões da administração estatal, incluindo sectores-chave como o das finanças, círculos castrenses, administração central e local, como também incorpora máfias internacionais, das quais a chinesa se tornou a mais tristemente famosa, pela recorrência, a dimensão financeira das criptomoedas e a relativa impunidade. Para não falar do rocambolesco e também recorrentes episódios do contrabando de combustíveis onde, apesar de referenciados os supostos mandantes e fautores por altas figuras do Estado, não ocorrem os supostos desenvolvimentos judiciais.

Na frente social, o anúncio de uma eventual nova greve geral pelas centrais sindicais no próximo mês de Marco, face ao dito incumprimento por parte do Governo do aumento de 25% do salário mínimo, coloca o Executivo de João Lourenço diante dos velhos dilemas de modelos económicos que não estão a resultar em termos de emprego, sustentabilidade e diversificação económica, erradicação da pobreza.

O início de 2025, politicamente falando, não alimenta boas expectativas, seja porque tudo aponta para o contínuo postergar do calendário das eleições autárquicas, o enviesamento do debate e da participação cidadã, entremeada de remoques autoritários, numa tentativa desesperada de congelar o futuro no status quo.

Entre o partido dos camaradas há cada vez mais vozes que começam a se interrogar sobre quais serão os custos politico-eleitorais e não só, do afã de tentar manter o poder a qualquer custo, mesmo contra os sinais que nos chegam interna e externamente no continente africano.