A avó, agindo de forma agressiva, arremessou-lhe a panela, causando-lhe queimadura do 2.º grau nas costas, nádegas e pernas. A vítima é órfã de pai e mãe e vivia com a avó, que, entretanto, já foi detida. Este é mais um dos muitos casos de violência doméstica envolvendo menores e em que quem devia proteger as crianças é quem as agride. E mais grave é que estes casos de violência acontecem no seio da família, em que familiares castigam menores de forma violenta e inaceitável.

As crianças sofrem pelas mãos de quem as devia cuidar e proteger. São comuns os relatos de crianças cujas mãos são queimadas por mexerem num prato ou panela de comida ou os casos em que elas são acusadas de feitiçaria.

Nestas situações que acontecem todos os dias entre nós e que devem ser denunciadas, os agressores devem ser exemplarmente punidos e as vítimas protegidas. Sou de uma geração que ainda tem memória de mães que colocavam gindungo nos órgãos genitais das meninas, pais que usavam mangueiras de borracha para bater nos filhos, achando que esse era o método mais eficaz para puni-los e discipliná-los.

Havia mesmo como que uma normalização da violência e seus métodos. A violência doméstica infantil vai muito além das agressões físicas e marcas deixadas no corpo, existe o impacto emocional e psicológico que ela causa. Surgem a depressão, as fobias e certos transtornos obsessivos. Crianças que vivem em ambientes familiares com adultos que vivem em situação de permanente stress, que apresentam um quadro depressivo, desemprego, que fazem consumo excessivo de bebidas alcoólicas, com problemas conjugais, acabam por ser vistas como as culpadas de todas as situações e como válvula de escape.

É que a maior parte dos casos de violência contra as crianças acontece no seio familiar ou com pessoas muito próximas ao convívio familiar. Em 1982, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial das Crianças Vítimas de Agressão; mais do que uma data comemorativa, ela é mais uma oportunidade para que a sociedade reflicta sobre o assunto e busque soluções para o problema.

A intervenção da Psicologia e do Direito joga um papel importante na reflexão sobre o papel e a função da família na criação e educação de menores. A complexidade e o impacto do fenómeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes obrigam a uma maior intervenção e discussão junto da Comunicação Social e com a presença dos diferentes actores sociais.

Um cidadão de nacionalidade chinesa, de 57 anos, foi detido há dias pelos Serviços de Investigação Criminal (SIC), no município do Tômbwa, província do Namibe, por ter abusado sexualmente de uma menor de 16 anos. O homem aliciava a adolescente com dinheiro para satisfazer o seu desejo sexual de forma reiterada, uma matéria também avançada pelo Jornal de Angola. A adolescente manteve-se calada e gastava o dinheiro que recebia do explorador sexual com roupas e telemóveis. Os pais desconfiaram, acabando por interrogá-la e aí descobriram toda a cena de repetidos abusos.

Estas são situações que nos levam a reflectir que algo não anda bem na nossa sociedade. Estes são casos que tiveram destaque mediático e se tornaram conhecidos, mas todos os dias ocorrem abusos de menores dentro de lares e sob o olhar conivente e silencioso de familiares.

Não basta a dor e o transtorno de uma criança que já é órfã de pai e mãe, como ainda a avó, que devia cuidar dela e protegê-la, é quem a manda executar trabalhos para os quais ainda não está suficientemente preparada. E, só porque "a cebola queimou", foi castigada e ficará com sequelas físicas e emocionais para toda a vida. "A cebola queimou" era uma tradução popular inventada para o sucesso musical "Pa Fe Mwen La Pen", do antilhano Eric Virgal, com que faço analogia a uma criança que terá o seu futuro comprometido, a sua saúde física, mental e sua intimidade afectadas só porque deixou queimar cebola na panela.

Foi queimada porque deixou queimar cebola. E isto é só mais um aviso à navegação de muitas "cebolas" que se queimam e de punições que são impostas. Há muitas "cebolas" queimadas cuja reacção acaba até em morte de muitos menores. É um quadro muito preocupante, como também o é o nosso silêncio e passividade perante um assunto tão delicado.